O Presente e a Memória

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Naiáde encarou a imagem por alguns segundos antes de reagir, faziam cerca de 5 dias desde o incidente na floresta e Reed se recusava a chegar muito perto, era adorável no início mas agora estava ficando bastante irritante. Mas uma coisa precisava admitir, não conseguiu esquecer da sensação, do sussurro, das palavras carregadas de sentimento de posse.

— Isso chegou para a senhorita, foi um pedido do palácio para o melhor artesão de arcos da capital.— disse ele caminhando até ficar ao alcance de um braço e parando, Reed parecia tenso, suas palavras quase como um roteiro de teatro, era nervosismo, arrependimento ou falsidade?

— Está certo.— disse fechando o livro militar e voltando toda a atenção ao homem à sua frente, sorriu quando ele estendeu um arco e uma aljava feita de couro com detalhes prateados, era lindo, desde as curvas aos entalhes na madeira, até as penas azuis nas flechas.— Mas isso é lindo.— murmurou estendendo a mão para tocar, um trabalho tão perfeito que era difícil acreditar ser real.

— Fico feliz que tenha gostado.— disse Reed com sorriso orgulhoso fazendo a mente de Naiáde dar um solavanco.

— Eles foram escolhidos pelo senhor ?— perguntou esperando estar errada, mas duvidava que o rei, sendo um homem ocupado, tivesse escolhido aquele presente. Reed a encarou finalmente, depois de vários dias, os olhos tinham um brilho diferente e mais selvageria do que de costume, como se uma fera se escondesse embaixo de uma casca inocente, de alguma forma combinava perfeitamente com ele.

— Bom, não havia como evitar que manuseasse um desses depois de conseguir do arsenal militar, então Sua Majestade pediu para que eu o fizesse.— admitiu em tom divertido mas parou ao ver a feição envergonhada de Naiáde. Ninguém soube dizer como ou quando ela conseguiu o arco mas parecia talentosa em sumir da vista dos seus guardas pessoais. Naiáde disfarçou o riso, era realmente divertido provocá-lo, pelo menos seria até que ele se cansasse e fosse impulsivo novamente. Não pôde mais segurar, vendo a feição confusa e preocupada, explodiu uma gargalhada, fazendo Reed entender a situação.

— É muito fácil de ler, senhor Reed.— disse finalmente envolvendo o arco com os dedos finos e sentindo o peso.— É mais leve do que parece.— murmurou maravilhada lembrando de Athos, naturalmente, como um sonho esquecido na manhã seguinte.— Ele teria gostado.— sussurrou envolta nas lembranças do amigo e parceiro de crime. Segurou a língua que estava prestes a soltar uma maldição, ele não precisava morrer ainda, insistiu tanto que ele não fizesse parte do exército de Otto, mas o idiota impulsivo não quis lhe dar ouvidos. Tudo que tinha agora era a maldita moeda, para lembrar a ela da amizade mais significativa que já teve, apenas uma maldita moeda para lembrar que seu amigo estava morto.

— Quem teria gostado?— indagou com semblante relaxado, ali, nos raios do entardecer, a imagem dele era realmente agradável, como um anjo.

— Só um velho amigo.— disse Naiáde fingindo um sorriso, mas que não alcançou os olhos, seu coração estava quebrado.

— Soou misterioso. É algum segredo ?— perguntou ele dando a aljava a ela e recuando um passo antes de se sentar na grama.— Não precisa dizer se não se sentir confortável, mas eu gostaria de saber mais sobre a senhorita.— disse ele depois de torcer os lábios, parecia incomodado com algo.

— Não é realmente um segredo, está mais para uma lembrança dolorosa.— admitiu sentando-se novamente.— O nome dele era Athos, ele era um arqueiro do exército do meu irmão, um dos melhores já que foi meu pai que o treinou.— disse com nostalgia, o homem não disse nada então prosseguiu.— Ele era filho de servos da casa Duzzani, crescemos juntos, eu sempre fui plebeia demais para estar entre os nobres então em algum momento eu era amiga de todas as crianças nascidas lá, era uma época feliz. Quando minha mãe partiu por causa de uma doença, meu pai ficou consternado por bastante tempo. Ele já estava aposentado do posto de general então também ficou ocioso. Uma noite eu pedi para que me ensinasse a usar o arco e ele não pareceu tão triste por um momento.— continuou Naiáde sem perceber a intenção no olhar do homem que a ouvia em silêncio.— Ele teve comigo a mesma dedicação que teve com todos os soldados que treinou, acho que acabou ajudando nós dois a passar pelo luto. Quando meu pai percebeu que eu aprendia rápido, ele trouxe Athos para ser treinado também, com a justificativa de que ele teria que me proteger se eu precisasse, mas agora isso não importa mais.— completou ela esforçando-se para olhar para cima, nos olhos de Reed enquanto uma lágrima solitária escapou dos seus olhos escuros.

— Você o ama?— o homem perguntou sem rodeios antes de estender um lenço para ela. Naiáde não soube identificar a intenção por trás da pergunta mas pensou por alguns instantes antes de poder respondê-la. Athos era da família, era mais irmão do que Otto jamais poderia ser, o amava, mas não o mesmo tipo de amor que seu pai tinha para com sua mãe.

— O amava como a um irmão, da mesma maneira que eu amo Freya.— disse com um leve sorriso, os olhos de Reed pareceram se aliviar da selvageria habitual e um sorriso se formou aos poucos mas morreu ao se dar conta das palavras.

— Amava ?— perguntou temeroso, Naiáde assentiu brevemente.

— Ele morreu, no dia em que eu fui ao acampamento do exército de Cargia para levar uma carta ao meu irmão.— falou com frieza, culpada até os fios de cabelo.

— Foi um dia realmente tenso.— disse Reed com o olhar perdido, Naiáde o encarou com o cenho franzido em dúvida. Aprender sobre costumes e leis de um país era passatempo mas não completamente inútil, o livro das leis foi o primeiro a tirar da prateleira da biblioteca e o mais informativo. Durante uma guerra, os guardas reais de posto fixo, não saíam das terras do palácio e se dedicavam completamente a proteção da família real.

— Os guardas reais não saem do país durante a guerra, eles ficam onde a família real está, e a família real estava aqui, incluindo o rei. Como você poderia saber Reed?

A FILHA DO GENERAL Where stories live. Discover now