Deveria Devolver o Favor

50 8 0
                                    

James

— O que foi essa comoção lá fora Augusto ?— perguntou o rei ao mordomo que despejava o chá pacientemente na xícara de porcelana fina. James observava no canto cada movimento de Naiáde desde que ela passou pela porta com semblante agradável mas com olhos preocupados.

— A senhorita da família Lewis veio ao castelo visitar o príncipe herdeiro e se recusa a ouvir os criados.— respondeu o mais velho, James engoliu seco, Ashley era determinada e teimosa o bastante para não sair do castelo até vê-lo.— Bom, mas acredito que a senhorita Duzzani tenha resolvido, depois do constrangimento calculo que ela esteja indo embora agora mesmo.— completou ele, James suprimiu o sorriso e se concentrou no seu disfarce de guarda real.

— Sem dúvida, a senhorita Naiáde tem uma língua tão afiada quanto a espada dos meus soldados.— brincou o rei Albert.

— Peço desculpas, Vossa Majestade, me comportei indevidamente, se for necessário pedirei desculpas pessoalmente a senhorita Lewis.— disse Naiáde temerosa, pegou a xícara oferecida a ela e aproximou dos lábios vagarosamente.

— Não é necessário, não se preocupe com isso, senhorita.— declarou o rei levando a xícara aos lábios, os segundos seguintes foram um borrão confuso. Primeiro a feição assustada da mulher, em seguida o grito e por fim a xícara que o rei segurava estava no chão em vários pedaços.

— Parem.— bradou o rei aos guardas que empunharam as espadas em resposta a atitude da mulher, mas o olhar no rosto bonito não mostrou o medo ou dúvida, era mais parecido com alívio.

— Peço perdão, Vossa Majestade.— declarou ela se curvando em reverência.— Não deve tomar o chá, está envenenado.— declarou com confiança, todos ficaram assustados e guardaram as espadas de volta na bainha.

— Se levante.— disse com frieza, chamou o velho mordomo, cochichou algumas ordens a ele e o dispensou em seguida.— Senhorita Naiáde, entende que é a estrangeira mais recente a entrar no castelo e que qualquer suspeita recairá sobre você?— questionou o rei, James apertou o punho até os nós dos dedos ficarem brancos e fixou o olhar. Ela teria tentado aquilo ?

— Sim, Majestade, mas se eu tivesse feito isso, não teria motivo para impedi-lo de beber.— retrucou sem expressão.

— Isso faz sentido.— disse ele.— Mas preciso saber, como tem tanta certeza de que há veneno no chá, senhorita?

— É por conta de um costume que meu pai tinha.— disse ela baixando o olhar para as mãos sobre o colo.— Durante os anos seguintes ao falecimento da minha mãe, meu pai me ensinou algumas coisas do tempo dele no exército e da sua juventude. Entre essas lições ele me deu um livro com informações e desenhos de ervas medicinais e venenosas, depois me ensinou a reconhecer pelo cheiro. Eu passei tanto tempo estudando que agora cheiro qualquer bebida que me entregue. O gosto pode ser mascarado eventualmente mas o cheiro é mais difícil.— explicou ela com calma, falava devagar e educadamente, como se o assunto a trouxesse boas recordações, a voz agradável fez James querer ouvi-la para sempre.

— Então reconheceu pelo cheiro.— divagou o rei.— Eu concordo que não seja responsável já que estava prestes a tomar o chá, mas essa situação é grave e deverá ser investigada.— disse ele, o olhar mudou para nostalgia.— É a segunda vez que algo assim acontece.— completou com humor..

—  Posso desconhecer o culpado mas creio saber de onde o veneno veio, Vossa Majestade.— declarou a mulher, James a encarou, o olhar cauteloso pareceu mesclar entre certeza e dúvida mas continuou, fazendo o príncipe afrouxar o punho e suspirar em alívio.— É até bastante óbvio, antigamente as florestas selvagens em Cargia eram evitadas pelo povo, o motivo era a quantidade de plantas de cicuta, não causaram muitas mortes já que essas florestas também eram cheias de animais, mas em uma certa época, uma ordem real mandou muitos guardas as florestas e colheram tudo o que encontraram. Meu pai costumava suspeitar que o rei manteve todas elas no armazém real em segredo, não seria muito difícil misturar as folhas, raízes ou as flores de cicuta com qualquer folha de chá.— disse levantando o olhar para encarar o rei, a seriedade da situação golpeou James no rosto.
Cargia era a suspeita mais provável, assim como Naiáde, significava que o rei Ithalos ou um dos seus subordinados era o responsável pela tentativa de assassinato ao rei Albert.

— Seu país traiu você, senhorita.— disse o monarca, Naiáde soltou um riso amargo que fez James praguejar internamente, aquela mulher atrevida parecia totalmente sozinha agora e a imagem não o agradou.

— Majestade, se me permitir eu gostaria de fazer uma pergunta.— disse ela.

— Prossiga.— respondeu encostando as costas no sofá.

— Gostaria de saber as condições impostas no acordo entre os dois países, se for um pedido exagerado peço que me conte ao menos os que me envolvem.— pediu a bela mulher beliscando o tecido do vestido. James sabia o que ela queria dizer e sabia que estava no caminho certo para desvendar os planos do rei Ithalos, mas se seu pai iria ou não contar a ela, era outra história.

— Está certo, é um pedido razoável, serei generoso considerando a sua situação, senhorita Naiáde e mostrando gratidão por ter salvo minha vida.— respondeu o rei se levantando, foi até a mesa no canto e pegou um pergaminho, voltou e o estendeu a moça. James não precisava ler, estava lá quando todas as condições foram impostas, primeiro os dois países recuariam seus exércitos e a dívida de Cargia com um Belfort deveria ser paga no período de dois meses, como indenização a senhorita Naiáde Duzzani, irmã do general Otto Duzzani deverá ser entregue ao castelo real de Belfort como concubina. No entanto, Belfort deve garantir a segurança e o bem-estar da senhorita Duzzani, se essa cláusula vir a ser quebrada por qualquer motivo, o acordo estará desfeito. Naiáde fechou o pergaminho e o olhar partiu o coração de James, ela era tão jovem, tão indefesa, era uma responsabilidade grande demais para arcar sozinha e era culpa dele. Os olhos frios e a expressão de decepção, tudo parecia motivo suficiente para apertá-la contra peito e protegê-la de tudo lá fora.

— Talvez eu deva devolver o favor e trair meu país também.— disse ela.

A FILHA DO GENERAL Where stories live. Discover now