Capítulo Noventa e Nove

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Uma semana depois.
Bordéus. — França.

Depois de uma longa viagem, estávamos passando a entrada de Bordéus. Não havia mudado muita coisa, mas a sensação estranha que estávamos tendo não era escrita. Micael dirigia calado, apertando o volante à todo minuto, como se estivesse com medo do que viria à seguir.

Estranhei quando ele fez o caminho da antiga casa, parando em frente. Arregalei os meus olhos enquanto franzia o cenho, sem entender.

— Por que parou aqui?

— Para ver como estava. — Tirou o cinto. — Fique no carro!

— Não! — O segurei. — Acho melhor irmos até o teatro e voltar, é arriscado ficar em Bordéus.

— Eu sei que é arriscado mas eu preciso ver a minha antiga casa. Eu sinto falta da minha antiga vida! — Micael ficou pensativo depois da fala, abrindo a porta do carro e saindo de uma vez.

— Então eu vou com você! — Soltei, confiante. Micael resmungou mas sai do carro também, vendo ele falar meia dúzia de palavras comigo, me pedindo para ficar.

Eu não queria ficar sozinha ali, muito menos sem a presença de Micael, que já estava com medo. Andamos até à entrada da casa, que continha alguns entulhos na calçada por conta de abandono. A grama estava mais alta, o aspecto de que havia acontecido algo ali, mas ninguém se responsabilizava mais.

O abandono! Micael caçou algumas chaves em seu bolso, buscando a da antiga casa que ele ainda guardava consigo, como um carcereiro responsável. Entramos e vimos um filme passar por nossa cabeça.

Não havia mais vida naquele ambiente. A grama alta e a casa fechada me fez ter arrepios, um sentimento ruim de abandono. Micael foi se aproximando até chegar na porta de entrada, onde depositou a chave no portal, abrindo devagar. O cheiro de madeira invadiu as minhas narinas, como se fosse uma casa de praia.

— Ainda está tudo no lugar. — Soltou, fazendo uma ronda na antiga casa. — Ela não veio aqui!

— Se não fosse tão perigoso, podíamos morar aqui. — Passei a mão pelo balcão, que estava cheio de pó. — Sinto falta dessa casa! O gramado seria ótimo para Charlotte. — Sorrimos.

— Eu poderia construir uma casa na árvore para ela. O espaço teria de sobra! — Assenti com o seu pensamento incrível.

— Vou lá em cima, matar a saudade dos quartos. — Brinquei com Micael, que assentiu. Subi às escadas devagar, me cansando pelo tamanho da barriga.

Ele optou por ficar lá em baixo, enquanto fazíamos a ronda para matar a saudade. Entrei em nosso antigo quarto, vendo as roupas que ainda estavam por lá, já que não tivemos tempo de pegar tudo. Nossa cama, móveis e alguns produtos de higiene pessoal. Realmente, era como se fosse uma casa na praia.

Peguei um casaco de Micael, que ainda estava no closet. Sorri leve após sair do quarto, o procurando.

— Micael, vamos levar algumas coisas...

Mas parei quando escutei alguns barulhos estranhos, me escondendo. Micael não estava mais na parte debaixo da casa, e havia uma pessoa consigo. Desci as escadas correndo, porém, me escondendo de alguém estivesse por ali.

— Você achou que iria se esconder de mim tão fácil assim?

Coloquei as mãos na boca quando ouvi o primeiro disparo de arma, que doeu o meu ouvido. Assisti Borges disparar na perna de Micael, que caiu no gramado. Um carro estava atravessado no portão, impossibilitando qualquer saída.

— Eu disse para você que iria te matar! Eu disse! — Borges deu uma gargalhada, disparando novamente em Micael, que estava imóvel no gramado.

Chorei desesperada, procurando algo para me defender. Tentei achar a arma de Micael mas não consegui, nesse meio, não estaria mais ali. Tentei ligar para Tina ou Francis que estavam mais próximos de nós... Também não consegui! Me matei mentalmente ao lembrar que o celular havia ficado dentro do carro.

Procurei nas gavetas da cozinha algo que fosse forte para me defender. Achei uma faca de corte afiado para carnes finas que Micael comprava, andando para fora, trêmula. Estava morrendo de medo, afinal, ele estava com uma arma.

— Você me tirou tudo o que eu tinha, seu infeliz! Você queimou o meu puteiro! Você me roubou! SEU INFELIZ! — Chutou Micael, que não se moveu.

Estava muito perto de Borges, onde decidi correr, até perfurar suas costas, mas travei quando ele se virou, apontando a arma para mim.

— E você? Aonde pensa que vai, boneca? — Sorriu maléfico, arrumando o gatilho para atirar em mim.

Engoli seco, suando frio e trêmula.

— O que você quer da gente?

— Ora, você sabe o que eu quero, boneca! — Se aproximou. — Desde a primeira vez que eu te vi, eu soube o que eu queria, realmente.

— Você é um nojento! Por que não deixa a gente em paz?

— Paz? Por que você quer paz? — Riu de novo. — Só você quer ter paz, já que Micael está morto.

Suas palavras doeram em mim, arrastei meus olhos para Micael que ainda não se movia no gramado, de bruços. Comecei a crer que sim, Borges havia o matado, sem mais e nem menos. Chorei desesperada, puxando os meus cabelos e gritando o mais alto que pude.

Borges me segurou, tapando a minha boca.

— Cala a boca, sua putinha de merda. — Colocou a arma em minha boca, me fazendo ficar quieta.

Fechei meus olhos e rezei mentalmente, me lembrando da mamãe e do papai, que faziam suas preces e rezas, que me deixava entediada a maioria das vezes. Quando abri meus olhos novamente, senti Borges desgarrar de mim, como se alguém sugasse sua energia. Um grunhido foi solto, ele se ajoelhou no chão após Micael enfiar a faca pontuda em sua jugular, o matando de vez.

Fiquei sem reação ao ver o tanto de sangue, que se esguichava. Micael havia ganhado três tiros em seu corpo, porém, ainda conseguia fazer alguns movimentos bruscos, tomando iniciativa. Se deitou quando não teve mais forças, me fazendo correr até ele.

— Micael, por favor! Micael! — Segurei em seu rosto.

— Eu... Saia daqui, por favor.

— NÃO!

— Por favor... Me deixa morrer aqui, eu mereço isso. — Estava sem forças, fechando os seus olhos.

— Não, eu não vou deixar você aqui. Você precisa ficar comigo! Com a Charlotte. — Eu estava desesperada, vendo meu marido morrer, na minha frente. — Micael, você não pode me deixar! — Minha garganta deu um nó.

E meu coração se quebrou em mil pedaços. Micael havia fechados os olhos, parado de reagir. Tentei anima-lo mas sem sucesso, seu corpo preferiu ficar imóvel, assim como a sua respiração. Eu não sabia se corria ou ficava, se chorava ou gritava. Foi desesperador! Eu estava vivendo algo que não desejava nem ao meu pior inimigo.

Eu precisava de ajuda! Muita ajuda! Mas ali, ninguém poderia me ajudar.

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