Capítulo Quarenta e Três

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Fiquei em casa durante à noite, fazendo as lições que a professora particular havia me mandado por email. Micael estava conversando no telefone, dando os últimos retoques para a vernissage no final de semana. Estava animado! Caminhava de um lado para o outro com o telefone em mãos, a calça cargo arrastando pelo carpete, o que me dava um certo tique por estar sujando a barra.

— Certo, preciso levar uísques e cocaína? — Soltou uma gargalhada gostosa, ainda andando de um lado para o outro. — Leve Sarah! Sophia irá gostar dela.

Arqueei uma sobrancelha. Quem diabos era Sarah? Cocaína? Desde quando Micael cheirava cocaína?

— Até mais, obrigado por enquanto. — Sorriu e desligou a ligação. — Querida, o que você está fazendo?

— Na cozinha. — Fiquei um pouco irritada com a ligação. — Com quem você estava conversando? — Franzi meu cenho, fechando a tampa no notebook.

— Um amigo meu, ele está arrumando um after da vernissage. — Micael andou até a geladeira, buscou um vinho. — Você quer? — Balançou a garrafa, em tom de me oferecer.

— Não, obrigada. — Assisti ele buscar uma taça nova, despejando o vinho com delicadeza. — Cocaína? — Cruzei os meus braços, querendo uma explicação.

— Uma piada interna. — Sentou no banco alto, encostado no balcão de mármore. — Você vai conhecer Sarah, ela vai mudar a sua vida mais um pouco! — Cheirou o vinho antes de beber.

— E por que ela mudaria a minha vida? — Me levantei, indo de encontro com ele.

— Sarah é fotógrafa! — Umedeceu os lábios. — Ela gostou das suas fotos. Disse que você pode ser uma modelo de sucesso.

— E como ela viu fotos minhas? — Fiquei confusa.

— Tina. — Respondeu suave, ainda cheirando o vinho enquanto balançava.

Ficamos em silêncio. O nome de Tina era bem reservado aqui em casa, eu jamais pensei que ele citaria ela de novo, depois de tudo.

— Você sente falta dela, querida?

— Não posso mais sentir falta dela. — Me escorei no balcão.

— E por que não? — Micael estava descontraído demais. Impossível o vinho estar dando efeito tão rápido!

— Porque não. — Queria finalizar aquele assunto. — Eu vou subir, tomar um banho e me deitar.

— Só por que eu cheguei? Você deveria comemorar comigo.

— Comemorar a sua vernissage que já é um sucesso? — Sorri leve. Dei às costas para Micael, me direcionando até à escada.

Mas meu corpo parou por sua frase soltada, em segundos. Meu coração saltou pela boca.

— Você só comemora com a sua amiga Tina, não é mesmo?

Me virei devagar, processando o que Micael havia dito.

— Você acha que eu sou palhaço? — Levou a taça até a boca, não deixando de me encarar.

— E por que eu acharia isso? — Senti um nó na minha garganta.

— Eu sei que você foi tomar café com a Tina, hoje de manhã. — Soltou. — Aliás, você anda se encontrando com ela antes de nos casarmos.

O nó na minha garganta havia aumentado. Como ele sabia de tudo isso?

— Micael, eu...

— Você mentiu para mim! — Me fuzilou com o olhar. — E mentiu feio!

— Você não podia ter feito isso comigo! — Me defendi. — Eu não tenho amigos por sua causa!

— EU TE SALVEI, ENTENDEU? — Largou a taça de lado, segurando o meu braço com força.

— Me salvou de que, Micael? — Meu corpo estava gelado. — Ela era só a minha amiga!

— Ela nunca gostou de você, Sophia.

— E como você pode ter tanta certeza, hein? — Consegui me soltar. — Então é isso que você quer? Quer me trancar a vida toda aqui dentro?

— Eu quero cuidar de você!

— Você quer me trancar aqui dentro. Micael! Você quer que eu viva do seu jeito!

— Não é verdade. — Abaixou a cabeça.

— Você é doente! — Soltei, ainda trêmula.

E recebi sua mão esquerda pesada em meu rosto, com tudo.

A última vez que apanhei, eu tinha treze anos. Papai me bateu com uma cinta de couro, por conta de ter feito indecências, querendo aprender mais sobre o corpo humano. Eu não me lembro muito bem o ocorrido, mas, me lembro de ter doído aquele dia. Depois disso, ele nunca encostou um dedo em mim novamente.

E mamãe me dizia que homem nenhum poderia encostar um dedo em mim, apenas meu pai!

Hoje, eu havia acabado de apanhar do meu marido.

— Você vai começar a aprender à ser gente de outro jeito, entendeu? — Segurou em meu queixo, ameaçando. — RESPONDE SE ENTENDEU! — Gritou.

— Sim. — Segurei o meu choro. Eu queria tanto voltar para a casa!

Perfeito. — Micael soltou o meu queixo, dando um sorriso forçado. — Vou colocar uma música para gente! — Mudou de expressão rapidamente, caminhando até a sala.

Foi até o tocador de LP, escolhendo um disco na pequena exposição de discos de vinis que haviam por ali. Eu conhecia a melodia. L'amour D'un Garçon começou a ser tocada e Micael voltou para à cozinha, me buscando pelo braço.

Eu sabia que naquela hora eu seria punida por alguma coisa, e esse propósito tinha um nome: Tina. Enquanto Micael retirava minha roupa à força, eu pensei em todos as hipóteses possíveis para sumir, ou então, uma máquina do tempo que me tirasse dali e voltasse para a casa dos meus pais. Fiquei nua como nasci, em sua frente. Ele parou um pouco ofegante, buscando algo que estava longe do seu alcance.

— Isso é para você aprender à nunca mais mentir para mim. Entendeu? — Tinha um cinto de couro nas mãos, quase igual ao que papai me bateu, naquela época.

Flashes e mais flashes invadiram a minha cabeça.

Micael aumentou o som do tocador de LP, assim, deixando mais alto para que ninguém escutasse, mesmo não tendo vizinhos tão próximos assim. Senti a cinta de couro bater bruscamente em meu corpo, me dando dores na minha primeira tentativa. Fiquei como uma criança escondida, me defendendo com meus braços enquanto chorava em silêncio. Eu jamais imaginei que passaria por uma situação dessas, ainda mais com o meu próprio marido.

Meu choro doeu mais do que as batidas do couro da cinta, eu tinha certeza! E naquele dia eu também tive a total certeza de que Micael não era normal!

— Merda. — Colocou as mãos no rosto, passando um pouco mal. O suor em sua testa.

Fiquei na mesma posição, imóvel. Micael saiu de perto de mim, subindo às escadas correndo.

Eu precisava de ajuda o mais rápido possível.

Sete Pecados Where stories live. Discover now