- Retire-se, por favor, Violet! Ainda não são nem seis da manhã. E eu não estou com nenhuma vontade de te escutar tagarelar a respeito de seu irmão, porque nós dois temos a total consciência de que ele é um grande babaca. No entanto, caso queira denunciar-me, denuncie, porque tenho coisas mais importantes para fazer... - Disse Dylan.
Abrir meus olhos em um susto e com ofegância quando escutei sua voz.
Olhei ao redor e percebi que eu estava deitada no sofá da sala.
Minha cabeça doía incessantemente.
Levantei-me e caminhei em passos silenciosos até uma parede próxima.
- Cabeça dura, que dizer, Dylan... Escute-me pela décima sexta vez - Passou a mão em seus fios verdes - Não é isso que vim fazer aqui. Até porque, Clay mereceu aquela surra, mas sim por outro motivo. Mas além desse motivo, também tenho coisas importantes para fazer, assim como você. Por exemplo, dormir. Não foi fácil dirigir-me até aqui a esta hora. Além de comer, ler, desenhar, trocar correspondências e quebrar a sua cara por ser tão idiota e não me deixar entrar. E o mais extraordinário é que posso fazer tudo isso apenas um dia!- Ela murmurou entre os dentes.
- Por isso não dou ouvidos a você, Violet.- Ele disse levando a mão até a maçaneta para fechar a porta.
- Espera! - Logo segurou a porta - Desculpe, tá legal? Você tira-me do sério porque não compreende que o motivo, como eu disse, de estar aqui, é que tenho algo extremamente solene para conversar com Maryanne!
Eu sei que você não vai com a minha cara e eu muito menos com a sua... Mas ao menos entenda! Será rápido o que irei falar. Tão rápido que ainda tenho que ir ao colégio, como pôde ver.- Ajeitou a mochila nas costas.
- Maryanne já se machucou demais desde o momento em que encontrou-se com você e seus irmãos. Não quero que ela fique ainda pior. Algumas recordações de seu passado retornaram e isso está afetando-a de forma árdua. Percebi ontem á noite que quando ela vê Clay, suas lembranças voltam e ficam impossíveis de controlá-las. Todavia, estou te impedindo de trocar palavras com Mary, porque quero protegê-la.
- Nós a fizemos mal, eu sei... Mas quero reverter isso. Tudo o que ocorreu foi e é difícil para ela... Ainda dói em mim lembrar do que alguns alunos chamavam-a, acredite.
- Se dói, se sabia que ela precisava de ajuda, por que nunca fez nada? Por que permitiu? Não eram amigas?
- Eu... Eu não podia ajudá-la. Não podíamos ficar em Chicago por muito tempo, senão...- Calou-se.
- Senão o quê, Violet? - Perguntou.
- E-Eu queria ajudá-la, eu juro que queria... Mas...- Suspirou.
- Mas aí você não pensou nela, somente em você e em seu irmão. Ele é o culpado.
Ela não tinha e não tem culpa, Violet! Você sabia e sabe disso! Ela foi julgada injustamente.
- Mary era forte, Dylan, forte!
- Ela não é! Ela demonstra ser... Nunca percebeu isso?
- Ela suportou, não suportou?
- Suportou, Violet, suportou. Mas saiba que suportar não é o mesmo que conseguir... Maryanne suportou porque saiu daquele lugar. Mas não conseguiu esquecer por completo tudo o que aconteceu.
E nem há formas. Ser nomeado de assassino por todo um colégio não é tão fácil quanto pensa. Ser deixada de lado por ser órfã, é doído. Que culpa ela tem de ser órfã? O que se passa no cérebro de seu irmão, Violet, por pensar assim?
- E-Eu não sei...- Sussurrou.- Ele é um imbecil mesmo, mas isso não vem ao caso.
- Mary é uma garota que precisa de ajuda. Ela tem um vazio que deve ser preenchido.
- Notei isso quando nos conhecemos. Ainda lembro-me.- Esboçou um sorriso torto.- Mary estava tímida em um canto da cantina. Eu já a conhecia, ou melhor, havia visto-a várias vezes, já que éramos vizinhas. E eu a achava diferente. Ela sempre passava as tardes brincando na varanda de sua casa sozinha e parecia se divertir.
Ela falava com gramas, flores, árvores e pássaros. Mary era louquinha.- Sorriu novamente. - Mas era o mundinho dela.
Entretanto, ela sempre ficava naquele lugar na escola. Até que nomeei de "O cantinho de Maryanne."
Mas ela parecia ter medo de tudo e de todos. E eu...eu também. Já que éramos calouras.
Até que um dia atrevi aproximar-me, mesmo sendo corroída pela timidez... A ofereci metade do meu sanduíche de amendoim e ela ofereceu-me metade de seu suco de pêssego. Sentei-me junto a ela, em seu cantinho e dividimos nosso lanche até o término do intervalo. Encontrei refúgio nela e ela encontrou em mim.
Desde então, nossa amizade criou forças, porque nós nos completávamos. Mas deixei ir, por um erro que ajudei a cometer, aquela que daria-me a amizade sincera...- Sussurrou - Através disso é possível perceber que os idiotas não vêem suas idiotices. Somente depois quando tudo está perdido. - Suspirou - Mas pelo que pude notar, ela te disse tudo, não?
- Sim... Estava sufando-a.
- Mas há uma mentira por trás dessa história, e é isso que quero dizer a ela, mas você insisti em não permitir. Sinto-me culpada em vê-la voltar a sofrer de tal forma. Já não é mais possível guardar esse segredo.
- Melhor não. Ela está dormindo... Ontem, sua pressão abaixou e ela apagou. Não quero acordá-la. Ela precisa repousar. Sem dúvida, se acordar agora, não estará bem.
- Eu espero. É um segredo importante. Tenho tempo. Posso deixar minhas coisas importantes para depois e não importantes, como ir ao colégio também. Só me deixe entrar.
- O estrago já foi feito. Não adianta, Violet.
- Esse estrago tem solução. Por favor, abra a sua mente! - O olhou com um olhar penoso - O que tenho a dizer é tão sério e verídico, que ultrapassei a quantidade de " Por favor" que digo em um mês. Essa palavra não faz parte do meu cotidiano.
- E qual seria essa solução? - Perguntei.
- Mary! - Ela passou pela porta, empurrando Dylan e vindo ao meu encontro. - Desculpe por ontem, por não ter te socorrido. Clay puxou-me para dentro do carro sem a minha permissão. - Sussurrou.
- Tudo bem...
- Há quanto tempo está acordada? - Perguntou Dylan.
- Tempo o suficiente para escutar toda a conversa.- Sorrir.
- Deitei-se, ainda está pálida e fraca.
- Eu estou bem, Dylan. Não se preocupe.
- Disse-me isso ontem e estava mal. Além disso, prometeu ficar bem hoje.
- Não estou?
- Não. Seus olhos não estão como de costume, com vida.
- Você realmente não está bem, Mary. - Disse Violet soltando-se dos meus braços.- Mas não posso deixar para depois, como sempre faço, o que tenho para dizer a você. Contudo, faça esse estúpido entender que eu não irei te fazer mal.
- Não mais do que já fez. - Ele sentou-se no sofá.
- Não irei te fazer sentir minhas mãos em sua cara, porque estou dentro de sua horrenda casa! - Ela o olhou fixamente.
- Dylan... Pare. Violet não tem culpa.
- Tenho culpa sim, Mary. Eu não devia ter partido e te deixando sem explicação alguma no momento em que você mais precisou. E estou aqui para desculpar-me.
- Já acostumei-me com percas, Vio. - Sorrir - Elas nem me doem mais.
- Mas não naquela época. - Sussurrou. - Eu tenho que te dizer toda a verdade.
- Mas que verdade? - Arqueei minha sobrancelha.
- Maryanne, não irei mais te remediar. - Dylan manisfestou-se. - Estou tentando te tirar do buraco, mas você insisti em continuar afundando.
- Está bem...- Olhei-o - Depois conversamos, Violet. Preciso comer algo, tomar um banho...
- Depois quando? Nunca? Dylan não irá deixar você me ver, porque tem pensamentos doentios...
- Ele não tem autoridade sobre mim. Porém, quer o meu bem.
- Eu também quero o seu bem. Como sempre quis.
- Violet, ela já disse... Depois vocês conversam. Não tenho pensamentos doentios e nem irei impedi-las, mas entenda você, que agora não é o momento.
- Já vou, Dylan, já vou...- O olhou com desdém.- Entretanto, Mary, meu pai não está morto. É uma fachada que criamos. Ele não sofreu acidente algum. Você nunca teve culpa de nada.
- C-Como, Violet? - Indaguei-a trêmula.