Naquele momento, o piso, para mim, estava como espinhos que grudavam e ardiam instantaneamente ao se encostarem com a pele.
Meus pés davam curtos e silenciosos passos até os degraus da escada, enquanto em meu rosto, percebia-se durante cada segundo, uma expressão facial diferente.
Minha respiração estava conforme os ponteiros do relógio, ofegava-se e acalmava-se simultâneamente.
Parecia que eu havia acabado de correr uma maratona e logo em seguida, atravessado em nados, um rio agitado.
Meus dedos molhados e escorregadios apoiavam-se nas paredes. As gotas salgadas de suor ultrapassavam minhas sobrancelhas e chegavam em meus olhos avermelhados.
Neste momento, onde a sala escura é hermeticamente clareada pelo reflexo da enorme TV plana, eu, Maryanne, estou tentando fugir de uma grande encrenca.
Não sair quando Violet chamou-me, porque Dylan já estava no corredor. Então pedi desesperadamente para que ela se retirasse e rolei para debaixo da mesa.
Ali fiquei, até que um pensamento idiota resolveu me rodear, sugerindo a ideia de fugir pela porta da frente, para não escutar mais sermões, já que Dylan trancou as duas portas dos fundos e deu um jeito na porta de vidro que quebrei.
Ele sabia que eu estava ali em algum lugar.
- Está um pouco tarde e ela ainda não retornou. - Disse um garoto com fios encaracolados.
- Eu não sei onde ela possa está...- Respondeu Dylan.
- Devemos chamar a polícia, talvez?
- Ela irá voltar. Fugiu ou está escondida apenas para se livrar. - Levantou-se do sofá - Irei para a Universidade mais cedo hoje. Tenho seminário.- Seu olhar se direcionou para seu relógio de pulso. Eu estava imóvel.
Meus olhar arregalado acompanhava o movimento de seu corpo. - Mas caso ela não apareça antes das duas da manhã, chame a polícia.- Seu casaco foi retirado num galope do sofá.
Seus passos estavam se aproximado. - Viu a chave do meu carro? - Perguntou.
- Não vá com ele. Esqueci de lavá-lo, quando pediu. Depois disso os pombos fizeram a festa. Use o meu.- Respondeu. O barulho das chaves sendo jogadas ecoou em meus ouvidos.
Senti algo frio encostar rente ao meu pé esquerdo.
- Droga! - Murmurei sem emitir som.
- Onde elas caíram?
- Perto da mesinha... Acenda a luz. Não irá encontrá-las facilmente no escuro.
Preciso me retirar daqui agora ou nunca. Eles não podem me ver! Pelo menos não hoje ou amanhã e depois, talvez.
Eu praticamente destruir a escada. Custará uma grana trocar todo o piso, porque retirar toda aquela tinta demorará décadas.
Antes que Dylan acendesse a luz, pulei a janela.
- Ai! - Meu gritar saiu sufocado por conta da grama.
- Ouviu isso? - Parou na porta. Joguei-me apressadamente em meio ao emaranhado de plantas.
- Deve ser gatos.
- Preciso ir, se cuide. - Avistei-o já ao lado de fora.
- Ufa! - Suspirei aliviada.
***
- Violet, está? - Gritei. Por dentro, o som estava ensurdecedor. Pude perceber rapidamente que alguém olhava-me através de uma janela em um quarto escuro. Não consegui reconhecer tal sujeito.
- Violet? Quem é Violet? - Perguntou uma garota com os olhos mais avermelhados que seus próprios fios de cabelo.
- Perdão, ela não sabe ao menos quem é ela mesma. - Manifestou-se ironicamente um garoto, cujo
olhos caramelizados e o sorriso largo, me lembra ao...
- Vinny?! - Perguntei olhando-o fixamente.
- Sim, sou eu, mas você... Desculpe, não estou te reconhecendo.
- Sou eu, Maryanne! Ou melhor, Mary. Éramos vizinhos, não se lembra? Nós três... eu, você e Violet, roubávamos os ovos de Dona Juliet, todos os dias à tarde, para arremessar nos adolescentes que vinham no ônibus escolar... Fomos presos a mandado de sua mãe, por mentirinha, porque éramos terríveis! Montamos até um lema, juntos estaremos e para sempre apront... - interrompeu-me.
- Aprontaremos! - Abraçou-me inesperadamente - Cara, Violet comentou algo sobre você, mas não prestei atenção em suas palavras, porque tudo que sai daqueles lábios, entra num ouvido e se retirar pelo outro.
- Violet ainda continua impertinente?
- O dobro do que era antes! Entretanto, quanto tempo, Mary!
- Digo o mesmo...- Soltei-me de seus braços. Em um desvio rápido de olhar, vi um rosto não muito estranho - Aquele sujeito que também mora lá... Gregory! Caramba, ele não pode me ver! - Murmurei desesperadamente.
- O que disse? - Perguntou.
- N-Não é nada demais... - Forcei meio sorriso - É apenas a felicidade inexplicável em revê-lo novamente depois de onze anos! Minha nossa, onze anos! Mais de uma década, Vinny.- Escondi-me diante de seu corpo.
- Mais de uma década sem suas importunâncias.- Sorriu - Mas o que faz em Londres?
- É uma história confus...- Fui outra vez interrompida.
- É melhor você vir comigo agora mesmo! Colin e aquela garota que ele anda pegando, usaram o quarto dos seus pais para fazerem algo caliente e a mina acabou ousando, fazendo aquilo... E vomitou por todo cômodo.
- O quê?! Mas eu tranquei a porta e disse para não entrarem lá!
- Venha logo! Está perdendo o espetáculo!
- Aqueles imbecis terão que limpar tudo...
Mary, preciso resolver e acabar com esta festa agora. Minha mãe já está prestes a chegar.- Olhou em seu celular - Entre, Violet não está, mas já, já chega.
- Será que eu poderia esperá-la em seu próprio quarto? Prometo não tocar em nada. Eu só... só não posso, quer dizer, quero ficar aqui fora ou nesta festa.
- Tudo bem. Só não estranhe a bagunça exagerada. Violet não é muito, digamos, caprichosa. - Sussurrou.
- Vejo que ela realmente não mudou em nada.- Sorrir.
- Bem, queria muito ficar aqui e conversar horas e horas com você, mas como escutou, devo ir e resolver algo não muito agradável... Para ir ao quarto de Vio,suba as escadas e encontre o terceiro quarto no primeiro corredor. - Assenti entrando dentro da casa. O cheiro forte de bebidas logo se entranhou em minhas narinas. Havia ainda mais pessoas fumando narguilé e outros males impossíveis de serem descritos. Por conta disso, a quantidade de fumaça em toda a sala era gritante.
Meus pés guiavam-me com dificuldade ao subir os degraus. O número de pessoas agarrando-se, fumando e até mesmo transando em uma única escada era surpreendentemente assustador. Aquela era uma típica baladinha de adolescentes, que eu, por incrível que pareça, não me encaixava.
O som ensurdecedor cessou em um piscar de olhos. Parecia que um peso havia sido retirado de meus ouvidos. Agora sei como é o verdadeiro sentido denotativo de alívio.
Logo encontrei o corredor.
Era imenso, assim como os corredores da casa em que agora resido.
Bem, acho que todos os corredores, de todas as casas deste bairro são enormes.
Ao aproximar-me um pouco mais, pude ver que na terceira porta, havia o nome de Violet e algo escrito em Mandarim. Ela sempre gostou deste idioma desde quando se apaixonou pelo padeiro chinês.
Mas cá entre nós, com aqueles lábios rosados e carnudos, os olhos puxados e a íris preta feito noite sem estrelas, era incrivelmente apaixonante.
Lembro Violet não deixava de ir um dia sequer à padaria.
No quarto ao lado, o jogo de luzes que se formava era impressionante. Logo, a melodia contagiante e ao mesmo tempo melancólica de um piano sendo tocado, surpreendia-me.
Eu sentia, mesmo não querendo, que já havia escutado-a antes.
A curiosidade não foi contida por mim, contudo, a deixei me guiar.
Encostei meus ouvidos sobre a porta.
O som estava agradável. Fazia-me lembrar de... de... Eu não sei! Simplesmente despertava algo inexplicável em mim. Um sentimento incontrolável de saudade... mas não é qualquer saudade. É uma saudade ruim.
Ousei em fechar os olhos.
De repente me vi novamente quando criança.
Eu estava num jardim, escondida debaixo de uma mesa que logo em cima, deslumbrava um bolo. O burburinho, risadas e músicas eram incessantes. Mas a melodia do piano realçava-se diante das outras.
Estava havendo um aniversário no qual não fui convidada.
Irritada e ao mesmo tempo magoada, queria de qualquer forma, vingar-me.
Sair debaixo da mesa, e a primeira coisa que consegui pensar para acabar com aquela festa sem graça, foi em destruir o bolo, mas não havia coragem em mim...
- Essa é a música que tocava no aniversário de Cla...- Sussurrei. Logo, meu corpo beijou o chão frio, no momento em que a porta foi aberta.
- O que está fazendo aqui? - Perguntou.
Levantei lentamente meus olhos. Quando finalmente enxerguei o rosto, meus olhos arregalaram-se e minha boca tornou-se entreaberta, instantaneamente.
- Não, v-você não! - Levantei-me ofegante do chão.