Lucky: e o Coelho da Sorte

By taemeetevil

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[CONCLUÍDO] Taehyung nasceu sob uma maldição. Pelo menos era isso que sua avó dizia desde que ele fora capaz... More

Episódio Um: Loteria
Episódio dois: Vidente
Episódio Três: Trem
Episódio Quatro: Sem sorte
Episódio Cinco: Salvo
Episódio Seis: Ano Novo
Episódio Sete: Namorado
Episódio Oito: O filho do CEO
Episódio Nove: Problemas no Paraíso pt.1
Episódio Dez: Problemas no Paraíso pt. 2
Episódio Onze: Beijos e Curativos
Episódio Doze: Lucky Magazine
Episódio Treze: Mútuo
Episódio Catorze: Acampamento pt.1
Episódio Quinze: Acampamento pt.2
Episódio Dezesseis: Purple Heart Tour
Episódio Dezessete: Sete cores
Episódio Dezoito: Passado e Presente pt.1
Episódio Dezenove: Passado e Presente pt.2
Episódio Vinte: Galinhas e Celeiros
Episódio Vinte e um: Uma constatação óbvia
Filler: Eu sonhei um sonho
Episódio Vinte e três: Daegu
Episódio Vinte e quatro: Ainda com você
Episódio Vinte e Cinco: Dejavu
Episódio Bônus: Casamento da Sorte
Episódio especial: bebê da sorte

Season Finale: Maldição

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By taemeetevil

E é o último capitulo!

Antes de me despedir, queria avisar que vai ter um extra, como prometi no twitter, pra falar sobre todos os personagens.

Mas sobre despedida... Enfim, Lucky foi uma historia difícil pra mim, tinha muito sentimento envolvido, muita tristeza também, especialmente por ser algo que comecei quando perdi minha avó e ela era a maior fã do Coelho da Sorte que poderia existir. Eu sei que a historia não foi o ideal, prometi muito pro pouco que cumpri, mas eu tô feliz de ter conseguido terminá-la. 

Espero que vocês gostem do final e se quiserem ver mais do futuro #LUCKYBOOK vão lá no twitter ou no insta em janeiro porque o projeto já tá lindo. 

Posso pedir votos e comentários uma última vez? kkkkk não totalmente última, espero que vocês leiam o extra, eu já comecei e tá muito bom, ok?! Amo vocês, obrigada por apoiarem essa historia até aqui e me ajudar a terminá-la.

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29 DE DEZEMBRO

JEONGGUK

Yoongi tinha ido à estação de trem me buscar, Jimin e SoYeon tinha ficado no hospital com vovô e quis falar algo ao hyung sobre tudo o que houve, mas não consegui. No trem eu permaneci em silencio, ninguém me reconheceu ou falou comigo, talvez fosse a sorte me dando a solidão que precisava, mas assim que as portas se abriram em Seul, senti como se houvesse algo me sufocando. Quando recebi a mensagem de Yoongi-hyung e encontrei o carro, não pude dizer nada, só chorei, sentindo engasgar, mas nem isso me impediu de chorar mais.

Eu nunca me senti tão mal quanto naquele momento.

— Jeon... — Yoongi-hyung chamou, quando parou o carro no estacionamento diante do hospital — Eu sei que pedir isso pra você agora é cruel, mas preciso que aguente o quanto puder, tem de ser mais forte agora do que já foi a vida toda. Tem que fazer isso pelo seu avô e pelo Tae, ok?! O vovô vai acordar e o Tae vai voltar são e salvo pra você, e você tem de acreditar nisso mais que qualquer coisa.

Funguei, olhando pra ele. Eu ainda chorava a ponto de vê-lo embaçado, e sabia que tinha razão. Eu precisava continuar acreditando, fazer o universo trabalhar a meu favor. Ou o máximo que fosse possível nessas circunstâncias.

— Aguenta só um pouco mais — o hyung pediu e assenti. Precisei de um minuto, talvez um pouco mais que isso pra parar de tremer e parar de chorar, mas ele me deu todo tempo que precisava, enquanto tentava me estabilizar o mínimo. Yoongi desceu do carro e abriu a porta pra mim, sai do carro, seguindo-o no automático até ouvir a primeira menção sobre o vovô.

— Ele é o neto? — a enfermeira perguntou pra Yoongi-hyung ainda na recepção do hospital, mas eu consegui responder antes.

— Eu sou. Posso vê-lo? — deu pra ver a hesitação quando ela me reconheceu. A reação já era costumeira, a maioria dos profissionais da área de saúde não acreditava sobre os efeitos do Coelho da Sorte, mas em alguns casos era impossível ignorar a sorte — Por favor — insisti.

— Por aqui — ela acenou para que eu a acompanhasse, no caminho para o quarto passei por Jimin e SoYeon, Jimin tinha apagado no ombro dela, enquanto SoYee até estava com os olhos abertos, mas nem parecia enxergar nada. Levando em conta que os dois estavam ali à madrugada toda, era um milagre se ainda estivessem despertos, Yoongi ficou pra trás, junto com eles — Ele está estável, o colocamos num quarto isolado. Tem um enfermeiro somente pra acompanhar de perto qualquer mudança no estado dele, foi um pedido pago pelo Senhor Park.

— Eu agradeço o bom trabalho — murmurei antes de entrar no quarto.

Toda minha calma se foi no momento que vi o vovô. Ele era um homem forte, quase nunca ficava doente, eu o obrigava a fazer exames regulares e ele sempre foi ativo, então vê-lo numa cama de hospital, pálido como uma folha de papel, era uma visão terrível. Corri até ele, ignorando o que a enfermeira disse em seguida e a reverência que devia ter feito rapaz dentro do quarto e só peguei a mão do vovô, apertando-a com força.

"Sorte, sorte... Acorda, vovô. Não pode me deixar agora. Eu não tô pronto pra isso. Por favor, por favor..."

— Por favor... — murmurei em voz alta, olhando o monitor cardíaco, esperando que algo acontecesse. Os batimentos não mudaram, continuavam fracos, ele continuava pálido, eu não sabia o que fazer além de murmurar silenciosamente por sorte, esperando que o universo tivesse pena de mim — Acorda, acorda... Você disse que ia me ver com o Tae, lembra? — falar com ele enquanto estava desacordado me provocava uma sensação angustiante no peito, mas eu não podia parar — Você tem de estar lá, vovô — pressionei os lábios em seus dedos — Tem que ver o casamento do Yoongi-hyung. É um segredo, mas eu sei que o senhor não vai contar aos vizinhos.

Olhei de volta para o monitor, continuava igual, então eu continuei.

— Tem de estar aqui quando eu lançar um álbum de verdade, eu prometo há tanto tempo, mas o senhor precisa me ver cantar num show só meu... E ver eu me casar com o Tae. Eu pensei em fazer a cerimônia na fazenda. Ou colocar todas as galinhas num avião e casar no Havaí. A vovó adorava o Havaí... — ela tinha ido com ele uma única vez antes de falecer, o vovô sempre quis voltar, mas sempre adiava — Ia ser bonito...

— Ia sim... — quase gritei quando respondeu de volta, o sinal sonoro da maquina soou quando os batimentos começaram a aumentar e vovô finalmente abriu os olhos — Casamento... — o riso nervoso entalou com o choro e eu quis abraça-lo, mas no meio de tantos fios eu não podia.

— Com licença, senhor — o enfermeiro pediu, me afastando da cama, acionando o botão para chamar a equipe medica e verificando o vovô, murmurei uma porção de obrigados e fiz todas as reverencias que não lhe dei ao entrar, ainda desorientado de ter feito dar certo.

Manipular a sorte funcionou porque nada do que prometi era mentira. Ele viveria pra ver o casamento do hyung. Viveria pra me ver cantar um álbum inteiro. Viveria pra me ver casar com Taehyung, com nossos amigos, gatos, cães e galinhas. Ele viveria pra ver tudo isso e Tae viveria pra estar comigo.

Duas medicas entraram, a enfermeira que me trouxe até lá voltou, acenando para que eu saísse, provavelmente fariam exames no vovô, verificariam se ele estava bem uma vez que tinha acordado. Caminhei de volta pelo corredor como se estivesse dopado, sentindo o rastro seco das lagrimas em meu rosto. Jimin estava de pé quando cheguei perto o bastante pra ver, com um copo de café na mão, segurando a mão de Yoongi-hyung com a outra. Os três pareciam exaustos, SoYee cochilava com a cabeça apoiada na parede, Yoongi-hyung claramente mal se aguentava em pé, era um milagre ter conseguido me buscar.

— E então? — Yoongi perguntou.

— Ele acordou — Jimin disse, sorrindo pra mim.

— Você viu isso? — negou.

— Só sabia que sim — assenti, meu celular vibrou com o alarme, tirei do bolso para desligar e constatar que era oito da manhã, o horário que Taehyung devia acordar pra se preparar para o show. As nove ele deixaria o hotel, às dez e meia começaria o show, a transmissão ao vivo seria minha única visão dele por longas horas até retornar a Seul — Ele vai ficar bem — assegurou.

— Viu isso? — não houve resposta — O universo está bloqueando suas visões, não é?

— Só sobre vocês.

Suspirei pesado. Maldição filha da puta.

— Isso é um pesadelo. Eu só quero que ele volte pra mim. Eu devia ter dito não sobre esse show — resmunguei porque queria poder brigar sobre isso, mas eu sabia que não ia adiantar. Tae estava certo, o universo nos separaria mesmo se estivéssemos em Seul juntos — Se o universo me fez como coelho da sorte pra salvá-lo porque tá fazendo isso com a gente?

— São forças opostas, o momento de confrontar ainda não chegou... Não tem o que fazer além de torcer pelo melhor — Jimin parecia acabado. Todo mundo estava.

— Vocês têm de descansar — falei — Eu vou ficar bem. Logo vão me deixar ficar com o vovô.

— Mas Gguk- — Yoongi-hyung começou a falar, mas Jimin cortou sua fala antes.

— Ninguém aqui dormiu nada. O Tae chega à tarde. E ele vai chegar — Jimin-shi olhou pra mim quando falou — E precisamos estar bem quando ele chegar — a "aura de vidente" de Jimin-hyung ajudava no que ele dizia. Era fácil confiar no que dizia sobre o universo porque ele soava como um porta-voz. Esperava que dessa vez, realmente fosse um — Ele vai chegar bem, Jeon — reafirmou novamente, e precisava mesmo ouvir isso.

Acenei um até logo para os três, com os olhos no celular esperando qualquer noticia de JiSoo ou Jin-hyung. Talvez estivessem no hotel ainda, preparando Tae pra apresentação, ou talvez já estivessem a caminho e silenciosamente desejei que nada desse errado. Uma infinidade terrível de coisas podia acontecer num show.

— Volta pra mim... Por favor — murmurei em silencio, apertando o celular entre os dedos.

Precisou de mais uma hora ou duas até me deixarem ficar com o vovô, o quarto era somente pra ele e o fato de ainda estar acordado quando entrei me deixou mais calmo, mas não fez meu medo ir embora. Alguém tinha ligado a TV, achei que pelo horário Taehyung já teria entrado, mas havia um grupo local de dança se apresentando. Apesar disso, não havia som, talvez para que o barulho da TV não incomodasse, até havia closed caption, mas a legenda só aparecia "[MUSIC]". Na transmissão da TV alertava que Taehyung seria o próximo.

— Vovô? — chamei por ele, me aproximando da cama.

— Ggukie-ah... — falou baixo, a voz soou como um sussurro — Não... Não aceitam... meu plano de saúde aqui — um riso soprado escapou.

— Tá tudo bem, vou pedir pro Jimin-shi mandar a conta depois — eu odiava a ideia de vê-lo doente, e me deixava mais angustiado saber que não tinha nada haver com sua saúde real, era somente o universo me torturando pra que ficasse longe de Taehyung quando ele mais precisava de mim — Vai ficar tudo bem, ok?

— Tae... — falou mesmo assim e a menção fez meu peito apertar.

— Ele vai chegar. Logo — vovô conseguiu esboçar um sorrido pequeno. Me sentei na cadeira ao lado dele, estava perto o bastante pra segurar sua mão e manteria segurando até sentir o braço doer. Meus olhos estavam na TV, Tae ainda não tinha entrado, mas o faria em alguns minutos. A espera me deixava mais nervoso, a câmera passando pela plateia o tempo todo me angustiava mais ainda, estava cheio e por ser um show aberto e mais gente chegava aos montes — Vai dar tudo certo... — murmurei e vovô apertou minha mão de leve.

Meu coração deu um salto quando Taehyung entrou no palco. O protocolo seguiu exatamente como combinamos antes, nada de elevadores até o palco ou qualquer tipo de entrada chamativa que pudesse dar errado. Não havia luzes perto dele e reduzimos em metade os dançarinos no palco. Seria a primeira vez em anos que cantaria sem retorno e se fosse possível ele cantaria até sem microfone, mas infelizmente nem sorte é maior que tecnologia.

Não ouvi-lo cantar causava um sentimento estranho, mas vê-lo na transmissão, ao vivo, sorrindo largo para o mar de luzes roxas que brilhavam mesmo a luz do dia. Estava feliz por tantas terem conseguido ir, ao mesmo tempo em que ver tantas Purplelights fazia me lembrar do que Taehyung disse sobre poder se despedir. Mesmo com essa lembrança agourenta, tentei só pensar no que fosse melhor, que ele voltaria, que ele estava cantando pra suas fãs.

— Se você voltar bem... — murmurei baixinho, como um segredo — Vamos cantar juntos. Tem de estar comigo enquanto canto minhas próprias musicas pela primeira vez. Quero estar com você quando ganhar um Grammy. E vamos viajar o mundo em turnês — a câmera deu um zoom no rosto de Taehyung, ele nunca pareceu tão bonito — E vou te pedir em casamento, mesmo que não seja valido aqui. Se eu formar uma família, quero poder formar uma com você — Tae olhou na direção da câmera, e sorriu. Senti como se olhasse pra mim. Como se de alguma forma tivesse me escutado, de alguma forma, soubesse.

Taehyung acenou na direção da câmera, para que a transmissão mantivesse o foco nele e nem precisava ouvir pra saber que a plateia estava eufórica, ele puxou algo de dentro da blusa e exibiu pra câmera o pingente que o dei antes de ir. A legenda que até então não tinha saído de "[MUSIC]", mostrou uma frase diferente pela primeira vez quando ele falou, mas eu entenderia mesmo sem nada escrito.

"Ggukie-ah. Eu te amo".

Ele podia não ter me escutado, mas ele sabia.

— Eu te amo, Tae — murmurei e senti o vovô apertar minha mão, virei pra ele e seu rosto tinha virado pra mim também.

— O pingente... da sua mãe — vovô murmurou e assenti — Ela iria gostar dele.

— Ia sim — concordei.

— Seu pai... Também vai — ri baixo, meu pai era um caso raro. Eu mal o via com frequência, não por não querer, mas ele não se demorava em lugar nenhum enquanto criava suas peças de arte. Geralmente eu ligava pra saber se desceu a montanha – ele vivia mesmo numa montanha – e ele vinha me ver nessas ocasiões. Esse seria mais um item da "lista". Tae tinha de viver pra subir a montanha e pedir a benção ao meu pai quando fossemos nos casar.

Ver Taehyung pela TV foi a uma hora e meia mais longa e ao mesmo tempo mais curta da minha vida, porque mesmo ficando tranquilo quando o vi deixar o palco são e salvo, sem nenhuma queda ou tropeço, bastou a mensagem de JiSoo-noona minutos depois dizendo "Estamos voltando pra Seul" e eu entrei em pânico. Taehyung não entrava num trem desde o acidente no começo do ano, então seria um longo trajeto de quase cinco horas de carro, talvez até mais levando em conta a velocidade reduzida que o motorista iria por segurança.

— Ggukie... — a voz do vovô soava mais firme dessa vez — Tente dormir. Passa mais rápido.

Ele tinha razão, o tempo passaria mais rápido se eu dormisse em vez de esperar acordado, mas a angustia sequer me permitia fechar os olhos por mais que alguns minutos. Eu só pensava que algo terrível podia acontecer enquanto eu dormia, que Jin-hyung ou JiSoo-noona podiam ligar e eu não estaria acordado pra ouvir. O que consegui foi assistir o restante da transmissão, havia uma solista de uma subsidiaria que tinha debutado meses atrás cantando e talvez se houvesse algum som saindo da TV, passar o tempo assistindo seria mais proveitoso.

Outro grupo de dança veio em seguida. Um grupo de rookies da antiga empresa do Tae subiu também e mais um convidado de um patrocinador. O prefeito disse algumas palavras, claro que iria aproveitar a ocasião pra se promover e nem fiquei surpreso quando minha foto apareceu nos telões enquanto discursava e nem precisei ouvir o que dizia já que arrumou uma bandeira LGBTQIA+ pra se enrolar e me "mostrar apoio", eu era um tipo de cidadão ilustre da cidade mesmo que não vivesse lá. A plateia adorou, dava pra ver a empolgação do publico.

Eles nunca fariam isso se eu não fosse o Coelho da Sorte.

— Senhor Jeon? — ouvi alguém me chamar da entrada do quarto, algum tempo depois. Tinha se passado umas boas horas desde a apresentação do Tae e mesmo sabendo que o os três deviam estar na estrada, sem sinal, eu ainda aguardava uma ligação. Parado na porta estava um enfermeiro. E ele me pareceu familiar — Eu sou o enfermeiro Choi, o ir-

— O irmão de Yeonjun — conclui, me lembrando dele finalmente. Pareceu outra vida, quando ajudei um rapaz desconhecido numa cafeteria e que por acaso era o irmão de um trainee da empresa — É ótimo vê-lo de novo.

— Me deixaram encarregado do seu avô — se aproximou do leito e me levantei, dando espaço, ele falou algo sobre a oxigenação do sangue estar boa e os batimentos também — Não acredito que os médicos vão fazê-lo passar por outro procedimento, mas ele vai ficar aqui por mais uns dias por segurança — ele ainda olhava o prontuário, se demorando demais na leitura.

— O que houve?

— Nada... Não é minha área e não posso dar uma opinião real, mas ainda é estranho. O coração dele é saudável. Os exames estão bons, não havia nada pra desobstruir na angioplastia... E ainda assim teve uma parada cardíaca — eu nem devia ficar surpreso por algo assim e seria cômico se não fosse trágico. A maldição estava mesmo tentando tudo, jogando suas últimas fichas pra tentar machucar o Tae, afetando todo mundo a nossa volta.

— Obrigado pelo bom trabalho — murmurei, ainda olhando o vovô dormir, tranquilo.

— Pode chamar se precisar de mim, com licença — o rapaz disse, fazendo uma reverência e deixou o quarto logo em seguida. Continuei a observar o vovô, tentando pensar em algo bom ao mesmo tempo em que tentava não pensar em cenários horríveis para o futuro. Sequer era o aniversario de Taehyung ainda, o pior momento ainda viria, porque tudo só ia ter um final, no último segundo do dia 30. Até aquele último segundo passar, até o dia 31 chegar, Taehyung não estava seguro.

— Não posso perder vocês — disse, afastando os cabelos de vovô e sorri, pensando que tinha um tempo que não o via sem os chapéus de pesca, ele os usava o tempo todo. Me sentei na cadeira de novo, a transmissão do show deu uma pausa pra previsão do tempo e senti o nervosismo piorar quando os símbolos de neve começaram a surgir em Seul. Não tinha nevado novamente em Busan, pelo menos não o suficiente pra atrapalhar o show, mas aparentemente uma grande nevasca iria chegar ao país nas próximas horas.

Quando a transmissão voltou era somente o apresentador contratado avisando a população de que o festival acabaria mais cedo por conta da neve, no canto da tela mostrava o ajuste na grade do canal pra exibição do show musical mais cedo. Meu celular vibrou somente para mostrar o aviso do governo para evitar sair de casa se não fosse necessário. Respirei fundo, tentando manter a calma. Levando em conta o horário, Taehyung estava perto. Bastava mais uma hora ou duas, e ele estaria comigo.

(...)


Jimin e Yoongi-hyung conseguiram chegar antes da neve e descobri que Jimin conseguia prever mal tempo também. Infelizmente suas previsões não conseguiam dizer nada sobre Taehyung, porque já tinha mais de cinco horas desde que ele saiu de Busan e não havia qualquer sinal dele e dos outros, além de que no meio do mal tempo, ligações se tornavam mais difíceis, mesmo sinal de internet ou qualquer outro tipo de conexão remota. Restava esperar.

— Jiji e Tannie estão bem — Yoongi-hyung disse — Jiji tá agitada, tentou vir com a gente.

— Se escondeu dentro do carro. Agarrou no meu casaco e começou a miar sofrido quando tentamos sair de casa sem ela — Jimin-hyung pontuou — Eu tive de explicar que nenhum gato podia entrar aqui, mas ela ainda estava triste, Tannie também. SoYeon ainda estava abraçada aos dois quando saímos.

— Ela pareceu mesmo entender — Yoongi-hyung falou, esboçando um sorriso.

— Ela entendeu. É mais esperta que todos nós — falei, sorrindo um pouco, apesar de que os dois filhotes estarem tristes e Jiji ficar tão agitada assim não aliviou minha tensão — Por que ele não chegou ainda?

— A neve com certeza está congestionando as estradas — Jimin disse, e era um ponto a se levar em conta.

— São quase cinco da tarde... Vai ser pior se ele ainda estiver na estrada à noite.

— Ele vai chegar antes — Yoongi quem falou dessa vez — Só aguenta mais um pouco.

A espera me deixou angustiado, mesmo a presença deles me deixou mais nervoso também, vovô respirava pesado e a cada vez que o irmão de Yeonjun entrava pra verificar o estado dele, meu coração apertava por um segundo. Eu conferia o celular de minuto em minuto, esperando por qualquer coisa, mas não havia nada, especialmente sinal telefônico.

— Não é possível que- — não cheguei a completar a frase, Jimin travou no lugar, olhos fechados, uma expressão assustada e Yoongi correu para o lado dele, segurando suas mãos, o olhar alarmado no rosto do hyung me fez segurar a respiração, aguardando o pior.

— Ele tá aqui... — foi a resposta de Jimin e sequer me permiti ter algum segundo de positividade no momento em que as lagrimas começaram a escorrer pelo seu rosto. Meu corpo entrou num modo automático e levantei, saindo do quarto, seguindo pra entrada do hospital. Era como se minha mente nem mesmo estivesse em meu corpo, sequer tinha noção de quais corredores segui ou se Jimin e Yoongi vieram atrás de mim, só continuei andando, até sentir o peito afundar quando enxerguei duas ambulâncias na frente do hospital.

A equipe do Severence abriu caminho e Jin-hyung foi o primeiro que vi, e vê-lo não fez nada melhor, porque ele só chorava. O rosto inchado de tanto chorar, sentado numa cadeira de rodas, com a perna esquerda imobilizada e metade da camiseta coberta de sangue. JiSoo passou na primeira maca, a equipe passou por mim e senti alguém me tirar do caminho. Vê-la acordada, tentando se mexer, ao menos diminuiu a preocupação sobre seu estado, mas não ajudou porque ela gritava pelo Tae.

— Tae... — murmurei, quando ele veio logo depois. O cabelo estava grudado da cabeça de tanto sangue que perdeu, o medico entrou pressionando abaixo do seu tórax, ainda estava sangrando, um lado de sua calça estava rasgado e haviam enfaixado um ferimento profundo em sua coxa esquerda que também não estancou — Tae... — murmurei de novo, tentando chegar perto dele.

— Por favor, tirem ele do caminho — o medico pediu.

— Não... não, Tae. Eu tenho que ir com ele — alguém segurou meus ombros, era um dos socorristas da ambulância, era forte o bastante pra me prender sem dificuldades — Tae! Tae! Me deixa ir — tentei seguir atrás dele, ele ficaria bem se estivéssemos juntos — Ele precisa de mim, me solta! Tae! — senti mais mãos me segurarem, ouvi a voz de Yoongi-hyung dizendo que ele ficaria bem, Jimin-shi tentava me dizer alguma coisa, mas eu não conseguia entender nada além dele dizendo "Calma", repetindo varias e varias vezes. Eu não queria calma, eu queria o Tae — Ele precisa de mim, me deixa entrar!

— Você vai! Escuta. Escuta! — Jimin segurou meus ombros, se colocando na minha frente — Você vai. Se tiver um jeito, o coelho da sorte consegue. Agora, respira! Não vai ajudar nada perdendo o controle — precisei de mais um momento até assentir, tentando respirar, e com mais alguns segundos ou talvez minutos consegui controlar parte do meu desespero. O socorrista me soltou quando percebeu que eu não ia correr porta adentro do pronto socorro, Yoongi soltou meu braço depois, olhei em volta, ainda sentindo lagrimas borrarem minha visão, e Jin-hyung tinha desaparecido.

— Onde-

— Enfermaria — apontou para o lado oposto, provavelmente onde tinha levado o hyung — Ele não parecia tão mal — Yoongi-hyung concluiu, e fazia sentido. Jin estava consciente e estava somente com a perna imobilizada, era menos grave que os outros.

— Yoonie, você pode cuidar da papelada do pessoal? Eles têm de fazer fichas e tudo mais... — Jimin-shi pediu, eu nem tinha me lembrado disso — Meu pai com certeza está na HFC, mas se não estiver ele consegue verificar de casa. O faça ser útil e peça pra abrir os registros de funcionários com os dados da JiSoo e dos garotos.

Observei Yoongi tomar distancia em direção a recepção do hospital enquanto já ligava para o CEO Park, mas a lembrança de Taehyung tão machucado dava voltas na minha cabeça, me impedindo de raciocinar. Respirei fundo, esfregando os olhos pra afastar as lágrimas.

— Ainda é dia 29... Se ele morrer-

— Ele não vai morrer. Não hoje. Só pensa... Qual o melhor jeito de manipular a sorte pra entrar num centro cirúrgico — "Cirúrgico?" eu nem precisei verbalizar, Jimin percebeu na minha cara — Pelo estado dele... Com certeza irão operá-lo.

Eu não gostava nem o pouco da possibilidade.

— Vai... O que seria sorte agora? — Jimin insistiu e não precisei responder, o enfermeiro Choi veio caminhando até nós. Vê-lo me fez lembrar uma breve conversa que tive com Yeonjun meses atrás, ele disse que a vidente pediu para que o irmão viesse a todos os dias de trabalho no inverno, não faltasse nem com as piores nevascas... A vidente sabia que eu precisaria dele.

— Seu avô pediu muito pra que viesse ver-

— Eu nunca cobrei um favor na vida, mas preciso que faça algo por mim e não tenho mais ninguém pra quem pedir — falei, o rapaz me olhou confuso. Ele e o irmão pareciam muito — Tem alguma forma de me fazer ver o Taehyung no centro cirúrgico?

+++

— Você ter sorte vai mesmo ajudar — Choi disse, me entregando uma mascara enquanto me disfarçava de enfermeiro, Taehyung constava como estável no sistema, o sangramento na perna estancou, mas ele ainda teria de passar por um procedimento cirúrgico na região do tórax. Era anestesia geral, e eu não podia deixá-lo fazer sem me ver — Por aqui — seguir pelos corredores em direção ao centro cirúrgico foi uma das piores sensações que tive em anos. O garoto me deu um carrinho de itens cirúrgicos pra empurrar e eu nem sabia como tinha forças pra isso, sentia meus braços dormentes.

Na minha cabeça tudo passava como um filme, desde o primeiro dia. Ele sendo um bobão no trem, de todos os momentos juntos no hotel e suas tentativas de ser um bom namorado que sempre acabavam em confusão, até a angústia por achar que estava brincando comigo e também amor em cada pequena coisinha quando percebi que me amava de volta. Tudo que às vezes parecia nem importar tanto, mas significava o mundo.

Eu não podia perder isso.

— O setor tá vazio... — deu pra perceber a nota de estranheza na voz do rapaz — É a próxima — abriu a primeira porta dupla e quando vi a seguinte meu coração parou por um segundo — Precisa ser rápido.

— Vou ser — disse, tentando seguir em frente sem correr porta adentro. Realmente foi sorte, havia só o anestesista e uma enfermeira, terminando de preparar a medicação dele. Taehyung ainda estava acordado, e só de vê-lo com os olhos abertos me fez esquecer toda a encenação e corri pra perto da maca, parando ao seu lado.

— Mas o q- — o médico estava perdido.

— Tae, Tae... — chamei, segurando seu rosto, mas nem conseguia sentir sua pele através das luvas — Tae, só responde que sim, ok?

— Senhor, você tem de ir- — a enfermeira tentou me dizer, mas nada mais importava além da minha pergunta.

— Tae, por favor, casa comigo?

A pergunta pareceu chocar todo mundo, até Taehyung, e quase sorri vendo seus olhos arregalarem um pouquinho. Mas ele disse, com muito esforço, o que queria que dissesse.

— Sim... — murmurou, e sorrimos um para o outro por um momento que não durou muito. A anestesia foi injetada pelo acesso em seu braço, o resto da equipe entrou e tudo que consegui foi um último olhar dele em minha direção antes que apagasse de vez. Recuei em direção a porta, sem relutar pra sair porque não podia prejudicar mais o enfermeiro Choi do que já tinha feito. Eu seria grato a ele pra sempre, arranjaria um emprego novo a ele se fosse necessário.

— Ele é meu futuro marido, e não seria sorte perder meu futuro marido. Por favor... Por favor — murmurava comigo mesmo enquanto fazia o caminho de volta — Não seria sorte perder meu futuro marido. Eu quero poder casar com ele. E adotar uma criança... Eu quero tudo isso, por favor. Por favor.

— Devia se trocar e ficar com seu avô, deve demorar umas horas até acabar, e ele não vai ver ninguém por um tempo — o rapaz disse e eu assenti, seguindo com ele de volta para o vestiário da equipe. Retirei a touca, a máscara e a roupa para a cirurgia, eram largas então deu pra vestir por cima das peças que já usava — Ele vai ficar bem, foi uma cirurgia de emergência, mas não atingiu nenhum órgão. Isso é bom.

— Bom... — repeti, empurrando os cabelos pra trás. Eu precisava de um banho, precisava dormir, mas meu medo de sair de lá era algo acontecer com o vovô ou com o Tae, ou mesmo com ambos. Não podia correr o risco — Tem como eu tomar um banho aqui no hospital? — o rapaz me olhou um segundo antes de assentir.

— Você não reparou no banheiro no quarto do seu avô?

Eu não tinha enxergado nada direito além do vovô e da TV falando a previsão do tempo. Assenti, apertando os lábios e olhei pra ele.

— Obrigado. Muito, muito obrigado por tudo — disse ao rapaz, o sorriso dele era igual ao de Yeonjun. Era uma boa família, estava feliz por estarem bem.

Me arrastei de volta pro quarto do vovô, sentindo cada membro do meu corpo pesar. Lembrei que depois de voltarmos pra casa depois de receber o diagnostico do Taehyung, o medo me fez entrar num surto enquanto jogava tudo que tinha pontas, facas, lâminas, numa caixa que joguei fora no dia seguinte. Eu mesmo protegi os cantos dos moveis pra que Tae não se bater neles, coloquei uma grade na escada pro primeiro andar pra que Taehyung nunca sequer pensasse em subir e quando acabei tudo, eu me senti exausto. Não o tipo de cansaço que se resolve com sono e aspirina, era o tipo de cansaço que esgotava a alma junto.

Eu amava Taehyung, ele me amava de volta, e isso não era o bastante. Quando entrei no quarto, havia uma pequena pilha de roupas sobre minha poltrona, Jimin-shi devia tê-las deixado. Assim como tudo naquele dia, foi um banho horrível, não me senti melhor, ou mais calmo depois dele. Só queria gritar, quebrar alguma coisa, queria dormir e acordar com Taehyung bem. Do meu lado. Quando sai do banheiro, enfermeiro Choi já estava lá, aferindo a pressão do vovô, e minha única alegria no momento era vê-lo bem, a pele no seu tom rosado de sempre, o cabelo ralo no topo da cabeça, a expressão tranquila.

— Como ele esta? — perguntei, e os dois me perceberam ali também.

— Perfeito. Nem mesmo parece que esteve mal — o rapaz garantiu — Ah, o senhor Min pediu pra avisa-lo que a senhorita Kim JiSoo e o senhor Kim Seokjin estão bem. Ela bateu a cabeça e está em observação, está acordada e querendo sair do quarto, então é ótimo. O senhor Kim teve só a perna engessada, mas as enfermeiras lhe deram algo pra dormir. Estão fora de perigo.

— Isso é bom — era mais uma boa noticia.

— Precisa dormir, Ggukie-ah. Ao menos por algumas horas — vovô pediu e nem conseguia negar que precisava, mas não sabia se sequer conseguiria com Taehyung numa sala de cirurgia, correndo risco de vida. Ele tinha de voltar pra mim, então eu poderia pedi-lo em casamento de novo, e ele diria que sim. Por que me amava. Só por isso — Só alguns minutos, Ggukie-ah — insistiu.

— Tudo bem. Me acorda quando ele sair da cirurgia? — pedi ao enfermeiro Choi, que assentiu.

O sono não veio rápido ou fácil, minha mente era um turbilhão de pensamentos que davam voltas, tentando evitar cenários pessimistas, mas tudo era uma confusão na minha cabeça pelo cansaço, até não haver mais nada e de repente eu acordei, boas horas depois, com algumas luzes do quarto acesas, as cortinas nas janelas fechadas. Vovô dormia, puxei o celular em busca de uma noção de horário: 10 da noite.

A porta do quarto se abriu, era o enfermeiro Choi, pela expressão tinha vindo correndo todo o caminho até ali.

— O colocaram num quarto. Deu tudo certo com a cirurgia! — minha mente parou por um longo momento. Tinha dado certo. Ele estava bem. Só mais 26 horas... Era um período longo, mas podíamos conseguir. Só tinha de estar ao lado dele até lá. Levantei, olhando para o vovô, que ainda dormia. Os aparelhos indicavam que tudo estava bem, eu precisava só ver o Tae, tocá-lo, mesmo por um minuto — É o quarto 7. Eu fico aqui com o seu avô — o rapaz disse, e não podia ser mais grato do que já era.

O quarto 7 ficava no final do corredor á esquerda, não precisei ir longe pra encontrar, não havia mais ninguém por perto e talvez houvesse enfermeiros no quarto, mas não me impedi e apenas entrei, olhando pra Taehyung sob a luz pálida. Havia uma única enfermeira no quarto que assustou com a entrada repentina, mas não disse nada quando me aproximei. Pela cirurgia no tórax não conseguiram fechar a roupa atrás, havia um curativo no canto do seu rosto, enfaixaram seu braço e deviam ter enfaixado a perna também, mas não dava pra ver sob o lençol. Apesar de tudo, parecia bem apesar da dificuldade em respirar, as ataduras cirúrgicas não ajudavam nisso.

— Ele vai ficar bem? — perguntei a enfermeira.

— Tô... — olhei pra Taehyung que respondeu no lugar, que tinha aberto os olhos só um pouquinho — Ótimo... Pronto... pra outra... — deu o melhor sorriso que conseguiu, só erguendo os lábios, e ainda era o sorriso mais bonito que já vi.

— Nada de outras — afastei os cabelos de sua testa — Aguenta só mais um pouco, tá? Você vai conseguir. Só mais algumas horas.

— Não se esforce pra falar senhor Kim, precisa de mais ar pra isso, vai doer mais se insistir — a enfermeira pediu — Vou trazer a medicação dele — disse, seguindo em direção a porta.

— Vovô... — murmurou somente a palavra e mesmo que não soasse como uma pergunta eu sabia que se tratava de uma. Sorri pra ele.

— Tá tudo bem. Ele tá fora de perigo — ele sorriu de novo, mas a expressão se desfez logo.

— Aniversário... — aquela não era uma resposta tão feliz.

— Ainda não. Mas eu vou tá bem aqui, com você. Vai ficar tudo bem — segurei sua mão e pressionei os lábios contra o dorso. Estava muito fria graças ao tempo que ficou na sala de cirurgia e o ar condicionado do próprio quarto não ajudava, mas era o protocolo — Falta só mais um pouquinho — ele conseguiu assentir minimamente.

— Ggukie-ah...

— Shh... Não precisa falar agora — tentei fazê-lo silenciar, mas ele parecia determinado a continuar falando, segurando minha mão direita, apertando o dedo anelar.

— Anel... — ele sorriu — Pote... ração... Jiji — sorri de volta.

— Você escondeu o anel no pote de ração? — ri, era um ótimo lugar pra esconder algo, eu nunca procuraria nada lá — Queria me pedir em casamento antes?

— Pedir... amanhã — eu estava usando tudo que tinha pra não chorar na frente dele.

— Eu fui mais rápido — beijei sua mão de novo — A gente pode ficar noivo por um tempo, se precisar pensar melhor sobre casar ou não — ele só franziu os lábios, estava cansado demais pra uma careta.

— É... Você. Não preciso... Procurar mais.

A porta se abriu de novo e entrada da enfermeira de volta me deu a deixa de afastar bem a tempo. Eu não queria chorar na frente dele, porque mesmo com sua declaração tudo que conseguia pensar era que podia perdê-lo a qualquer segundo. Tinha uma coisa horrível tentando tirá-lo de mim e eu não conseguia pará-la. Eu precisava de um milagre e não sabia como criar um.

— Se precisar de algo basta apertar o botão — a enfermeira disse, após medicar Taehyung, antes de deixar o quarto. Voltei pra perto dele, com o melhor sorriso que consegui, sentando na cadeira perto do leito. A diferença do quarto do vovô pra esse deixava claro o estado do Tae. Estavam se preparando, talvez pelo estado dele com o coágulo, talvez por instruções passadas do Jimin e Yoongi sobre Taehyung ser um paciente diferente, o hospital tinha se preparado pra transformar o quarto numa UTI se fosse necessário.

— Eu tô bem aqui — disse a Taehyung, porque eu não sabia mais o que dizer.

Pelas horas seguintes, houve só o som do monitor cardíaco, apitando num intervalo regular, que me deixava ainda mais nervoso, Taehyung tinha adormecido pelo remédio e o monitor era a única garantia que tinha de que seu coração ainda estava batendo. A cada vez que o som se repetia eu acabava olhando o relógio na parede, vendo o tempo passar como uma lenta tortura, assistindo médicos entrarem e saírem enquanto me diziam que estava tudo bem e não tinha com o que me preocupar. Foram longas horas até Taehyung acordar e levantei num salto, quando virou o rosto pra mim.

— Aniversario — repetiu, e dessa vez ele estava quase certo. Faltavam quatro minutos pro dia 30 — Presente? — sorri.

— Esqueci de comprar.

— Quando eu... tiver inteiro... Você... Se enrola... em fita... Nu — ri baixo, me inclinando pra perto dele.

— Eu vou me enrolar em fita na próxima vez. Prometo — Taehyung ergueu a mão, até tocar meu rosto, sorrindo largo.

— Você... é meu... meu presente — virei o rosto, beijando sua palma — Ggukie-ah... Obrigado. Por ter... Escolhido ficar...

Sabia que estava falando de antes. De ter ficado ao lado dele desde o inicio, e eu odiei como isso soou, o bip do monitor apitou de novo. Quando olhei seu rosto novamente, havia sangue escorrendo pelo seu nariz. A mão de Taehyung não tocava mais meu rosto, caindo de volta no leito, os olhos fechados, o bip soou de novo quando os batimentos dele começaram a cair. Eu sequer precisei olhar no relógio pra saber que era meia noite.

— Tae, acorda. Por favor... Aguenta só mais... — apertei o botão de emergência, varias vezes, desesperado por qualquer ajuda — Você precisa ficar... pra tirar a aliança do pote de ração da Jiji... Volta pra mim, por favor, por favor... — havia sangue escorrendo pelos ouvidos dele, havia até sangue escorrendo como lágrimas dos olhos dele — Não, não... por favor... Tae!

Senti ser afastado dele de novo, tinha médicos cercando ele, eu provavelmente dizia algo, mas não conseguia me ouvir, alguém me fez sair do quarto, o corpo de Taehyung se ergueu um pouco do colchão com a descarga elétrica do desfibrilador. A porta foi fechada, um enfermeiro me dizia algo que não conseguia escutar, só queria voltar para dentro do quarto e implorar pro universo me dar mais tempo. Fui empurrado do caminho quando outros enfermeiros entraram correndo com uma bandeja de medicamentos, tropecei até a parede, sentindo minhas pernas fracas.

— Por favor, eu faço qualquer coisa, não tira ele de mim, por favor...

Olhei em volta, vendo um corredor longo e vazio, a não ser por três bancos pra espera encostados na parede. Eu não sabia o que fazer, pra quem chamar, eu só implorava em silencio pra que Taehyung ainda estivesse vivo naquela sala. O tempo passava e ninguém saia de lá, era um tipo terrível de tortura porque eu sequer conseguia ouvir se diziam algo, se ele estava vivo ou morto. Não havia nada.

— Por favor, eu não posso perdê-lo assim, não e sorte perdê-lo assim, por favor, por favor... — continuei bem ali, meio caído diante da porta, esperando — Por favor... Por favor, Tae. Fica comigo.

Então a porta se abriu, quase uma hora depois.

— Senhor Jeon? — me ergui como podia, só assentindo para a médica — Ele está estável, o que na situação dele não é bom, mas ao menos está vivo. Ainda não sabemos o que aconteceu, então eu preciso que espere — quando fiz menção de entrar no quarto, ela me segurou pelos ombros — Pode se sentar ali — indicou os bancos no corredor.

— Mas-

— Por favor, senhor Jeon — insistiu. Suspirei, assentindo e me arrastei na direção dos bancos. Ainda sentia o choro engasgado na garganta, meus olhos ardiam e só queria que aquele dia acabasse logo. Apertei as mãos no rosto, e gostaria realmente ter a chance de gritar. Era o aniversario dele... Devia ser um dia feliz. Ele merecia um dia feliz. Senti uma mão sobre meu ombro e uma pessoa sentar ao meu lado, virei o suficiente pra ver Jimin e...

Meow — olhei pra gata, sentada no chão na minha frente. Tudo que pensei em dizer sumiu da minha cabeça.

— Jiji? — ela esfregou a cabeça na minha perna, caminhou até a porta do quarto de Taehyung e olhei sem reação ao vê-la aproveitar que um enfermeiro abriu a porta do quarto pra entrar e passou pela brecha antes que se fechasse — Mas como-

Então as coisas ficaram um pouco mais estranhas.

Por um instante achei que tinha desmaiado e estava sonhando. Depois considerei se tinham injetado algum sonífero que me causou uma reação estranha ou talvez drogas, porque aquilo não podia ser real. Jimin-shi ainda estava sentado no banco do hospital ao meu lado, os enfermeiros ainda passavam pelos corredores e eu ainda estava diante da porta do quarto de Taehyung esperando não perdê-lo pra sempre. Mas havia algo fora do lugar, como se visse tudo aquilo através de uma janela com uma película muito grossa. Mesmo a luz do ambiente parecia estranha, meio lilás. Não sentia meu corpo direito, era como estar flutuando.

— É uma projeção — virei para Jimin, ele me olhou de volta — É como vemos o futuro. As possibilidades passam juntas pela mesma linha, até você escolher uma, então as descartadas desaparecem pra nós e novas entram no lugar. Mas pessoas tomam decisões o tempo todo, então o mundo pra nós é sempre assim — olhei em volta de novo, era um estado constante de projeção porque as decisões eram feitas sem pausa.

— Você vê assim o tempo todo? — perguntei, Jimin assentiu. Eu entendia perfeitamente agora porque ele era tão diferente de todo mundo.

— Não era o tempo todo antes, piora com os anos, mas estabiliza com bons vetores. Gatos mágicos ajudam a canalizar, a ver como todo mundo vê e não perder a própria mente entre a projeção e a realidade. Videntes muito poderosos precisam de muitos deles.

Lembrei a vidente, Jieun, quando fomos a casa dela em Busan havia dezenas de gatos. Ainda era estranho ver como ele via, a luz do ambiente parecia mais rosada naquele momento, sequer sentia o tempo passar direito. Era angustiante de certa forma.

— Você vê normalmente quando está com o Yoongi-hyung, não é? — ele assentiu de novo, com um sorriso dessa vez — Sempre soube que ele era um gato — o sorriso de Jimin se tornou maior — Por que eu tô vendo isso? Você tá fazendo... — movi a mão diante do meu rosto e era como mover gel de cabelo — O que-

— O universo está te mostrando, não eu. Acho que é sua chance de salvar o Tae, ele não te faria ver se não fosse por isso. É a chance de vocês — ele olhou para o lado direito e senti alguém do meu lado assim que o fez. Não podia dizer que estava surpreso por ver Jieun, a vidente, sentada do meu lado. Ela ainda parecia a mesma, com suas saias coloridas e a cara de bruxa de desenho animado.

— Ele aguentou bem. Taehyung é um garoto forte e você também... Estou orgulhosa de vocês — ela sorriu pra mim — Jimin... — ela disse, Jimin-shi se levantou e foi embora, sem dizer uma palavra a mais — Ele não vai poder ver, o universo compartilha pouco conosco.

Estava mais confuso do que nunca, até conseguir ver o que estava na minha frente. Era como ver por uma janela ou assistir a cena de um filme, Jin-hyung e JiSoo-noona, sentados junto a uma mesa numa cafeteria. Tinha uma grande TV ligada logo atrás deles, os dois vestidos de preto. Claro que não era uma visão deles atualmente, Jin-hyung ainda estava na enfermaria, assim como JiSoo, esperando pra serem liberados. Olhei pra vidente.

— Esse seria o futuro sem o Coelho da Sorte — apontou pra TV, e senti um aperto no peito quando exibiram a imagem de Taehyung — Seria a realidade que teriam se o Coelho da Sorte nunca tivesse existido. Hoje faria um ano da morte de Taehyung, num acidente de trem.

Eu não conseguia ouvir a visão e nem ver muito bem, era embaçada, distante, mas ainda conseguia visualizar as imagens do trem descarrilado e que Taehyung foi a única vitima fatal.

— Jin largaria a empresa, a CF. Iria trabalhar num canal de TV. JiSoo ainda é gerente, não teria grandes ambições. Eles têm uma vida boa até, mas não seriam nada felizes — tentei pensar sobre como o coelho da sorte afetou a vida deles, como JiSoo-noona teria a chance de cuidar de grupos femininos como sempre quis graças a GCF e como Jin-hyung só descobriu como amava escrever pelas fanfics que fazia de Taehyung e eu — Você está bem ali — apontou pra outra versão de mim, entrando junto com SoYeon e Jiji no colo.

— Eu e SoYee... O Yoongi-

— Yoongi foi o primeiro grande milagre do coelho da sorte. O universo permitiu por Jimin, é claro, mas também pra abrir um precedente, a sorte era poderosa o bastante pra salvar vidas. Mas sem isso... — deu um suspiro pesado — Ele teria morrido. Câncer é uma doença terrível... Jimin ficaria arrasado, ignoraria o próprio poder por não ter sido capaz de ajudar, seria um talento desperdiçado do universo. Você e SoYeon aguentariam firme ainda assim, se tornaram produtores. Assim que conheceria o Tae.

Eu o conheceria... Mesmo assim?

— Você iria produzir uma musica pra ele. Depois um álbum. Demoraria um pouco, mas ele te pediu em namoro eventualmente — ela tirou algo do bolso — O universo nos deixa fazer alguns truques — me mostrou a foto e o aperto em meu peito se tornou maior. Datava de três anos atrás, Taehyung, Jiji e eu no natal, com toucas vermelhas, igual o laço de Jiji, ainda filhote. Não reconhecia o apartamento, devia ser o antigo de Taehyung. O cabelo dele estava cinza — O namoro era escondido, é claro. Vocês precisavam ser cuidadosos. Taehyung te contou da maldição, você tentou acreditar...

— Como acontecia? O... Como ele...

— Não mudava muito. Tae ligaria pra você, falando que conseguiu o trem da meia noite, você prometeria buscá-lo pra passar o aniversario dele juntos. Nunca chegaria a sair de casa, a noticia do acidente viria antes. Jin ficaria muito machucado, JiSoo ficou com ele no hospital. Os pais do Taehyung cuidariam de tudo, eles não deixariam você se despedir, te impediriam de entrar no velório. Jiji seria a única lembrança que teria dele.

Mesmo imaginar aquilo era terrível e estava grato por ela não ter me mostrado nada além daquela cena na cafeteria. Jiji estava no meu colo, todos conversam em tons amenos pelo que parecia, os sorrisos pequenos, a tristeza nos olhos.

— Um amor como o de você é poderoso... O universo é feito de centenas de variáveis, cada passo que você dá interfere diretamente no seu futuro, mas em todos os cenários possíveis na existência humana, você e Kim Taehyung iriam se apaixonar. Não é incrível? É uma ótima história pra contar as crianças. Eu sugiro adoção se quiserem tentar! — um riso nervoso escapou. Aquilo era inacreditável. Eu já tinha presenciado muita loucura na vida, mais do que meu cérebro era capaz de processar, mas aquilo? Nada chegava perto.

Olhei pra frente, vendo o vislumbre do que teria sido meu futuro se não tivesse sido o coelho da sorte. Tentava sorrir pra Jin-hyung e JiSoo, segurando Jiji nos braços como se a gatinha fosse um bichinho de pelúcia. Demorei a perceber porque eu só a tinha comigo naquele momento, se nunca fui o Coelho da Sorte, nunca contratei secretario Chan, e ele quem trouxe Tannie pra nós.

— Você é uma boa pessoa, tem poucas pessoas no mundo que tem o coração como o seu Jeongguk, mas teria uma vida terrivelmente triste. O Universo gosta de você e também não queria ter de machucar Taehyung. Porém uma maldição tem de se cumprir uma vez que foi feita.

As coisas pareciam mais claras nesse momento.

— Se fosse uma doença normal ele teria ficado bem como Yoongi-hyung ficou, não é? — perguntei, ela assentiu — Foi assim que fiz... Eu o "curava" todos os dias, mas os problemas sempre voltavam, porque a maldição era mais forte. Não vai acabar no aniversario de 25 anos dele, não é? — ela assentiu de novo.

— Eu disse aquilo porque precisava convencê-lo a ficar com Taehyung mais tempo quando falei. Uma maldição é como uma divida, e ela precisa ser paga. O que você fazia com sua sorte era... Era como pagar uma grande divida, dando uma moeda por dia ao credor. Você e Tae podem fazer isso pra sempre, dar todos os dias uma moeda para a maldição, até ficarem velhos.

— Ou posso pagar tudo de uma vez.

— Exato... Você ainda teria sorte, é claro. Até mais que a média! Mas nada sequer perto do que é agora. Você consegue mover o mundo a seu favor, Jeongguk. É um dom difícil de abandonar. Eu ainda olhava pra visão do outro Jeongguk. O cabelo curto demais indicava que tinha voltado do exercito há pouco tempo, aquele garoto que via com certeza precisava de mais sorte.

Imaginei por um momento como nosso futuro seria se eu não abrisse mão de ser o Coelho da Sorte, eternamente com receio de que algo ruim pudesse acontecer com Taehyung, vendo-o ficar doente e melhorar, todos os dias, por anos inteiros. Eu abriria mão de toda minha sorte só pra não vê-lo numa cama de hospital de novo.

— As coisas podem ser bem diferentes sem tanta sorte — ela avisou, a visão da vida que não tive se desfez, mas o tom colorido do ambiente se manteve e comecei a considerar se a vidente sequer estava ali fisicamente — Podem ficar difíceis.

— Eu sei... E sei que ele vai estar comigo, pra aguentar junto — sorri pra ela — A gente vai ficar bem — ela sorriu de volta.

— Eu adoro histórias assim! — ela disse animada, me dando um abraço e talvez fosse tudo que estivesse acontecendo, mas comecei a chorar. E rir. Nem sabia o que estava sentindo — E eu mantenho tudo que disse antes, você não iria achar um amor melhor. Ele vai estar com você até seu último dia! Não é maravilhoso? É tão romântico!

— Eu sei — e eu realmente sabia, mesmo antes dela dizer — O que preciso fazer agora?

Ela deu mais um sorriso largo.

— Já fez — e tirou algo de sua bolsa feita de retalhos de pano. Era uma cartela de raspadinhas de loteria, devia ter cinco ou seis delas e uma moeda — Eu ainda atendo em Busan, me mande um convite para o casamento.

— Pode deixar — quando aceitei as raspadinhas e a moeda, senti a mudança no ar como se uma bolha tivesse estourado. A luz pálida do corredor voltou, JiEun tinha sumido, não havia um único ser vivo no corredor além de mim. Alguém abriu a porta do quarto de Taehyung, carregando Jiji pra fora.

— Um gato invadiu o quarto dele... Como ninguém viu? — dava pra ver a confusão da enfermeira mesmo com a máscara em seu rosto.

— É nossa.

— Animais não são permitidos — me devolveu Jiji, que sibilou pra mulher antes de esconder o rosto debaixo do meu braço — Seu... namorado? — eu não gostei do tom na pausa que fez ao dizer a palavra — Está bem. Nunca vi uma melhora tão rápida quanto a dele, mas os médicos querem mantê-lo aqui um pouco mais. Só vai poder vê-lo amanhã, infelizmente.

— Tudo bem — falei, fazendo uma reverência antes de levantar, segurando Jiji com força.

Meow?

— Vamos lá fora — respondi, me apressando em direção a saída, praticamente correndo até deixar o hospital, era noite, é claro, devia ser uma ou duas da manhã, a neve caia fraca e logo ia começar a acumular — Sei que você é magica, então pode obedecer e ficar quietinha aqui? — coloquei-a na calçada, alguns flocos caiam sobre seu pêlo preto.

Meow!

— Boa menina.

Olhei pra moeda e as raspadinhas. Era estranho que uma parte tão grande da minha vida tinha partido e eu não senti nada diferente. Quando imaginava que perderia a sorte, sempre pensei numa grande cena, como um tipo de momento magico, mas foi fácil como apertar um botão. Provavelmente muito da minha vida seguiria igual, mas eu esperava que seguisse com Taehyung bem, do meu lado.

Raspei a primeira. "Tente da próxima vez". E foi o mesmo na segunda. Na terceira... Em todas elas.

Sorri.

— Nada mais de sorte.

Eu tinha dado adeus para algo muito grande... Mas tinha valido a pena. Por ele.

— A maldição acabou, Jiji. O Taetae vai ficar bom.

Meow!

— Vai ficar tudo bem, vamos pra casa.

+++

1 ANO DEPOIS

29 DE DEZEMBRO

— Jeongguk, pelo amor de Deus, são dez horas da noite! A loja vai fechar! — SoYeon gritou, correndo pra dentro do estúdio, e foi preciso ela gritar pra que me desse conta do horário. Estávamos gravando desde as duas da tarde — A loja vai entrar em recesso, esqueceu? Se não pegar seu terno, vai casar vestido de saco de arroz.

— Não acredito que você vai casar antes de mim... — Yoongi murmurou, fechando o notebook, esfregando os olhos. Tirei o fone de ouvido, puxando o celular pela primeira vez em um bom tempo e tinha algumas mensagens do Tae, a mais recente me pedindo pra trazer bolo de chocolate — E não acredito que é o Jimin que tá me enrolando pra casar!

— Ele só quer preservar sua carreira, hyung. Todo mundo sabe do Tae e eu, é mais fácil pra nós, e até a gente vai ter de guardar isso em segredo — suspiramos quase ao mesmo tempo. A moção no congresso pra legitimar casamentos LGBTQIA+ caiu logo depois de eu perder minha sorte, mas sempre foi óbvia que a mudança só ia acontecer pelo Coelho da sorte, sem isso não ia durar.

— Jeon, seu terno! O álbum pode esperar — SoYeon lembrou e parecia que finalmente meu cérebro voltou a realidade. Eu ia me casar. Ia lançar um álbum. Ia me casar! Taehyung era a pessoa com quem eu passaria o resto da vida — O secretario Chan tá esperando, não esquece nada!

— Ok, ok! Vejo vocês na festa amanhã? — puxei minha mochila, dando uma olhada em volta pra ter certeza que não tinha esquecido nada.

— Jimin disse pra vocês aparecerem às sete. Vão as seis, eu não quero ficar sozinho — Yoongi-hyung pediu, Jimin-shi queria fazer uma festa grande pra Taehyung que pretendia estender até o ano novo.

— Certo. Tchau, amo vocês! — corri pra fora, vendo secretario Chan no final do corredor.

Um ano...

As coisas foram mudando aos poucos durante aquele período, era como se o aniversario de Taehyung fosse um novo ponto em nossas vidas, um recomeço pra todo mundo. Tae ficou bem, mais saudável que todos nós. O caso dele foi dito como um milagre, o coagulo tinha desaparecido completamente, a cicatrização do acidente tão boa que sequer parecia que foi costurado alguma vez na vida, os jornais vieram pra cima como abutres, só se falava dele por semanas.

Demorou mais do que eu esperava, mas pessoas foram percebendo que eu não era mais o homem mais sortudo do mundo. Quando o assunto virou noticia, Taehyung parou de ver redes sociais por um tempo, perdemos patrocinadores, as ações da empresa caíram muito. Os primeiros meses foram os piores, passei tanto tempo sem sofrer qualquer problema por ser o Coelho da Sorte que ouvir comentários homofóbicos foi como romper uma bolha e era horrível pensar que precisava ser o homem mais sortudo do mundo pra ter o mínimo de respeito.

Taehyung era meu namorado e eu ainda precisava agir como não fosse, precisava ficar longe dele, e só o tinha do meu lado em casa. As coisas aliviaram, mas não saíram disso de verdade. Mas nos últimos meses tinham ficado melhores, as purples continuaram ao lado do Tae apesar de tudo, a empresa seguiu bem, consegui ter coragem de lançar um EP, que não tinha fracassado. Na verdade, tinha ido bem o bastante pra quererem um álbum.

Às vezes sentia falta do "Coelho da Sorte", mas conseguia me virar bem, mesmo sem um empurrãozinho do universo.

— Taehyung já pegou os ternos dele? — perguntei ao secretario Chan quando coloquei as caixas com as roupas no fundo do carro.

— Buscou pela manhã, senhor — entrei no carro também — E também comprei o meu terno como pediu.

— Ótimo! Você tem de estar bonito pro meu casamento, senhor Chan. Ok, Bolo, ternos... Tudo aqui. Podemos ir, vai estar oficialmente de férias, senhor Chan. Nos vemos em janeiro agora.

— Para o seu casamento.

— Para o meu casamento — concordei.

Não era algo oficial, como a moção nunca foi aprovada, casamentos gays não eram validos e qualquer coisa formal talvez pudesse prejudicar a carreira do Taehyung e agora a minha também. Mesmo sabendo sobre nós, a maioria ignorava que estávamos juntos ou tentava esconder isso ao máximo. Era até ridículo ver os jornais dizendo que Taehyung e eu éramos "Grandes e bons amigos" ou o "Bromance da nação" e era nessas vezes que isso me fazia querer ser o coelho da sorte mais uma vez. Por um tempo considerei se trocar alianças, apenas nós dois, seria o melhor. Mas eu queria minha família, meus amigos... Queria todo mundo que me importava lá pra ver.

— Até logo, senhor — senhor Chan disse, parando na entrada da minha casa.

— Até logo! Boas férias! — gritei, chutando o protão da frente enquanto carregava o bolo em uma mão e as caixas com os ternos em outra. Chutei o portão de novo pra fechá-lo, tropeçando no degrau pra entrada da casa e felizmente não derrubei nada — Tae! — abri a porta, desajeitado, quase derrubando o bolo antes de conseguir entrar — Amor, eu trouxe bolo! — corri em direção a mesa da sala de jantar, colocando o bolo sobre ela. Jiji e Tannie dormiam debaixo do móvel — Tae?

Ele estava cochilando no quarto, tinha tirado a calça e um pé da meia, mas esqueceu o outro, a camiseta estava só parcialmente aberta. Coloquei os ternos no closet, largando a mochila no chão e peguei uma fita vermelha que guardei num dos bolsos. Tirei a camisa por sobre a cabeça, amarrando laço em volta do pescoço antes de engatinhar sobre a cama, até estar pertinho do rosto dele.

— Taetae?

— Hum... — resmungou de volta.

— Feliz aniversário — sussurrei, ele abriu um olho só, erguendo a mão antes de brincar com a ponta do laço.

— Você é meu presente?

— Sim — sorri.

— Meu pedido veio errado, então. Você não tá nu — ri, pressionando um beijo em seus lábios, seus braços me envolveram e me derrubou na cama, se deitando sobre mim — Trouxe o terno pra casar comigo?

— Trouxe dois.

— Pra casar duas vezes comigo?

— Com certeza — lhe dei mais um selinho — E os seus?

— Já peguei e... Eu tenho uma surpresa — olhei pra ele — Encomendei um novo terno... Roxo!

— Roxo?

— Roxo.

— Não vou casar com você com um terno roxo — já conseguia visualizar ele caminhando até mim parecendo um lightstick ambulante.

— Mas não é um roxo-roxo, é um roxo-roxo-escuro!

— Eu preciso ver esse terno antes — ele fez uma careta, e nem sabia por que estava sendo difícil, eu acabaria cedendo de qualquer forma. Bastava que olhasse pra mim com seus grandes olhos pidões, que eu aceitaria qualquer coisa — Quer comer bolo? — negou, pressionando um beijo em meus lábios — Se sente bem?

— Eu tô ótimo — afastou uma mecha do meu cabelo, eu tinha deixado crescer nos últimos meses — Sei que ainda se preocupa, mas você me salvou, Ggukie-ah. E agora eu sou o cara mais sortudo do mundo. Eu tenho você, então nunca mais vou ser um azarado. Vai ter que me aguentar pra sempre, porque não trabalhamos com divórcios por aqui.

— Juntos até ficar velhos e enrugados.

— Eu ainda vou ser lindo mesmo enrugado. As rugas vão ser só um acréscimo no meu rosto perfeito — ri, imaginando como seria ficar velho ao seu lado. Era uma sensação nova, imaginar passar a vida com alguém, amar tanto a ponto de não querer passar um único dia sem saber que pertenciam um ao outro. Estava feliz por sentir isso com Taehyung, porque tinha certeza que era reciproco.

— Ah! Nossa tradição — o afastei um pouquinho só pra tirar as duas raspadinhas do bolso. Era a tradição que criamos pra nós em todas as datas importantes, compramos algumas no Grammy, quando lancei meu EP, no meu aniversario jogamos na loteria, no single especial do Tae também. Toda data importante nós fazíamos isso, como uma lembrança da sorte que nos colocou juntos. Lhe entreguei a sua e comecei a raspar a minha — Nada — virei a cartela com mais um "Tente na próxima vez".

— Dez mil wons! — ele disse, virando a cartela pra mim — Quem é o cara de sorte agora? — me derrubou de volta na cama — Você é um azarado.

— Hurum...

— Não acredito que vou casar com um cara que não ganha nem mil wons numa raspadinha — ri junto com ele, antes de envolver meus braços em volta de seu pescoço, pressionando mais um beijo em seus lábios, lento, calmo... Era perfeito — Eu te amo — sussurrou.

— Eu te amo mais — murmurei.

— Eu te amo, 3000! — rebateu, ri baixo.

— E eu te amo mil milhões!

— E eu te amo infinito! Ganhei! — beijou meu pescoço, várias vezes, até virar o rosto pra mim novamente — Bolo?

— Bolo!

(...)

DIAS DEPOIS

— Tae, eu não tô achando a caixinha da Jiji! — gritei do andar de cima, a gente quase nunca usava o primeiro andar, então era como um grande depósito. Estava considerando nos mudar pra um lugar menor, mas Taehyung tinha se apegado e vez ou outra falava sobre como nossos futuros filhos iriam querer morar naquela casa, então eu estava mais tendencioso a ceder.

— Tá no segundo quarto, à direita! — gritou de volta. Levantei, seguindo para o quarto, mas ao apertar o interruptor a luz não veio. O quarto era tão escuro que não conseguia ver nada além da fresta de luz que entrava pela porta aberta.

— A luz queimou! — gritei — Cadê seu celular?

— Descarregou! — suspirei, o meu estava temporariamente morto. Eu tinha deixado cair no dia anterior quando fomos jogar na loteria. Não íamos conseguir fazer no dia do casamento, então preferimos fazer o jogo antes — Eu vou comprar uma lâmpada, já volto — suspirei de novo, sentando no chão do lado da porta. Ouvi os passinhos se aproximando quando Jiji e Tannie subiram as escadas, Tan agora era grande o suficiente pra conseguir alcançar o primeiro andar.

— Estão prontos pro casamento?

Yap!

Meow!

Taehyung lidou bem com o fato de Jiji ser uma gata mágica e na verdade nem se surpreendeu com o fato. Ninguém ficou surpreso, sendo bem sincero. Jimin-shi explicou como gatos mágicos ajudavam videntes a se estabilizarem e que eles eram muito especiais e entendiam humanos muito bem, mas nenhum de nos compreendeu como Jiji foi parar com Taehyung, já que ele não tinha nenhuma ligação com vidência e mesmo naquele futuro que nunca aconteceu, Jiji ainda estava lá, e ficaria comigo mesmo se Tae tivesse morrido.

— Vão ser longas horas de voo, mas vocês vão ver minhas tias de novo — levantei do chão, tentando achar a caixa mesmo na escuridão do quarto. Na próxima reforma eu colocaria um janela ali — Tia Clarisse e a tia Soyaa — essa era uma galinha mais novinha, Tae que escolheu o nome em homenagem a JiSoo-noona — Vai ser o- Ai! — gritei ao tropeçar em uma caixa no chão, que infelizmente não era a de Jiji — É isso não foi-

Virei pra eles, e só Tannie estava na porta.

— Jiji?

Sai do quarto, ela não estava no corredor.

— Jiji? — desci as escadas, ela não estava na sala também, a porta da frente da casa estava aberta. Segui pra fora, vendo-a parada no portão, que também estava aberto. Taehyung não tinha percebido que não fechou? — Jiji?

Meow!

E correu pra fora, corri atrás dela, fechando a porta atrás de mim, seguindo a gata rua acima. Ela estava fazendo de propósito, porque sempre parava um pouco quando eu estava muito longe e voltava a correr sempre que parecia perto de alcançá-la. A gata só parou quando alguém ficou no caminho dela, e isso me fez parar também, porque não foi difícil reconhecer a figura colorida diante de mim.

— Jeongguk-ah! — JiEun disse, pegando Jiji no colo. Tinha mais de um ano que não via a velha vidente, ela nunca mais apareceu desde o aniversário de Taehyung no hospital e não esperei que fosse vê-la de novo — Gostei do cabelo.

— Obrigado — ela afagou a cabeça de Jiji.

— Parabéns pelo casamento. Comprei um presente pra vocês — colocou Jiji no chão e me aproximei, ela tirou uma caixa pequena e comprida da bolsa e me entregou. Tinha canetas e bloquinhos de anotações — Nunca se sabe quando vai precisar dar autógrafos.

— Obrigado — sorri, era um presente bem útil.

— Eu vim buscá-la. É hora de ir — olhei pra Jiji, que tinha os olhos enormes olhando pra mim — Eu a mandei pra Taehyung ainda filhote. Gatos mágicos são ótimos protetores, mas Taehyung não precisa mais de proteção, ela ficou um tempo com vocês, mas tem de voltar comigo agora.

— Ah...

Meow... — Jiji miou triste, esfregando a cabeça na minha perna.

— Ela não pode ficar mesmo assim? — JiEun não respondeu, só olhou na direção de Jiji que a olhou de volta. Talvez fosse um não silencioso — O Tae nem se despediu — me abaixei, afagando a cabeça dela — Mas ele vai entender. A gente vai a Busan te ver, ok?

Meow?

— Sim, eu prometo — apertei os lábios, sentindo o coração apertar de ter de vê-la ir, e sem Taehyung sequer ter a chance de dizer adeus, mas se tinha de partir, não havia muito que eu pudesse fazer, se a vidente veio busca-la, não tinha como impedir que fosse — Nós amamos você, tá? Sempre vai ser nossa Jiji.

Meow!

JiEun sorriu, me dando um abraço logo que me levantei.

— Serão muito felizes, eu sei disso. O universo sempre vai torcer a seu favor. Ah! Eu posso vir daqui três anos? Adoro festas de criança! Adoção é um ato muito bonito, já estou muito orgulhosa de vocês.

Eu seria pai em três anos?

— Claro. Pode vir — ela sorriu, me soltando.

— Ah! Tem mais um presente pra você. Esse é só seu. Deve chegar em breve.

— Você mandou entregar na minha casa?

— Quase isso. É um tipo de controle, muito bom — eu não entendi o que ela quis dizer, mas preferi não perguntar.

A observei se afastar, com Jiji caminhando ao seu lado. A gatinha olhava pra trás, e sorri tentando não chorar, não queria deixar Jiji triste. Apertei a caixa com as canetas contra o peito e caminhei de volta pra casa, vê-la partindo iria doer mais. Tae ia ficar arrasado, especialmente por não poder se despedir, já que teríamos de viajar em algumas horas.

Quando cheguei a entrada de casa, Taehyung tinha acabado de voltar, com a sacola do mercado e o cachecol dando tantas voltas que mal dava pra ver seu rosto.

— O que houve? O que é isso? — apontou pra caixa em minha mão.

— Tae... É que- Jie-

— Jiji! — ele exclamou e virei, vendo a gatinha correr de volta pra nós — O que tá fazendo aqui fora?

Meow! — esfregou a cabeça na minha perna e depois de Taehyung. Ela tinha escolhido ficar mesmo com JiEun vindo buscá-la — Meow!

— Ela saiu pra dar uma volta quando... quando fui buscar isso aqui... — balancei a caixinha com o presente de JiEun. Podia contar sobre tê-la visto depois. Peguei a gata no colo — Que bom que voltou logo, Jiji.

Meow.

— Vai ser nosso segredo, tá? — sussurrei.

Meow... — miou baixinho.

Entramos em casa, Tannie estava na porta esperando por nós. Tae tinha comprado uma lâmpada e uma lanterna, como trocar a lâmpada queimada daria muito trabalho, realmente a lanterna seria melhor. Coloquei Jiji no chão, que correu de volta pra Tannie, lambendo os pêlos da cabeça dele igual fazia quando era filhote. Subi de volta para o andar de cima, ligando a lanterna e encontrei a caixa de transporte em cima de guarda-roupa que nem lembrava que tínhamos lá dentro. Pela aparência era uma das mobílias dos antigos donos de antes de nos mudarmos.

Puxei um banco que encontrei e ao lado dele achei outra caixa cheia das minhas tiaras de coelho. Também não me lembrava de ter colocado ali, fazia um tempo desde que tive que usá-las. Peguei uma, colocando na cabeça.

Meow! — Jiji miou atrás de mim.

— Gostou, Jiji? — perguntei.

— Ggukie-ah, saiu o resultado da loteria! — Taehyung gritou do andar de baixo — Achei meu bilhete! — deu só mais um minuto pra ele dizer o óbvio — Eu perdi!

— Vê o meu! Tá na primeira gaveta do closet — puxei a caixinha de cima do armário e acabei derrubando junto outra caixa. Joguei uma luz em cima, vendo a caixa de acrílico transparente, cheia de plástico-bolha e com uma revista dentro — É... — era uma primeira edição da revista em quadrinhos do Superman. Aquilo valia uma fortuna, como o antigo proprietário tinha esquecido algo assim? — O Tae não vai acreditar no que- — A luz do quarto piscou algumas vezes e acendeu, como se nem estivesse queimada antes. Calei.

Não... Não podia ser.

Travei no lugar, olhando pra caixa em choque. Tirei a tiara da cabeça, a luz desligou. Coloquei de volta, ligou de novo. Tirei de novo, vendo a luz desligar, peguei outra tiara da caixa, coloquei na cabeça e a luz ligou de novo.

— Controle...? — olhei em volta, depois para o alto, como se eu pudesse ver o universo. Não podia ser real, mas era... — Tae! Vem aqui-

— Ggukie-ah! — ele gritou mais alto que eu, e o ouvi correndo escada acima até a porta do quarto. Taehyung me mostrou o bilhete da loteria — Você ganhou!

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