Capítulo 17:

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Light reflects from your shadow it is more than I thought could exist.
Reflexos de luz da sua sombra é mais do que eu pensei que poderia existir. (Angels – The xx).

Henrique não estava mais ao meu lado quando acordei, por isso tudo pesou em meus ombros. Sua presença me acalmava de tal forma a me desligar do mundo ao meu redor. Tirando-me da tomada que me mantinha viva e alerta, ele era minha endorfina.

Me levantei pausadamente, ainda coçando os olhos, bocejando e me espreguiçando.

Foi quando me aproximei da porta que meu dia mudou e que poderia dizer que foi a partir do que escutei que tudo em torno de mim mudou.

Deslizei até o chão e abracei os joelhos.

- Tem certeza do que está dizendo, Raquel? – Era Bruno.

- Mas, é claro que sim. Paulo o constatou pelas regiões e colocou espiões na cola de Natan. Ele está atrás de Agatha. Atrás de vingança com minha filha e...

Assim como eu, minha mãe se derramou em um pranto baixo. Fechei os olhos, imaginando toda a cena lá fora. Os olhos de Bruno marejados e minha mãe apoiando suas mãos em seus ombros. Como se aquele fosse o máximo de conforto que pudesse receber. Enterrei meus dentes no joelho para não gritar.

Senti um gosto forte... sangue. Não queria olhar para comprovar. Eu sabia o que era. Pelo cheiro. Pelo gosto. Mas não queria contar pra ninguém o que senti naquele momento. Não queria contar como me senti derrotada. Nem como me senti instigada a fazer o pior para acabar com o sofrimento. Mas, o ideal agora seria falar diretamente com meu pai... só não tinha uma escapatória até que minha mãe estivesse longe daquela sala, pois caso eu passasse por lá para sair... não aguentaria. Iria querer me jogar em seus braços e chorar desesperadamente. Mas tinha de colocar em minha mente que aquela garotinha de sete anos não estava mais aqui.

Cresci com as piores coisas em mente. Com o pior tipo de violação a uma mulher que pode existir. Cresci e ainda teria de enfrentar muito com o que carregava. Não queria que ninguém se prejudicasse como me senti prejudicada no momento. Precisava fugir. Sair de perto daqueles que amava. Ir pra bem longe. Longe de tudo que me fazia bem.

*

Demorou um bom tempo para que as coisas do lado de fora se acalmassem. Consegui me lavar e me vestir de maneira despojada, para que nem Bruno e nem Cate desconfiassem de nada. Depois disso tudo, treinei um sorriso falso diante do espelho. Daqueles bem esticados e com o centro um tanto quanto sensível.

Ao sair do quarto, avistei Bruno sentado ao balcão com um pote de cereais diante de si. Ele ergueu as sobrancelhas, sorrindo docemente. Retribui com uma piscadela.

- Bom dia. – Ele cumprimentou quando me aproximei e belisquei um pão sobre o balcão.

Toquei meus lábios em seu rosto, em um beijo matinal. – Bom dia, vou dar umas voltas.

- Tudo bem. Volte para o almoço. Não sei cozinhar. – Bruno pediu.

Sorri, balançando a cabeça. Desci, de elevador, andar por andar, até estar na garagem e subir em minha moto.

Alphaville estava fria e sorri, indignada com a emoção que senti pela compatibilidade de sentimentos. O caminho até o edifício de empresas de Salazzar não era muito longo, mas peguei algumas outras ruas, nas quais sempre gostava de andar e me imaginar caminhando por entre aqueles caminhos serpenteados das casas. Então eu passei por lá, desejando não ter passado. Não tinha como acelerar de uma hora para a outra, meus olhos estavam focados na imagem que encontrei... droga. Mas, que merda. Porque me machucar tanto? Eu sempre prometi a mim mesma que nunca choraria por homens e depois que conheci Henrique estourei minha cota por, pelo menos, uns trezentos anos.

Braços rodeados e olhos um no outro, Henrique e Melissa se encaravam. O sorriso dela era tão verdadeiro, que conseguiu me derrubar, mais do que as feições de Henrique. A moto zarpou por eles, e nenhum me notou... melhor assim e me certifiquei de tal olhando pelo retrovisor. Aquilo me daria mais força para continuar com o que eu tinha em mente. Estacionei a moto diante do Edifício Salazzar. Sua ponta tocando o mais alto possível, demonstrando um poder no centro de Alphaville.

Todos os seguranças acenaram com a cabeça, um para os outros. Eles estavam espalhados de forma estratégica pelo edifício. Era nisso que dava trabalhar para um dos homens mais ricos do Mundo.

A recepcionista me cumprimentou com um ‘olá’ simpático e liberou minha entrada. Um senhor no elevador me cumprimentou enquanto tocava a ponta de seu quepe e pressionava o botão sem me indagar qual o andar.

Todos ali me conheciam. Fazia muito tempo que eu não ia aos negócios de papai, mas todos deveriam me conhecer por comentários. Por minha mãe e talvez se lembravam de mim, pois quando eu era pequena ia até lá depois da escola e ficava assistindo TV na sala de meu pai, enquanto o mesmo administrava reuniões para filiar-se com novas empresas e adquirir boa parte de uma boa grana.

Sai do elevador abanando a mão para o senhor e passei pela porta de vidro depois de um “creck” ser emitido por aquela recepcionista.

- Seu pai está lhe aguardando. – Ela informou, com suas bochechas rosadas e as ondas de fios louros domadas por um coque no alto da cabeça.

Papai me aguardava ao pé da porta e por suas feições, eu sabia que ele já sabia da pontinha do que se tratava minha conversa.

Cumprimentei-o com o beijo no rosto de sempre.

- Como está a mamãe? – Indaguei enquanto me sentava no sofá grafite e confortável.

- Como sempre. Ocupada com pequenos papéis e emergida em roupas com que andar em conferências. Sua mãe está mais ocupada que eu. – Meu pai disse, sentando-se ao meu lado e deixando sua mão sobre meu joelho.

- Soube que anda tendo bastante trabalho em um caso. – Sorri amarelo, medindo um pouco as palavras e deixando a garganta petrificada, para segurar o choro.

As palavras de meu pai ficaram perdidas no tempo. Eu poderia tentar adivinhar o que ele iria dizer quando abriu os lábios, mas ele os fechou e eu não pude escutar um lamento ou pedido de desculpas. Meu pai nunca me respondeu aquilo. Talvez por eu ter razão ou por ser demais para ele.

 - Vim aqui para tentar te ajudar. – Disse com a voz embargada.

Vários momentos nossos passaram diante dos meus olhos. Tive de fechá-los para reprimir a súbita vontade de deitar em seu colo e somente chorar, deixar que seus dedos grandes deslizassem por meus fios, assim como fez quando descobriu. Assim como fazia quando eu me machucava. Assim como fez quando briguei com Cate e Bruno pela primeira vez. Assim como fez quando descobriu certo triste fim. Mas eu tinha de ser forte. Mesmo me lembrando das vezes em que ele dormiu comigo, quando eu tinha pesadelos pela noite.

Mesmo me lembrando de nossos momentos dentro de seu carro. Ou quando ele me carregava pela escuridão da casa até seu quarto, e eu dormia entre ele e minha mãe. Eu tinha de falar. Tinha de ser forte por ele ao menos uma vez. Mesmo que ele ali, tão perto de mim, me empurrasse para um labirinto sinuoso do sofrimento.

- Vou passar um tempo longe. Na casa de praia, talvez. Escolha um segurança. Sei que Eric é o melhor. Então, peça para ele ir comigo. Só Deus sabe quanto tempo ficarei por lá. – Pedi, apertando sua mão entre meus dedos. Tentando ser forte.

Meu pai ponderou em silêncio por alguns instantes e respeitei aquele seu momento. Ele sabia que seria complicado para mim. Me afastar de tudo assim, de uma hora para outra.

- Tudo bem. Eu converso com a diretoria da Jimks e com sua mãe...

- Não, pai. Não fale nada para a mamãe. – Daquela vez, eu me virei e fitei seus olhos azuis, perdendo-me lá dentro. – Por favor. Mais um segredo nosso, tudo bem? Deixe-a pensar que irei passar uns quinze dias. E depois se ela perguntar algo, diga até que o senhor não sabia de nada. Você faria isso por mim? Só nós dois sabendo disso? – Indaguei, procurando uma resposta pelas feições fortes de seu rosto.

Ele acenou em positivo.

- Obrigada. – Eu disse beijando-o no rosto.

Por fim, deitei em seu colo e fiz o que jurei que não faria. Chorei como quando era sua garotinha.

Apenas MeuWhere stories live. Discover now