Capítulo 46:

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'Cause I'm ready to love, I've been guarded long enough.Porque eu estou pronto para amar, eu tenho guardado o tempo suficiente. (Guarded – Kevin Daniel).

Eu não sabia se ficava entre "os dois lados" – era o apelido que eu havia dado – todos os dias. Não sabia com que frequência conseguia escutar as pessoas ao meu redor. Às vezes, me deparava no completo silêncio. Sentia alguém ao meu redor, porém, sem o som de sua voz, não podia distinguir quem era.

Estava lá quando as crianças me visitaram. Quando Murilo beijou minha mão e quando Júlia penteou meus cabelos. Jurando-me, com sua doce voz, que me deixaria ainda mais linda para o papai.

Senti algo diferente naquele momento. Como se eu estivesse na beirada de uma travessia sem ponte. Como se eu precisasse me jogar. Mas o medo era tão grande, que permaneci e não consegui corresponder às falas das crianças.

Eliot e Cate foram me visitar. Alguns davam oi, outros apenas permaneciam lá, conversando uns com os outros. Os pais de Henrique foram junto a Emily e meu melhor amigo, Bruno. Ele parecia tão desesperado. Seus dedos estavam trêmulos quando tocaram os meus.

Henrique era a frequência máxima. Entre algumas conversas, consegui saber que estava no melhor hospital de Barueri, tudo as contas dele. Ouvi isso em uma conversa de meu pai com o mesmo. Ambos reviveram os acontecimentos, que, ditos em voz alta... me espantaram. Henrique parecia vitorioso por conseguir a adoção de Murilo, depois de demonstrar toda a papelada em defesa e de que não o colocaria em risco novamente. Sem contar que nem fora intencional.

Não sabia o que iria me tirar de lá. Todos estavam lá. Todos me visitaram. Pronunciaram palavras sensibilizadas. E Henrique estava lá naquele momento, digitando em algo. Podia ouvir o som ritmado e rápido de seus dedos contra o teclado. Provavelmente de um notebook. Também, bem ao longe, conseguia ouvir o mexer de papéis, podia ouvir ele se ajeitando em uma poltrona ao meu lado.

E eu queria abrir os olhos. Não queria imaginar sua imagem... eu queria vê-lo. Queria tocá-lo. Queria corresponder ao seu toque e mostrar que eu me importava. Que eu realmente me importava. Que não queria ficar lá. Presa.

Um silêncio nos cobriu. Ele não digitava mais e nem estava mexendo nos papéis. Foi então que senti seus olhos queimando minha pele. E que ouvi o choro baixinho. Que o escutei suspirando, contendo os soluços. E, naquele momento, eu realmente queria abrir os olhos.

E como num passe de mágica, eu os abri. Sem força. Sem esforços. Estava fitando o teto branco. Movi a cabeça lentamente, sentindo uma dor invadir minha nuca com o movimento.

Ele realmente estava lá. As mangas da camisa branca estavam erguidas até os cotovelos. As calças elegantes estavam amassadas. Os cotovelos estavam apoiados nas coxas e a testa apoiada nos punhos cerrados. Ele não me viu.

- Já é noite? – Indaguei com a voz rouca.

Henrique se ergueu em um susto, derrubou a caneca de café no chão e correu até onde eu estava. Ia me abraçar, mas interrompeu seus movimentos. Os olhos examinavam meu rosto. As lágrimas gotejavam sua face.

- Pode me tocar. – Pedi com um sorriso fraco.

Só com aquele movimento senti o ressecamento em meus lábios. Eles sendo rasgados e repuxados.

- Preciso de água. – Pedi, com a voz ainda rouca.

Henrique acenou em positivo, sem reação. Sem palavras. Caminhou até estar ao meu lado. Pressionou os botões de um controle, um som tecnológico soltou-se de algum lugar da minha maca e lentamente eu fiquei sentada. Arrumou os travesseiros para meu conforto. Depois ouvi o som dele despejando a água no copo. Segurou o copo com uma das mãos, enquanto com a outra erguia meu queixo e ia me dando água na boca. Devolveu o copo ao lugar e com os dedos limpou a água que escorreu das laterais dos meus lábios.

Apenas MeuWhere stories live. Discover now