Capítulo 38:

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It's such a shame for us to part. Nobody said it was easy, no one ever said it would be this hard.
É uma pena nós nos separarmos. Ninguém disse que seria fácil, ninguém jamais disse que seria tão difícil assim. (The Scientist – Coldplay).

No dia seguinte eu fui para casa com Júlia. Tomas bateu a nossa porta e disse que nos levaria. Estávamos com as poucas malas que levamos para a casa da minha mãe no carro. Júlia ainda estava ligeiramente sonolenta, por conta de a noite ter sido comprida. Até eu estava um pouco cansada, tanto física quanto mentalmente.

Depois de uma longa viagem no veículo em silêncio. Tomas estacionou no caminho de pedras e desceu para nos ajudar a descer. Ele pegou Júlia no colo e algumas das bolsas e, antes que eu pudesse levantar do banco do veículo, ele me estendeu um envelope. E com um sorrisinho satisfeito no rosto, ele fechou a porta com delicadeza diante do meu rosto.

Meu coração estava acelerado pelo significado que aquele envelope limpo poderia trazer. Segurei-o com força, chegando a amassar nas bordas e só então abri e encontrei a caligrafia despreocupada de Henrique. Não queria ler. Porque, de alguma forma, eu sabia o que aquelas palavras significavam.

 “Antes que você queira me xingar, digo que tem total razão. Não gosto de escrever. Então vou tentar ser breve. Não quero que me encontre. Quero que entenda que não deixei toda a responsabilidade nas suas costas. Amo nossa filha. E, mesmo de longe, vou continuar cuidando dela, mesmo que indiretamente. Também vou continuar cuidando de você. Não quero pedir desculpas. Não gosto dessa palavra. Mas sei que quer lê-la. Desculpe, princesa. Pelas palavras atiradas contra você de forma tão bruta. Ah, meu Deus! O que eu tinha na cabeça ao dizer aquilo? Vou pensar em algo para redimir meus milhares de erros. Eu amo você. E posso sentir seu amor retribuído por mim, mesmo quando não queria sentir tanto seu sentimento quanto sinto. Mas, sempre se lembre, só há uma coisa na qual eu te supero. Eu amo você mais do que você me ama”.

Eu não consegui chorar. Ele tinha ido para algum lugar. Sem me dizer por quanto tempo ficaria ou porque tinha ido até lá. Que tipo de pessoa foge no meio de uma discussão? Não estávamos discutindo, mas precisávamos de uma conversa. Então batidas ao vidro me chamaram a atenção. Levantei os olhos e encontrei um par de olhos verdes fortes. Caio sorria descaradamente, indicando a maçaneta da porta para que eu abrisse. Destravei a mesma e ele a abriu, sentando-se ao meu lado e fechando a porta atrás de si.

- Gosto de sexo no carro. – Comentou ele, do nada.

Prensei a ponte do nariz, não querendo ter escutado aquilo, mas sentindo um alívio esquisito por tê-lo por perto.

- Até parece que nunca fez. – Dei de ombros.

- Você já? – Ele indagou, se virando, sentado displicente e relaxadamente.

- E porque eu te contaria isso? – Encarei-o com as sobrancelhas erguidas.

- Sinto que algo está te perturbando. – Ele comentou em voz baixa e eu suspirei.

- Você está. – Acenei em positivo.

Mas, na verdade, meus pensamentos estavam o mais distante possível. Divagando por diversos lugares, rostos e motivos. As lágrimas estavam soterradas nos meus olhos, queimando-os. Mas não rolavam de maneira alguma, eu queria que elas deixassem de me perturbar, mas continuavam embaçando minha visão.

- Não, não. Esse pedaço de papel está. – Ele apontou para a carta amassada entre meus dedos.

- É. Droga. É claro que é essa merda de papel. Sem assinatura. Sem explicações. Só dizendo que foi embora. Sem me explicar o por que. Ele está fugindo de mim. Não consegue me encarar... e porque isso tudo? – Indaguei em voz alta, emitindo um alto suspiro de despontamento.

Caio ficou em silêncio. O que não fazia parte de sua personalidade. Eu virei para o lado oposto dele, claramente envergonhada pela explosão de sentimentos que deveriam ser apenas meus e não do Mundo, muito menos de Caio.

- Ele deve ter as razões dele. – Tentou consertar com uma voz suave.

- É.

*

Depois de exatas três semanas, me conformei que Henrique não voltaria tão cedo. Me habituei a uma rotina solitária. Cate voltou depois de uma semana, com muitas coisas para contar a Emily e eu.

Eu estava lá para escutar. Não porque achava que deveria estar, mas por querer estar. Não contei sobre o sumiço de Henrique e o estranho bilhete que deixara. Continuei com o que tinha. Ia à empresa todos os dias e revia os projetos. Levava Júlia até a escolinha com Tomas e Eric ficava rondando o prédio em que meu escritório estava. À noite eu cozinhava algo e respondia as perguntas de Júlia com referência ao seu pai.

Sempre havia algo que me incomodava naquela casa. Inicialmente imaginei que fosse o vazio por sermos apenas Júlia e eu, com muitos seguranças desconhecidos para cima e para baixo. Mas então descobri que minha inquietação se dava pelo fato da única porta que nunca abri naquela casa. Por vezes eu parava diante dela e simplesmente a fitava. Parecia algo tão simples, mas com um grande segredo atrás de si. Talvez algo que eu não pudesse ver. Ou que não merecia ver. Era confuso explicar. Então, ignorava a sensação. Ignorava toda e qualquer coisa que passasse pela minha mente me explicando o que havia lá.

Estranhamente, Caio começou a ser uma presença constante naquela casa. Não que eu sempre o convidasse, mas ele sempre ia me visitar com algo para comermos ou um filme para assistir. Gostava da sua companhia e em como ele me fazia esquecer Henrique por alguns instantes.

Naquela noite, enquanto comíamos alguns cupcakes, a campainha tocou. Tomas atendeu meramente receoso, com os dedos apoiados na orelha para ouvir algo pela escuta. Ao abrir a porta, havia um rapaz completamente encoberto por rosas. Era um buquê de rosas vermelhas. Um buquê muito grande. Não era possível ver seu rosto, só suas mãos segurando o buquê firmemente.

- Senhorita Agatha Salazzar? – Ele chamou com a voz abafada e Tomas recolheu o enorme buquê de seus braços, fazendo um rabisco como assinatura na folha que ele estendia com uma prancheta.

Eu corri até as flores e tirei o cartão branco que se destacava pelo vermelho intenso que as rosas emitiam. Nele havia apenas uma palavra escrita com a caligrafia de Henrique: “Você”.

Arqueei as sobrancelhas e olhei o buquê. Eu não queria estar sentindo aquela felicidade crescer em mim, mas estava sentindo.

- O que eu faço com essa grande quantidade? – Tomas indagou, também com voz abafada.

- Peça para alguém colocar no jardim, Tomas. – Pedi, encarando-as.

Tomas acenou em positivo e seguiu para a porta dos fundos.

Um assobio cortou o silêncio repentino da noite e me virei para fitar Caio entregando um cupcake para Júlia que balançava suas curtas pernas.

- Querida. – Ele abanou a mão e eu sorri com sua encenação. – Se eu fosse você, perdoava agora.

Sim, eu o perdoaria... se fosse ele entregando as flores.

Apenas MeuWhere stories live. Discover now