15 - De Perto Parece Errado

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A comida desceu rasgando pela garganta, parecia que eu tinha engolido uma melancia inteira.

- Feliz aniversário, caralho! - Rato ainda estava imóvel, igual CG e todo o resto.

- Foi o mal pelo atraso, cuzão! - finalmente eu pude ver o sorriso do CG.

E depois desse dia, eu tinha certeza que alguém lá em cima (ou até mesmo lá embaixo) me ouvia.
Deus sussurra no ouvido mas acredite, o Diabo tá sentando bem no meu ombro, só observando!
Minha tia convidou eles pra almoçarem e eu tinha tanta novidade que não sabia direito por onde começar, tudo acabou saindo de uma vez só.
Fiquei mais à vontade quando minha tia foi ver TV.

- Ainda não engoli essa fita do Patrick ter sumido assim... - Rato batia com os dentes do garfo no prato, pacientemente.

- Nem eu, cara. Tá estranho.

- Caralho, quer dizer então que você perdeu a virgindade com uma delegada? - CG ainda não tinha superado isso!

- Qual foi?! - rimos da minha cara de preocupação. - Sério que você não prestou atenção em nada do que eu falei?

- Ah, tanto faz... - negou com a cabeça. - Mas nós vai desenrolar isso, agora tamo aqui fora né? Fica mais fácil. - CG estava se imaginando nu no Ano Novo.

- Vamo comemorar, por favor... É Natal, não vamo perder as origens não! - Rato reclamou.

- Cara, tamo fodido! A loja parou, zero movimento...

- Tá me tirando? - reclamou. - Nós vai voltar na atividade, entendeu? O bagulho agora é nosso, Playboy. Só que aqui não tem arrego pra verme filha da puta. - ele realmente me pareceu nervoso. - Ficamo lá uns meses, mas agora a liberdade tá ai, nós vai tomar o bagulho. É marcha, não é?

Ele parecia precisar da minha confirmação. O CG já havia concordado mas acho que agora o Diabo sussurrava bem pertinho, ele dizia que ia dar merda!
Mas quer saber? Eu tô nisso pra dar merda mesmo, num tô?!

- Tamo firme! - estendi a mão pra fechar o negócio.

- As caminhadas do Dylon... Nós vai trazer ele, tu vai ter sua vingança, menor.

Os fatos foram fluindo e agora eles sabiam que eu tinha sido o protegido da Sandra, mesmo assim pareceram despreocupados e me confortaram em estar do meu lado.
Ficamos horas bolando um plano na esperança de ainda poder curtir o Ano Novo.
CG deixou bem explicado o quanto precisava foder alguém, que o tempo na cadeia fez mal ao seu organismo!
Decidimos fazer uma festa de Natal em comemoração, quer dizer, as boas-vindas deles.
A mãe do Rato organizou tudo na associação mas eu ainda estava em choque desde o último acontecimento naquele lugar.

- Tem certeza? - prendi os lábios e em seguida terminei de bolar o baseado.

- É dia vinte e cinco, Playboy. A gente precisa desestressar.

- Minha vida tá uma desgraça, eu não sei por onde começar... Tão pouco terminar. - traguei a maconha e prendi a respiração, na esperança de ter uma onda tão grande a ponto de me fazer perder a memória.

- Não adianta se torturar, porra. Cresce. - deu de ombros.

Enquanto eu tragava o beck, abaixado no chão e escorado no muro, Rato olhava ao redor e CG estava matando a saudade de sua família por ai.
Rato era o mais sério de nós três mas acabou ficando desconsertado quando Natacha e Rafaela atravessavam a rua. Logo me deu um chute, disfarçando quando elas olharam.
Estiquei as sobrancelhas na direção das gostosas.

- Brincadeira em... Agora parece que qualquer mulher ficou gostosa depois da cadeia, Rato! - ele riu e puxou o baseado da minha mão.

- Eu lembro quando tu saiu com a Natacha, que onda, moleque. - ele riu ao lembrar do acontecido. - Quer saber? Vou no mercado comprar uns goro antes que feche. - tratou de dar linha na pipa quando viu Natacha vir na minha direção.

Eles se cumprimentaram rapidamente e ela pareceu feliz em vê-lo aqui fora.
Beijou minha cabeça de uma forma meiga, o que me deu um susto, abaixou-se do meu lado e pediu um trago.
Ainda sim o silêncio estava me incomodando.
Rafaela ficou do outro lado da calçada.

- Qual foi? - virei a boca de lado, deixando minha curiosidade falar.

- Tô grávida.

E foi ali que eu fui pro inferno pela terceira vez.
A fumaça do baseado entrou pelo buraco errado e eu parecia que ia morrer engasgado.
Tossi tanto que decidi até parar de fumar.

- Grávida tipo daquelas que espera nove meses?

- Ficou retardado, Playboy? - deu um tapa na minha testa. - Tem outro tipo de gravidez?!

- Eu acho bom ter... - sussurrei implorando pra Deus me acordar daquele pesadelo.

- Não é seu. - e seu olhar pareceu de tristeza, enquanto um certo alívio me alcançou. - Eu saí com outro cara... E ele fez exatamente o que você não fez.

- Ele sabe? - desconversei. Não me interessava nem um pouco saber das posições!

- Não.

- Precisa dar um jeito nessa merda. - mexi os ombros. - Aliás, chega de maconha, né?

Agora era oficial, terminaria o ano sem me tornar pai, que alívio!
A noite chegou com força e tudo estava bem animado na comunidade, os sorrisos estavam fáceis demais pra serem de verdade mas mesmo assim tentei me concentrar naquele momento.
O tempo estava fresco, o drink em minha mão estava gelado demais e o cigarro de maconha queimava meu polegar com certa violência.
Era mentira, não conseguiria parar de fumar.
Fui arrancado do meu transe ao sentir o celular vibrar no bolso.

"Precisamos conversar.
DS"

Ao ver as siglas congelei, encarei a tela por um longo tempo até tomar coragem pra responder. A última conversa não foi boa e também tava sendo difícil esquecer aquela mulher, finalmente quando estou prestes a conseguir ela aparece.
Quem é a chave de cadeia agora?

"Onde?!
PL"

Foi o que me restou, sem muitos argumentos. Aliás, não havia muita coisa a ser dita naquela altura do campeonato.
CG notou meu desconforto e logo ergueu as sobrancelhas, desmenti com a cabeça, como se não fosse nada demais (pra ele não seria tão interessante, já pra mim...) e mantivemos a seriedade.
Contei os segundos para receber outra mensagem e tentei, o tempo todo, parecer despreocupado mas era impossível não pegar no celular de dez em dez segundos!
A mesa farta tomava conta do centro comunitário. Rato e CG estavam finalmente em paz e eu aliviado em tê-los por perto.

"Eu te pego na rua principal.
DS"

Eu rezei pra ela chegar enfiando a boca no meu pau, mas como todo fim de novela, não foi assim.
Mantive o copo nas mãos e cochichei bem rápido próximo ao ouvido do CG, disse pra não me esperar pra ceia e ele riu de maldade.
Desci o morro vagarosamente, nem os grilos presentes, o silêncio era torturante.
Avistei aquele Blazer velho que ela chamava de carro. Andei sem hesitar na direção do mesmo e pude ver o vidro abaixar, até que seus olhos alcançaram os meus.

- Boa noite, doutora. - eu gostava de uísque pois o efeito era rápido.

- Entra no carro, vai. - pedindo assim, quem não entraria?!

Tratei de dar a volta e alcançar a maçaneta da porta do carona. Entrei no carro e me ajeitei até ficar totalmente confortável, ela logo notou o copo de uísque na mão.
Quando a olhei, ela simplesmente desviou os olhos e isso me incomodou, já que sempre me olhava atentamente, até parecia que podia ver minha alma.

- Achamos o Patrick. - olhei pra frente, atravessando o vidro fumê. - Encontramos o corpo na vala, divisa do município.

- Ok. - minha boca secou e eu precisei tomar alguns goles pra conseguir processar aquela informação. - Tu tá ligada que foi alguém de dentro, né?

Ela concordou e permaneceu "sufocantemente" calada. Estagnada. Vidrada no além.
Deixei uma respiração pesada escapar e percebi que a conversa tinha acabado ali.

- Beleza. - abri a porta do carro. - Feliz Natal e...- ela finalmente me olhou com curiosidade. - E um feliz ano novo também, sei que a gente não vai se ver mais.

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora