1 - Perdoa Mãe

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Faltavam poucos dias para as férias, e finalmente meu aniversário.
Era dezembro e eu me encontrava exatamente aos pés do morro, tentando atravessar aquela rua, que parecia enorme diante do meu tamanho.
Sempre foi assim, meu pai me deixava aqui na escola e voltava pra casa na função de ajudar a coroa com os afazeres, depois eu voltava sozinho. Só que naquele dia alguma porra tava errada e a partir daquela data, o número doze passou a ser o meu azar.
Era meio dia do dia doze, exatamente no mês doze de dois mil e doze.
Viu, mano? Percebe o quanto é confuso e intenso? Então, virou meu eterno karma essa porra e eu me deixei afundar de boa!

O morro tava lotado de gente, parecia feira de domingo, só que com mais seguranças do que vendedores. Ou seja, muito mais polícia e viatura do que o normal!
Assim que cheguei do outro lado da rua, fui alvo da vista grossa dos policiais e um deles, portanto um fuzil, chegou bem perto.

- Cadê sua mãe, moleque? - os coturnos lhe faziam parecer mais alto do que o normal.

- Ela tá no trabalho, tio. - e imediatamente apontei para o ponto de ônibus, que era a referência de onde ela sai todos os dias pra faxinar em condomínios de madame.

Não podia sair correndo, aliás aquele sonho de pivete de ser polícia militar em favela me parecia boa ideia, na época. Então, fiquei admirado!
Depois de algumas conversas entre eles, consentiram em me levar até em casa, de viatura.
Desde então, houve pouca conversa no banco da frente. O rádio entrava em alerta, algumas mensagens eram trocadas mas era impossível decifrar, só se prestasse muita atenção! O que me faltava aos dez anos de idade, por isso, curti o banco de couro e apreciei a viagem na primeira viatura da minha vida. Sem ao menos saber que a partir dali entraria em muitas.

Eu estava, parcialmente, atrasado pra chegar em casa, sabendo que já se passavam quinze minutos e eu chegava em casa até dez.
E isso, provavelmente, faria meu pai se torturas por algum tempo, agonizando a ideia do improvável.

A VT foi estacionada duas casas antes da minha, a minha precisão foi horrível, e eu tive que seguir o resto da calçada de pé. Ainda sorrindo, inclinei o corpo para trás até conseguir visualizar aquele carro enorme, e assim acenar rapidamente agradecendo pela carona.

- Ai, garotão! - soltou um suspiro de alívio ao me ver cruzar a sala. - Desviou o caminho de novo por causa das pipas?

A essa altura do campeonato ele já sabia que dentro da favela o clima tava tenso, tive a comprovação disso quando ele fechou as cortinas rapidamente.
Mas tudo bem, logo a mamãe chegaria e ficaríamos bem, já que só nós dois juntos sempre fomos despreparados para tudo. Tanto eu que não tomava banho sem o consentimento daquela mulhe e ele que nunca colocava a carne para descongelar até que ela cruzasse a porta da sala. Éramos incapazes de viver sem suas ordens.

Foi ficando tarde e a empolgação de não precisar fazer dever era de me encher o sorriso, era férias e meu aniversário! Não precisava mais sofrer com isso.
Os horários se tornavam cada vez mais lentos perto da chegada de Ana Maria, meu pai foi ficando inconsolado já que a favela ainda estava movimentada. Os barulhos eram altos do lado de fora mas meu pai insistia em me dizer que eram só os fogos anunciando a chegada das férias escolares. O que provavelmente não aconteceu nos anos seguintes e em mais nenhuma comemoração de férias.

Naquele dia, nenhuma carne foi retirada do congelador e meu banho foi adiado, pois simplesmente ela nunca mais chegou.
As notícias preencheram a televisão nos dias seguintes, sempre de tarde e sua foto foi colocada no jornal como vítima da criminalidade de bandidos.
Mas o épico estava por vir, bandidos que vestiam fardas e eram pagos pelo governo. Esse tipo de bandido, a mídia não condena, sequer anuncia!

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ