V - Uma imagem diferente

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"Agora me diga, Amália. Prefere morrer consumida pelo medo ou sentenciada pelo carrasco?"

— Isso é ótimo, garota. Tenho certeza que irá nos salvar. Estamos contando com você. — Responde o professor.

     Um arrepio passeia pelo meu corpo e sinto a pressão da situação. A decisão pesa em minha consciência. Vejo certa dúvida no olhar de Maudlin, mas também consigo sentir alguma confiança em sua expressão. Poderia ainda voltar atrás?

— Bom. Penso que é melhor começarmos então. Você parece estar preparada.
— Sim, Maudlin. Estou pronta.

     Caminhamos para fora da casa de Rosengrov até o mesmo se despedir. Passamos pelo gracioso jardim enquanto sigo Maudlin pelo caminho verdejante. Ando com passos hesitantes e mente pesada, mas sigo meu caminho tentando falhamente demonstrar determinação. Vejo que Maudlin está calado e não me olha por sequer um instante, então lhe questiono:

— Maudlin. O que acontece no mundo real enquanto estamos aqui?
— Eu sei que você não se importa sinceramente com isso. Sabe que ninguém se dará conta que está aqui.
— Sim. Eu sei.
— Então por que a pergunta?
— Por mera curiosidade. Por favor, responda.
— Assim que entra aqui, os ponteiros dos relógios se travam, seu interior se petrifica como se sequer respirasse e o que passa a importar de verdade é apenas o que seus olhos vêem, e não o que acontece na realidade.
— O que quer dizer com isso? Eu não entendo.
— Tudo ficará mais claro quando passar pelas experiências que estão por vir. Estamos perto de chegar.

     Chegamos em uma parte familiar da floresta. A mesma que continha o espelho que havia me puxado outrora. Meus músculos ficam tensos e meus olhos piscam rapidamente. Este espelho me dá calafrios agora. Maudlin o avista e aperta o passo enquanto me apressa para chegarmos depressa.

— Certo. Por que acha que vai ser diferente dessa vez? -— Pergunto à certa distância por conta do receio de me aproximar do espelho.
— Venha cá e vou lhe mostrar.
— Tenho medo, Maudlin.
— Não se preocupe. Não há o que temer ainda.
— Ainda!?

Maudlin caminha lentamente até mim com certo pesar em seu olhar e se abaixa para me dizer:

- Entende...? Às vezes, não somos apenas nós em perigo. Talvez você também esteja. É só questão de tempo até você ser encontrada. Agora me diga, Amália. Prefere morrer consumida pelo medo ou sentenciada pelo carrasco?
- E se eu escolher sobreviver?

     Maudlin responde apenas se levantando e me estendendo sua mão. Olho fixamente para seus olhos azuis à medida que aperto meu guarda-chuva, mas levo minha outra mão até a dele. O grandalhão gentilmente me conduz até o espelho.

— Agora, Amália. Diga-me o que vê através do espelho.
— Eu vejo um corredor.
— O que mais?
— Pessoas. Muitas delas. Estão andando por todo o corredor.
— Como são as pessoas?
— São jovens. Todas carregando algo. Está tudo muito borrado.
— Agora me diga... O que você não vê no espelho?

Espanto-me e hesito em responder quando me dou conta do que Maudlin quis dizer.

— Eu...
— Você o quê? Diga para mim.
— É o que falta. Eu sou o que falta. Não enxergo meu reflexo.
— Acho que sabe o que deve fazer então.

     Elevo levemente minha mão e a observo por longos instantes enquanto a mesma tremendo e evidenciando minhas veias sobressaltadas sobre a palidez da minha pele. Levo minha mão até o espelho e o toco de olhos fechados esperando novamente pelo pior. Meus dedos até parecem se dissolver pelo vidro até que começo a ouvir um som abafado de alarme e ouço certo rebuliço à minha volta. Abro meus olhos e percebo que estou em uma carteira dentro de uma sala de aula. Todos estão entrando apressados e sentando em seus lugares. Olho em volta, mas ninguém sequer nota minha presença. É bizarro.

— Certo, alunos. Acalmem-se todos e vamos começar nossa aula.

     Logo reconheço a voz e viro imediatamente minha cabeça para lhe direcionar total atenção. O "professor" que estava falando conosco era Maudlin. Eu não entendo mais nada. O que ele faz aqui? E principalmente o que eu faço aqui?

— Eu sei exatamente o que vocês pensam. — Diz enquanto se apoia na mesa em frente ao quadro negro. — Vocês todos os dias se perguntam o que fazem aqui. Ou por que ainda vêm para esta sala. Ou até mesmo do que isso tudo irá lhes servir. Pois bem. Eu posso lhes dizer.

     Olho em volta claramente confusa e vejo que todos os alunos, sem exceção, estavam completamente atônitos e com os braços repousados nas mesas. Tentava observar seus rostos, mas não os via. Era como se fossem manequins. Apenas bonecos inanimados para preencher o vazio da sala.
Sem muitas opções e completamente perdida, decido erguer a mão.

— Pois não, senhorita? Alguma dúvida?
— Bom. Se o senhor percebe bem, aqui só eu lhe escuto. Os outros não são pessoas reais.
— Ah sim! É engraçado a senhorita observar isso, mas os alunos concordam comigo que isso tudo é uma grande bobagem. Perdoem sua colega de classe. Ela pode ser insensível às vezes.
— Insensível? Eu não compreendo. O que está havendo?
— Ah garota... eu lhe digo o que está havendo. — Diz enquanto caminha até minha mesa. — Quantas vezes você parou para reparar nas pessoas durante toda a sua vida? Você acha que estas pessoas não são reais? Acha que é a única de carne e osso. Pois bem. Posso lhe dizer que a única coisa mais real que a própria realidade é a sua mente. Para a sua mente, nenhum destes corpos é real. Mas há algo faltando, Amália. Algo seu faltando e que somente você própria pode perseguir. — Maudlin bate violentamente na minha mesa e aproxima seu rosto pálido do meu até que eu perceba o azul de seus olhos ser dominado rapidamente por um vermelho vivo enquanto me fala com uma voz extremamente rasgada — Amália. Persiga o que sua mente vê de diferente.

     Acuada no canto da mesa ouço o alarme tocar. A aparência de Maudlin retorna ao seu estado normal e ele volta à sua mesa. Meu coração palpita e anseia por sair deste lugar. A "aula" acabou, mas nenhum dos bonecos ousa se levantar. Ouço um barulho na porta da sala e me viro a tempo de ver uma garota de cabelos pretos saindo às pressas. Quando retorno meu olhar a sala está completamente vazia. Nem mesmo Maudlin restou na sala. Sem pensar duas vezes, levanto-me apressada e tento seguir a garota.

Amália e o Mundo dos EspelhosOn viuen les histories. Descobreix ara