III - Pesadelos

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"Nem sempre se faz necessário saber de todas as coisas. Às vezes a ignorância nos torna mais fortes e valentes."

     As palavras de Maudlin me passavam uma inquietação que nunca havia sentido antes. Com minha mão ainda tocando o espelho, fecho meus olhos por alguns momentos e tento me concentrar. Tento manter a tranquilidade, até que algo agarra meu punho e me puxa bruscamente para dentro do espelho. Engasgo de forma súbita e perco o compasso de minha respiração.
Sinto que estou em queda livre. Abro meus olhos, mas estava afogada no escuro novamente. O nível de adrenalina se eleva em meu corpo e minha barriga começa a sentir aquele frio agonizante. Apenas consigo fechar os olhos novamente enquanto tento conter meu coração de sair pela boca e rezo para aquilo acabar logo. Após alguns segundos dessa tortura que parecia se passar por semanas, caio, de repente, em um colchão macio. Olho em volta assustada e percebo que estou no meu quarto.
     Agora de fato estou sem entender mais nada. Teria sido tudo um sonho? Era algo tão real. Até consigo ainda sentir o frio na barriga e o coração pulando em meu peito. Mas é realmente meu quarto. Está tudo aqui e em seu devido lugar. Roupas, móveis, brinquedos. Descubro-me rapidamente e ando pelo quarto com certo receio e olhando para cada canto de forma minuciosa. Está realmente tudo normal. Vou até minha penteadeira e me olho atentamente no espelho. Minhas feições estão mesmo normais. Há uma boneca de pano ao lado do espelho no qual me encarava. Apanho a boneca delicadamente e passo a encarar seus olhos de vidro.

- O que anda acontecendo comigo, garotinha?
- Você quer a minha beleza!

Meu corpo inteiro se arrepia com aquela frase. Principalmente pelo fato de não fazer ideia de onde vinha.

- Quem disse isso?
- Você quer a minha beleza!

Volto minha atenção à boneca novamente e pergunto tentando conter a tremedeira nos lábios:

- Foi você?
- Sim! Você quer a minha beleza!

     Em um pulo assustado, atiro a boneca no chão e me apoio na penteadeira com a mão esquerda. O quarto está escuro e sendo iluminado apenas por fios de luz dos raios lunares que invadiam o cômodo pelas brechas da janela. Não é muito, mas é o suficiente para assistir aquela cena horrivel. Eu fiquei sentada de costas pro espelho enquanto olhava meu guarda-roupas. A porta do mesmo se abriu e várias bonecas de pano começaram a sair de dentro repetindo aquela frase da primeira enquanto vinham na minha direção. O medo toma conta do meu ser e abraço meu próprio corpo. É simplesmente assustador e as bonecas haviam me cercado e eu já não poderia fugir. As bonecas começam a escalar minhas pernas e aquela frase ecoa em minha mente mais e mais. Uma delas sobe até meu rosto e diz:

- Por que você não quer a minha beleza?

     No mesmo momento, sinto algo se enroscar em meu pescoço e me puxar para o espelho da penteadeira. Meu corpo se assusta novamente e eu acordo abruptamente na cama de Maudlin. Olho assustada para todos os lados enquanto suo frio. Maudlin logo percebe que acordei e me oferece um chá. Aceito ainda sem ter muita noção do estava havendo.

- Maudlin... Diga o que está acontecendo, por favor...
- Diga-me você, Amália. O que você viu?
- Não sei dizer. Tive um pesadelo horrível e acordei aqui. Não faço ideia do que houve.
- E quanto ao espelho? Sabe o que aconteceu?
- Só sei que algo me puxou para um buraco e fiquei com muito medo.
- Foi o que pensei...
- O que quer dizer com isso? - pergunto enquanto tomo um gole do chá.
- Você não está pronta ainda. Como pude ser tão tolo? Se você não souber o propósito de tudo, não terá como ajudar. Mal conseguirá passar do primeiro teste.
- Então me diga o propósito.
- Não sou eu que devo dizer isso.
- E o que faremos então?
- Temos que falar com o prof. Rosengrov. Ele poderá lhe dizer melhor tudo o que precisa saber. Estarei lhe esperando do lado de fora da casa.

     Maudlin se retira da casa e me sento confortavelmente na lateral da cama me perguntando sobre tudo o que está acontecendo. Pego meu guarda-chuva e o coloco no meu colo. De certa forma, este guarda-chuva me passa uma sensação de segurança. Em meio a tudo isso que acontece, tanto neste mundo quanto no meu, ele me faz sentir bem. Depois de certo tempo, eu me levanto da cama e caminho até a porta. Ao sair da casa, vejo Maudlin sentado em um toco de árvore me esperando. Pergunto-lhe então:

- Para onde vamos, grandalhão?

     Ele ergue sua cabeça e me dá um leve sorriso. É a primeira vez em anos que vejo seu sorriso. Ele costumava ser bem mais alegre. Parte de mim está aceitando fazer tudo isso por conta dele. Eu preciso saber o que está havendo e por que está o afetando dessa forma.

- Você sempre curiosa, não é?
- Bom... Sabe como é. Quanto mais eu souber, mais poderei ajudar.

Ele faz uma expressão de dúvida e me diz com certa hesitação:

- Bom... Nem sempre se faz necessário saber de todas as coisas. Às vezes a ignorância nos torna mais fortes e valentes.
- Entendo... - digo abaixando a cabeça divida entre dúvida e frustração. - Então é melhor irmos logo.
- Não fique assim, baixinha. Logo você saberá de tudo o que precisa.

Amália e o Mundo dos EspelhosTempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang