XVII - Árdua sobrevivência

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"Depois de todo esse tempo... Creio que é justo que seja tão fácil... Após inúmeros enigmas finalmente posso dizer. Está prestes a acabar."

Aproximo-me do espelho subindo rapidamente ao palco sentindo o sangue ferver em minhas veias. É isto. Estou sozinha neste mundo quebrado. Nada mais pode me salvar e também não possuo mais ninguém para salvar. Agora prosseguirei com isto até minha própria morte.
Este espelho, por sua vez, quando me posiciono à frente dele não me mostra nada além do meu próprio reflexo. Até parece um espelho comum, porém eu já compreendo que nada aqui é o que parece.

- Estou farta de seus jogos. Não irei prosseguir mais com as farsas deste mundo.

Aperto meus punhos segurando o guarda-chuva e o elevo até a altura da minha cabeça. Uma lágrima escorre pelo meu rosto e fecho os olhos forçadamente, descendo rapidamente o guarda-chuva até o vidro reluzente, que trinca abrindo várias fissuras ao redor da área de impacto. Elevo e desço novamente. Uma vez após a outra como se esfaqueasse o espelho repetidas vezes. Percebo que um sangue começa a tomar conta do guarda-chuva enquanto também escorre pelo buracos e rachaduras que faço. Fecho os olhos para não ver enquanto continuo incessante apunhalando o espelho até me ajoelhar e estocar o guarda-chuva no chão.
Quando abro meus olhos, percebo estar ajoelhada em um local com areia em todos os lados. O guarda-chuva em pé em minha frente também envolto de areia. Observo o local por inteiro e há um auditório inteiro por todo o redor do grande circulo de areia. Pareço estar em uma grande arena como um coliseu. A platéia é composta pelos mesmos manequins que havia visto antes da escola vazia.
Pouco mais à frente avisto um pedestal no meio do local. Acima dele, há um pequeno espelho adornado com bordas metalizadas de platina que reluzem para todos os lados. Este deve ser o espelho de bolso do qual Rosengrov havia falado. Caminho até ele e, ao chegar próxima do pedestal, observo o ambiente ao redor antes de apanhá-lo.

- Eu sei que não será tão fácil. O que tem planejado para mim? Seja o que for, estou preparada.

Apanho o espelho e começo a mentalizar um desejo no fundo de meu ser. Tudo o que quero é sair deste lugar. Voltar para a minha vida por pior que ela seja. Eu não quero mais ficar aqui, não quero mais salvar ninguém. Não quero sequer ser salva mais. Eu só preciso ir embora para que tudo volte ao normal.
De repente o espelho brilha mais forte. Eu o levanto na altura do meu rosto para o observar. Depois de alguns instantes, o pequeno espelho lança um forte clarão que me cega por um momento. Após abrir os olhos novamente, percebo que o espelho não está mais em minhas mãos, mas não é o mais surpreendente. Há, agora a poucos metros à minha frente, uma figura idêntica a mim. Fez-me lembrar da réplica que vi anteriormente dilacerar os próprios punhos. Esta traja um vestido preto como a noite e, de forma ainda mais curiosa, uma venda branca envolta da cabeça que cobre seus olhos, que davam lugar a manchas avermelhadas como se estivessem sangrando por debaixo da venda. Observo sua mão e a mesma traz consigo uma espada prateada de lâmina fina e brilhante certamente muito bem afiada. Olhar a lâmina que empunha me causa arrepios e meu corpo inteiro se estremece. Ela se curva levemente, uma ventania súbita me atinge e, assim que percebo, ela avança ao meu encontro a uma velocidade extraordinária. Literalmente em um piscar de olhos. Consigo levantar meu guarda-chuva em um susto e segurar o golpe. É até estranho ele conseguir absorver o impacto sem se despedaçar, pois certamente é isso que aconteceria com minha garganta caso eu não tivesse esse reflexo no momento certo.

- Você chegou bem longe, Amália. Mas não posso terminar como as outras. Tem que ser você.

Sua voz é visivelmente repleta de raiva, porém de forma ciente do que está fazendo. O que ela quis dizer com isso? Estou confusa, mas não estou com tempo para pensar nesse tipo de coisa agora. Preciso focar em sobreviver.
Faço força contra sua espada para empurrá-la para longe e me surpreendo ao ouvir o ruído de metais se arranhando. Olho para minha mão e sinto o peso de uma espada também prateada que apareceu para mim. Parece que não vou ter escapatória. Neste caso será ela ou eu. Seja o que for que precisa ser feito, eu farei.
Começo a avançar contra ela e ergo a espada com dificuldade para golpear. Uso toda a minha força e ela defende com facilidade. Eu definitivamente não faço ideia de como fazer este tipo de coisa. Ela tenta me acertar novamente, mas felizmente consigo evitar ser acertada. Passamos longos minutos lutando e ouvindo cada ruído das lâminas se chocando enquanto suo frio e tremo sem parar. Minha vida passa diante dos meus olhos a cada vez que me ataca. Porém eu já não possuo mais força. Meus membros já não se erguem mais para atacar. Eu atingi meu limite. Decido correr uma última vez para um golpe de fé. Levanto a espada com toda minha força remanescente e tento atingí-la, entretanto novamente minha réplica apara sem muita dificuldade. Seu fôlego parece estar ainda intacto. Cambaleio para trás até pegar certa distância para cair de joelhos no chão e largar a minha espada.

- Depois de todo esse tempo... Creio que é justo que seja tão fácil... Após inúmeros enigmas finalmente posso dizer. Está prestes a acabar. Certamente serei vitoriosa logo após seu sangue cobrir minha lâmina. É triste eu não poder enxergar esse momento...
- Por favor, não faça isso. Nós podemos trabalhar juntas...
- Eu não desejo fazer nada junto com você. Você merece apenas morrer. E é isso que lhe concederei agora. - Ela diz elevando sua lâmina e avançando até mim.

Fecho meus olhos e peço repetidamente para que seja uma morte rápida e indolor. Eu fui longe o bastante. Ouço os passos rápidos se aproximando, porém assim que chegam ao meu encontro, ouço outro som de metal estridente.

Amália e o Mundo dos EspelhosWhere stories live. Discover now