VI - Perdida e sozinha

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"Por que acha que nunca teve a ajuda que precisa? Não percebe? Você passou a vida procurando por luz na mais escura das ruas."

     Saio da sala e vejo o vulto dobrar a esquina do corredor. Aparenta estar realmente com pressa. Corro, então, a perseguindo incessantemente por longos minutos enquanto ouço seus passos ecoarem pelo corredor vazio. É aparentemente um dia bem frio, mas não o sinto. O céu que vejo por entre as janelas das salas que passamos está nublado e transparecendo um cinza melancólico pelas nuvens pesadas no céu. Torno minha atenção novamente à perseguição, agora no corredor principal da escola em função da garota ter dobrado a esquina e estar indo em direção à porta de entrada da escola.

— Espera, menina. Eu só quero conversar. — Digo, ofegante, tentando alcançá-la sem sucesso.
— Fique longe de mim! — Grita ela, visivelmente apavorada, enquanto paro para recuperar o ar e tenho a oportunidade de vê-la abrir a porta dupla da frente da escola desesperadamente e sair.

     Depois de alguns segundos me recuperando, respiro fundo e corro o mais rápido que posso até a porta. Assim que abro as duas portas, meu pé tropeça de forma bizarra e acabo caindo no chão coberto de neve. Meu guarda-chuva foi acidentalmente arremesado a poucos metros de onde caí. Estou em meio à uma nevasca violenta e uma ventania que me cortava a alma e congelava os membros. Levanto-me lentamente, sentindo meus ossos extremamente trêmulos e cambaleio alguns passou à frente. Abraço meu próprio corpo e, receosa por conta do frio, me viro e ameaço voltar a fim de me abrigar na escola que havia acabado de sair, mas esta já não está mais alí. A unica coisa que vejo é um emaranhado de árvores de tronco bem escuro cobertas pela pasta branca vinda dos céus.
     Dou passos incertos para trás visivelmente espantada com o que havia acabado de acontecer e caio de costas na neve, mas me apresso a levantar e apanhar o guarda-chuva que havia se separado da minha mão. Resolvo virar novamente para o caminho que estava à minha frente, posicionando minhas mãos sobre meus olhos e cerrando levemente os mesmos para tentar localizar algum lugar para que pudesse ir. Sem sucesso. Estava no meio do nada. A única coisa que vejo é um lampião aceso logo em cima de um toco de madeira. Olho para os lados, mas não vejo nada e nem ninguém. Sem muitas opções, vou até o toco e apanho o lampião. Minha mão trêmula faz a chama dançar drasticamente em meio ao tempo escuro e frio. Abro meu guarda-chuva e o posiciono acima da minha cabeça tentando me proteger da nevasca pesada.
Começo a vagar à deriva pela trilha de neve tentando entender o que estava havendo enquanto divago a mente por questões sobre a menina que havia visto. Onde teria ido aquela menina? Ainda estaria viva em meio à esta tempestade? E principalmente quem era ela?
Ando pela floresta à procura de luz, mas à medida que ando apenas sou cada vez mais engolida pela escuridão.

- Olá!? Alguém!? Alguém me ajude! Está muito frio! - grito tentando inutilmente conseguir ajuda.

Sinto que o terreno começa a ficar acidentado e tento manter dificilmente meu equilíbrio a cada passo, mas meu corpo está extremamente fraco e trêmulo para ter forças. Meus lábios já arroxeados vibram fazendo meus dentes baterem de forma rápida. O frio tomava conta do meu corpo a ponto de parecer que não poderia ficar mais frio. Mas fica. E infelizmente consigo sentir isso. Tento passar com dificuldade pelos pequenos montes de neve, mas meu corpo me trai e meus pés se relaxam a ponto de me levar ao chão e derrubar o guarda-chuva chuva e o lampião na neve grossa que se amontoava pelo caminho.

- Droga... Não posso desistir. Tem que ter uma saída!

Faço força com meus braços para me levantar do chão. Eles tremem mais por conta da força do que por frio. Engatinho até alcançar o lampião, então o elevo à procura do querido guarda-chuva. Mas não o emcontro...
Meu coração palpita e vejo a fumaça sendo produzida pela minha respiração ofegante. Passo minha mão livre pela neve para tentar apalpar o meu pertence, mas sem sucesso. Levanto-me de forma lenta e um tanto desequilibrada para procurar melhor, mas havia sumido. Já tendo a ideia de trilhar o caminho novamente, ouço uma voz:

- Procurando por isto, minha querida?

Viro bruscamente e meus olhos chegam a brilhar ao perceber que quem estava ali era Maudlin com meu guarda-chuva em mãos. Eu corro tropeçando pela neve até estar bem próxima e lhe dou um abraço.

- Maudlin! Como é bom te ver! Tire-me daqui, por favor. Eu imploro... Estou morrendo de frio.

Depois de não obter uma resposta, me afasto um pouco tentando ver seu rosto, mas não consigo. A noite tomou conta de todo o lugar. Ele então começa a andar na direção que eu estava indo.

- Tem certeza que precisa de ajuda?

Ele não pode estar falando sério...

- Maudlin... Olhe só para mim. Não tenho forças para continuar. Eu realmente preciso de ajuda.

Pouco depois de terminar a frase, Maudlin bate forte em minhas pernas com o guarda-chuva. A dor é ainda mais intensa por conta do frio, fazendo-me ir ao chão novamente chorando e gemendo pela repreensão.

- Por que fez isso? Por que não me ajuda.
- Ora, Amália. Por que acha que nunca teve a ajuda que precisa? Não percebe? Você passou a vida procurando por luz na mais escura das ruas.
- Só me diga o que preciso fazer. - Respondo como última súplica enquanto me levanto.

Maudlin pega bruscamente o lampião que eu segurava e o arremessa para alguns metros à frente. Acompanho com dificuldade a chama envolta pelo vidro passeando pelos flocos da nevasca até cair e despedaçar o vidro em inúmeras partes e o fogo se espalhar por uma pequena área, iluminando um espelho alto que havia perto do local de pouso do lampião.

- Persista, Amália. Explore os limites e transcenda a profundidade da neve do inverno. - Dizia enquanto caminhava até o espelho.

Uma corrente de determinação eletrocuta meu corpo, fazendo-me levantar de forma relativamente rápida e mancar até onde Maudlin está. Finalmente estou de frente com outro espelho. Sinto certo receio de onde iria parar dessa vez, mas a pressa e a vontade de sair daquele lugar era maior ainda. Olho novamente para Maudlin enquanto cerro os punhos e lanço-lhe um olhar fulminante.

- Não se esqueça do seu companheiro, garota. - Diz sarcasticamente enquanto me estende o guarda-chuva.
- Obrigada! - Digo enquanto apanho o objeto com um movimento rápido.

Viro meu olhar para o espelho e já conseguia ver as distorções sendo causadas na superfície de vidro. Vejo aquela mesma garota correndo dentro da imagem que se forma.

- É hora de terminar com isso. Não vou mais fugir do que me assombra.

Maudlin abre um sorriso sádico que consigo observar pelos cantos da minha visão antes de estender a mão em direção ao espelho e sentir a energia do mesmo esquentar meu corpo.

Amália e o Mundo dos EspelhosOnde as histórias ganham vida. Descobre agora