IV - Um professor curiosamente excêntrico

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"Coincidência é a desculpa esfarrapada dos tolos e dos mentirosos, Rosengrov. E nenhum destes é condizente com seu perfil, amigo."

     Maudlin e eu seguimos o caminho contrário da última vez e andamos pela vasta floresta. O grandalhão volta em meia olhava para mim de canto de rosto como se quisesse disfarçar.

— O que foi!? O que tanto me olha?

     Maudlin esboça surpresa, mas logo torna seu olhar para mim novamente e questiona:

— De onde vem este guarda-chuva?
— Este que carrego? - pergunto retoricamente enquanto levanto minha mão para observá-lo. - Não faço ideia, amigo.
— Por que o carrega então?
— Não sei... ele me passa certa segurança.
— E por que tão azul?
— Eu não sei... Apenas sei que ele é assim... Mas por que tantas perguntas, grandalhão?

     Ele me oferece apenas um sorriso amarelo como resposta e direciona novamente sua atenção para nosso caminho enquanto me diz:

— Estamos chegando. Rosengrov mora por aqui.
— Certo. Só espero que ele possa nos ajudar.
— Não apenas espere, pois ele pode.

     Depois de mais alguns instantes andando, avistamos uma casa bem grande e elegante. Passamos pela frente do jardim e me encanto com cada flor que vejo. É um jardim extremamente bem cuidado. A níveis exagerados em ponto de tornar tudo simétrico tanto em cor quanto em forma. As rosas azuis são as minhas favoritas, mesmo tendo acabado de conhecer o jardim no qual habitam solenemente.
     Andamos pelo corredor de pedras que corta o jardim e nos aproximamos lentamente da porta dupla que demarca a entrada do casarão do grande professor Rosengrov. Maudlin me concede a deixa de bater a aldrava na porta de madeira maciça do tipo mais fino que poderia haver, mas, logo após fazê-lo, volto até as costas de Maudlin como uma criança assustada.
     Após alguns segundos, a porta se abre dando apresentação a um senhor baixinho, de cabelos brancos e levemente gordo. Ele olha então para Maudlin e lhe diz:

— Maudlin!? Mas que surpresa em vê-lo. Não recebo visitas usualmente, mas você não aparece tem longo tempo.
— Sei que não o visito frequentemente como gostaria de fazer, mas isso se deve a um caso excepcional. — responde enquanto se move para o lado para que o professor possa ter visão de minha pessoa.
— Ah... Entendo. Já que é assim, podem entrar. — disse enquanto me fitava com incerteza e nos dava passagem. — Poderemos conversar melhor aqui dentro.

     Maudlin e eu somos recebidos por Rosengrov em sua enorme sala enquanto o mesmo se apressa a chamar o mordomo para nos servir um pouco de chá. O interior da casa de Rosengrov é muito bem decorado. O chão é encarpetado em um vinho pouco mais escuro que meu vestido.

— Sentem-se, por favor. Há muito para se entender e pouco tempo para absorver informações.
— Mas o que há de tão urgente, professor?
— Você entenderá assim que lhe disser.

     Após nos acomodarmos nos caros estofados do professor, o mordomo de Rosengrov retornou com uma bandeja onde trazia um bule e três xícaras adornadas uniformemente.

— Não se acanhem. Este chá é o melhor que vão provar por estas terras. A linhagem Rosengrov estudou e desenvolveu a fórmula perfeita para um excelente chá.
— Por que alguém se dedicaria tanto para fazer chá?
— Os Rosengrov levam a hora do chá muito a sério. — Responde com um sorriso um tanto irônico. — Mas já falamos o suficiente de como nosso chá é delicioso. Vamos ao que interessa.
— Sobre isso, professor Rosengrov. Temo que teremos que explicar tudo o que está acontecendo. Creio que funcione melhor se ela souber.
— Bobagem, meu caro. Ela estar relacionada com tudo isso é mera coincidência.
— Coincidência é a desculpa esfarrapada dos tolos e dos mentirosos, Rosengrov. E nenhum destes é condizente com seu perfil, amigo.

     Um silêncio constrangedor incomodado pelo tique-taque do pêndulo do relógio atinge a sala até que Rosengrov diz:

— Pois bem. Pequena Amália. Primeiramente o que tem a dizer sobre tudo isso?
— Penso que ainda é tudo muito confuso. Não sei o que está acontecendo e nem como isso influencia em minha vida. O que tenho a ver com tudo isso?
— Acalme-se. Um passo de cada vez. Você não quer tropeçar, não é mesmo?
— É que... Com todo o respeito, odeio rodeios e suspenses.
— Eu compreendo. Então, dessa vez, eu lhe pergunto: O que você viu através do espelho?
— Não sei dizer. Vi tantas coisas.
— Viu seu reflexo?
— Em primeiro momento, sim. Mas logo a imagem espelhada tomou formas e cores diferentes. Não sei explicar.
— Foi o que pensei. — constata tomando um gole de chá.
— E por que esse espelho apareceu na floresta? Já estive aqui antes e nunca o vi.
— Basicamente os espelhos apareceram conforme o tempo foi passando. No início era um ou outro e de fato estranhamos, mas aprendemos a relevar. Mas hoje em dia chegou a pontos que não podemos simplesmente não dar importância. Nós estamos em risco. Os espelhos estão nos trazendo problemas terríveis.
— O que quer dizer? O que está havendo pra estarem em risco?
— Não vamos focar no problema, mas sim na solução.
— Existe solução!?
— Oh sim. Existe. E só você pode conquistá-la.
— E qual seria ela?
— Dentre os espelhos, existe um em especial. É um espelho de bolso. Não tenho muitas informações sobre, mas terá que passar por muitos outros até chegar nele. E, acima de tudo, ele é a chave para a resolução dos problemas que nos assolam.
— Espere um pouco. "Outros"? No plural?
— Precisamente, minha querida. E é realmente urgente. Cada um destes espelhos exigirá algo de você. Você precisará ser forte e ter determinação, pois não será algo fácil sequer de longe.
— E como vou saber do que preciso?
— Você saberá. Dentro de você sempre haverá a resposta.

     Aparentemente o professor apenas me deixou com mais dúvidas. Não entendo nada do que estava acontecendo, mas tenho certa ideia de como solucionar. Preciso achar o quanto antes esse espelho de bolso.

— Algo mais a acrescentar, Maudlin? — Pergunto.
— É importante ressaltar que, independente do que aconteça, você nos dará uma resposta pétrea. O que for dito não pode ser recorrido. Você pode agora ir embora por onde veio ou enfrentar os piores momentos da sua vida a troco do bem-estar destas terras. Qual é o seu veredito?

Engulo sego e estalo nervosamente os dedos tentando me acalmar. Dou um suspiro leve e ergo a cabeça.

— Aceito, Maudlin. Farei o que for preciso por vocês.

Amália e o Mundo dos EspelhosWhere stories live. Discover now