X - Lágrimas amargas

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"Você era muito mais do que isso. Era o símbolo de alegria e esperança. Hoje, entretanto, tudo está quebrado. Distorcido. Tempos que se despedem sem promessa de regresso."

- Mas onde, especificamente, seria "casa"?
- Acompanhe-me, por gentileza. Vamos andar um pouco e lhe explicarei tudo. - Dizia Marianne enquanto saía do quarto e gesticulava para que eu fizesse o mesmo.
- Está bem. - Respondi caminhando em direção à porta.
- Ouça, Amália… Este lugar é traiçoeiro. Não deveria estar aqui. Não é seguro.
- Mas eu não vim até aqui de por vontade própria. Não faço nem ideia de como cheguei aqui.
- E você não retornou?
- Não…
- Então isso só pode significar uma única coisa… Você aceitou, não é?
- O quê?
- A proposta… Dele… - Diz com relutância enquanto sinto arrepios ao ouví-la falar sobre Maudlin.
- Sim… Mas o que há de errado nisso?
- Eu compreendo que vocês eram amigos, Amália. Mas os tempos mudaram. E principalmente… Ele mudou.
- Quer dizer que Maudlin…
- Shh! Não diga o nome dele! - Repreendeu-me cortando minha fala com sua voz doce, porém levemente autoritária
- Mas por quê!? - Indaguei surpresa e um tanto assustada.
- É perigoso. Este é um dos poucos lugares que ele não consegue entrar… Ainda…
- Mas eu não compreendo. O que está acontecendo?
- Bom… Você claramente não se recorda, então irei lhe fazer este favor. Você, outrora, veio a este lugar igualmente como agora. Sem consentimento e, ainda menos, desejo disso. O porquê não importa no momento, porém você já deve saber que tudo era diferente.
- O que era tão diferente? Não lembro de nada além… Dele…
- Pois bem. Nós vivíamos felizes. Visitavámos uns aos outros. Ele era alegre… O humor lhe transbordava pela alma até nos contagiar com aquele deleite tão gratificante. E você era apenas uma pequena garotinha. Tão inocente para tentar entender os eventos que ocorriam. Tão pura… Você era muito mais do que isso. Era o símbolo de alegria e esperança. Hoje, entretanto, tudo está quebrado. Distorcido.Tempos que se despedem sem promessa de regresso.
- Isso significa que sou uma pessoa ruim hoje?
- Nada disso, meu bem. Você ainda é especial. Só precisa voltar a me ouvir.
- Não sei… É difícil acreditar em tanta coisa. E mais ainda de confiar em alguém que acabei de conhecer.
- Minha cara… Você me conhece desde antes de nos visitar pela primeira vez. Eu sempre permaneci aqui. Sempre fui a mesma. Ele, por outro lado, tem mudado a cada dia que passa. Fico assustada em pensar no que ele seria capaz de lhe fazer.

     Em meus pensamentos talvez seja errado pensar mal de Maudlin, porém confesso que ele está realmente diferente. Sombrio. Sádico. Sempre o chamei de louco. Só nunca pensei que tão bem executaria este papel.
     Chegando enfim ao limite dos corredores do castelo, posso ver Marianne saindo por uma entrada que dava acesso à uma sacada. A moça se apoia gentilmente com os antebraços na cerca que dava fim à sacada.

- Venha, Amália. Eu ainda não terminei. Há muito a se explicar.
- Sim. Há. - Digo enquanto saio do corredor, mas paro antes de me aproximar mais. - Se ele se tornou tão vil, por que só consigo ter memorias dele e não reconheço sequer seu nome ou seu rosto?
- Eu sabia que faria essa pergunta. Apenas não pensei que doeria tanto. - Responde logo antes de suspirar e se virar para mim, ainda com uma das mãos apoiada na cerca. - Mesmo com tudo o que tento fazer por você, nunca me ouviu. Sempre preferiu estar com ele. Confesso que ele parecia ser mais divertido, de fato. Mas hoje sinto que não consegui fazer o bastante por você.
- Se nunca lhe ouvi, por que continua tentando tão assiduamente?
- Porque eu lhe conheço até mais do que você mesma Amália. - Diz enquanto fecha os olhos para sentir a brisa suave em seu rosto. - Eu sei que por dentro você também desconfia dele. E sei que lhe passo confiança na mesma proporção ou até maior. Nunca será tarde para lhe resgatar.
- Eu não preciso ser resgatada. - Digo enquanto meus olhos se enchem de lágrimas e meus lábios se estremecem. - Você não faz ideia de quem sou eu.

     Marianne olha sem expressão para o céu conforme o tempo começa a ser tomado por nuvens negras. Ela se aproxima lentamente enquanto a repreendo de longe.
     Não consigo me mover. Ela abre seus braços à medida que se aproxima. Fecho meus olhos e cerro os punhos. Marianne me abraça e meu corpo se aquece logo antes de ouví-la dizer:

- Ver-nos-emos novamente em breve. Nunca desistirei de você.

     Abro meus olhos e estou novamente sozinha no quarto escuro da velha casa. Canso de conter as lágrimas e caio de joelhos ao chão em frente â lareira apagada, permitindo-me chorar com aperto no coração ao lado do candelabro e do guarda-chuva que segurava.

Amália e o Mundo dos EspelhosWhere stories live. Discover now