Especial de Natal

277 23 0
                                    

Aproveitando esse clima natalino, Raquel resolveu contar como foi passar o natal na casa dos pais de Marina.
Apresento à vocês:

Natal em família

O natal não passa de uma data qualquer de um mês qualquer. É só mais um dia comum igual aos outros.
Se não fosse pelas aulas de religião que tive até a quarta série, eu não saberia que o natal era a celebração do nascimento do menino Jesus, seria só mais uma data criada pelo capitalismo para que gastássemos o nosso suado salário mínimo.
Não vejo por aí a imagem do menino Jesus deitado na manjedoura simbolizando o natal e sim, o bom velhinho rechonchudo das bochechas rosadas com uma barba branca usando um gorro vermelho criado por eles.
Ainda bem que eu não sou igual a essas pessoas desesperadas entrando e saindo das lojas em busca de um presente qualquer.
Eu estou aqui sentada no banco da praça com meus fones no ouvido esperando por Marina na minha santa tranquilidade enquanto o caos reina a minha volta. Olha que ainda falta duas semanas para o natal, em!
Esse é o quarto natal que passamos sem a minha -bisavó na verdade- ela era o imã que unia toda a família. Depois de sua morte, cada um foi para o seu lado, só nos reunimos no fim do ano para manter a tradição.
vem o show de falsidade, hipocrisia e achismos.
Família boa é a minha que tem todos os tipos de pessoas que se possa ter em uma família. Tem a que não presta, a que se faz de santa, a que se acha melhor do que os outros, o chato que acha que é engraçado, o tio bêbado, a encalhada, o que é sustentado pela trouxa da sua mulher, a ovelha negra e a ovelha colorida que até então, é só eu. Sendo assim uma família boa, não podia faltar aquela confusãozinha no final das festas, né?
Todo ano era a mesma coisa, o amigo oculto.
ODEIO!!
Estão cansados de saber que eu sou das trevas e que só gosto de preto, mas eles ainda insistem em me dar coisas cheias de fru-frus, babados e ainda por cima rosa.
"Ah, mas você é uma menina, tem que usar coisas de meninas!" dizia a mesma tia que vivia me perguntando se eu aindatinha me casado, "Não vá ficar pra titia, em!?"
"Não se preocupe, eu não pretendo ficar encalhada igual a senhora." eu rebatia morrendo o assunto ali mesmo.
Não que eu ligue muito para presentes, mas, teve uma certa época que eu só estava ganhando meias.
Aposto que era obra da minha mãe como castigo por eu ter botado fogo em uma boneca que ela nem havia acabado de pagar. Só porque eu andava pela casa toda só com as minhas meias, a minha mãe deve ter espalhado por aí que eu estava precisando de meias novas porque as minhas já estavam encardidas e furadas.
Deixo bem claro que eu não tive inteção alguma de colocar fogo nela. Não de propósito.
Eu havia infernizado a minha mãe tanto para que ela me desse aquela boneca que acabou me dando no dia das crianças. A boneca era quase do tamanho de um bebê de verdade.
Estava eu e ela, a boneca, brincando, eu era a bombeira que iria salva-la de um terrível incêndio. Não sei o que se passou em minha cabeça para ter a brilhante ideia de colocar fogo no seu 'berço', pra mim, a boneca nunca que ia se queimar.
Então corri para a cozinha para buscar o isqueiro. Como eu estava brincandofora e ventava, o fogo não pegou na caixa de papelão que era o seu 'berço', tive outra brilhante ideia, corri até o meu quarto para pegar o meu perfume -graças a Deus o álcool estava na parte de cima do armário onde eu não alcançava.
Depois de colocar fogo na caixa gastando quase todo o perfume jogando nela, eu sai correndo pela casa afora gritando "I-NHÔ I-NHÔ I-NHÔ I-NHÔ (barulho da sirene do caminhão) I-NHÔ I-NHÔ". Simulei o trajeto que o caminhão faria até chegar na casa da boneca subindo e descendo as escadas, fazendo curvar, virando a esquina...
Fico até com vergonha só de imaginar como eu fui tão idiota ao ponto de achar que ela não iria se queimar.
Mas eu era apenas uma criança inocente com uma brincadeira inocente, certo?
A minha mãe não acreditou na minha inocência. Ela estava istérica atrás de mim vendo a boneca pegar fogo.
restou a cabeça.
Depois disto, toda vez que eu pedia algo, ela dizia a mesma coisa.
"Pra quê você quer isto? Você não precisa disto. Vai botar fogo nele também? Por que você não bota fogo nessas suas meias encardidas? Sabe do que você precisa? Meias. Eu vou te dar meias pra você aprender!" e assim por diante.
Acho que sou traumatizada com o natal por culpa dela.
Avisto Marina atravessar o gramado vindo em minha direção. Carregava um monte de sacolas.
Mais uma consumida pelo consumismo.
_Agora sei o porque da sua demora -digo levantando me para beija-la- para quem são?
_Curiosa! São para os meus pais.
Hum.
_Eu estou pensando em passar o natal lá. -diz ela.
Não escondo a minha cara de decepção, queria que ela passasse o natal aqui comigo me ajudando a botar lenha na fogueira do natal da família Carvalho.
_Tem anos que eu não passo o natal com eles. -ela continua a falar- nunca se sabe quantos natais teremos pela frente, né? Esse pode ser o último.
_Hum...
_Eu queria que você fosse comigo pra conhecer os meus pais.
_O quê?
_Você e eu passando o natal na casa dos meus pais. Você quer ir? -disse ela pausadamente como se eu fosse uma retardada que demorasse a entender as coisas.
Talvez eu seja.
_Tá, tudo bem. Pode ser!
Por fora eu parecia desinteressada, mas por dentro, eu estava pulando de alegria. Não acredito que eu vou conhecer os seus pais. Estava pensando que ela nunca iria me levar para conhece-los.
Mas não vou me animar muito, sempre acontece alguma coisa para estragar os nossos planos.
Mas nada aconteceu e uma semana depois eu já estava com as malas prontas às 7h da manhã esperando Marina vir me buscar.
_Você pegou tudo? -pergunta a minha mãe- Escova de dentes, celular, seus documentos, dinheiro, calcinhas...
Ela está pensando o quê? Que eu não sei me virar sozinha?
Reviro os olhos.
_Peguei, peguei tudo. Tá tudo aqui!
Por minha sorte, Marina bateu na porta me livrando da ladainha da minha mãe dizendo para eu me comportar, ter juízo e não ficar me agarrando com Marina pelos cantos igual fazemos aqui e blá blá blá.
Marina trazia um presente para a minha mãe.
_Para a senhora, dona Miranda. Espero que goste.
Minha mãe agradece pegando o.
O embrulho era grande, viro me para Marina.
_Você deveria dar meias pra ela!
A minha mãe revira os olhos guardando o presente em baixo da árvore de natal.
Pra quem estava doida pra se livrar da filha, a dona Miranda até que estava fingindo muito bem em não querer que eu fosse. Fez um discurso dizendo que o natal era para ser passado junto à família e não deixando a mãe passar o natal sozinha.
_Você não vai estar sozinha mãe.
_Mas não é a mesma coisa. Todos vão estar lá menos você.
_Se quiser a senhora pode ir com a gente, dona Miranda, a casa é grande e eles vão adorar recebe-la.
Lanço um olhar para Marina. Como ela pode propor isto? Já posso até imaginar a minha mãe queimando o meu filme com eles antes mesmo de chegarmos. Mas por sorte a minha mãe não aceitou e ao invés de ela só dizer um simples 'não, obrigada!' ela mais uma vez discursou os seus motivos para não querer ir.
Meu Deus, ela não cansa nunca de falar? Ao invés dela trabalhar no banco, ela deveria ser aquelas oradoras ou aquelas pessoas que fica na igreja dando sermões. Ô muiezinha que gosta de falar,viu!
Pego a minha mala e saiu puxando Marina para fora. Despedimos da minha mãe e entramos dentro do carro.
_Está tudo aí? Escova de dente, celular, documentos...? -pergunta Marina.
Reviro os olhos para ela.
_Até você? Vocês acham que eu não sei cuidar de mim mesma?
_Não é isso, é só pra ter certeza que não está esquecendo nada pra trás.
_Tá tá tá, eu não tô esquecendo nada pra trás!
_Está levando blusas de frio? Calças? Lá não é igual aqui, é frio.
_Eu gosto do frio!
_Sei, só não diga que eu não avisei.
_Para de falar e vamos logo antes que a minha mãe pule na frente desse carro para me impedir de ir.
Marina sorriu me beijando.
Pelo retrovisor, vejo a minha mãe parada na calçada se distanciando cada vez mais, lanço um tchau pela janela do carro já em movimento.
Era uma viagem de 10 horas rumo ao sul. Acho que vamos gastar mais algumas horas porque paramos de hora em hora para que eu pudesse tirar fotos das montanhas ou qualquer outra coisa que tivesse uma paisagem legal de se ver. Paramos toda hora para comermos alguma coisa.
Era desculpa minha para não ter que passar muito tempo dentro do carro. Me sufocava e eu preisava esticar as pernas.
_A minha bunda vai amassar de tanto eu ficar sentada! -digo depois da décima quarta parada.
Quando estavamos quase chegando me bateu um desespero, um nervosismo.
A minha ficha estava caindo.
Eu ia conhecer os pais de Marina!
Eu estou enjoada, quero vomitar. Não sei se é por causa do nervosismo ou por causa de passar muito tempo dentro do carro.
_Eu não quero ir! -digo.
_O quê?
_E se os seus pais não gostarem de mim? E se eu não gostar deles? -pergunto virando me para ela.
Marina sorri segurando a minha mão.
_Mas é claro que eles vão gostar de você, quem é que não gosta? Mas não sei se você vai gostar deles, eles são piores do que eu.
Não sei se ela estava tentando me confortar, mas eu me senti menos enjoada.
_Mas eu gosto de você. -digo.
_Então você vai gostar deles! -disse Marina fazendo uma careta.
Por ainda faltar uma semana para o recesso do natal e do ano novo, as estradas estavam tranquilas, era uma preocupação a menos na minha cabeça.
Chegamos na dita cuja cidade, demos a volta passando ao lado dela. O seus pais moravam a uns 30 minutos de carro do outro lado da cidade. Era uma casa no campo.
MEU SONHO!!
Num breve resumo, Marina me disse que eles haviam se aposentado e comprado essa casa livrando se do estresse da cidade grande.
ELES TÊM UM MONTE DE OVELHAS!!
Eu quero!
Marina para em frente a um grande portão.
Toca o interfone e uma voz grossa de homem sai pelo alto falante.
"Quem é?"
_Cheguei! -diz Marina.
Um estalo e o portão se abre como num passe de mágica.
Queria perguntar a Marina se o nome dela era 'Cheguei' , mas não perguntei. Eu travei, congelei, meu estômago revirava cada vez mais que íamos nos aproximando daquela casa.
Para todo lado que se olhe havia arvores, arbustos e flores, era tudo verde exceto pela casa de dois andares branca com pequenos vasos de flores pendurados nas grandes janelas da cor vinho, cachorro latindo, passaros cantando, ventos nas árvores...
Duas pessoas nos esperam parados noda escada da entrada.

NÃO É A MINHA CULPA SER ASSIM!!!  (Volume 1)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora