Fôlego

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Há momentos na vida que nostalgia é tudo o que resta. Naquela tarde úmida de início de inverno, Adam Jones contemplava os momentos de completo caos que marcavam o cenário antes tranquilo à sua volta. No chão sempre limpo e polido de sua casa grande de mais até mesmo para a solidão que o assolava, estavam espalhados brinquedos e mais brinquedos. Na TV, um show qualquer apresentava uma explosão de corres e sons, onde o silêncio normalmente impera. O som de risadas infantis sem motivo, denotavam a presença de uma alegria que para o cansado doutor parecia quase estranha. O peso do mundo, de suas más escolhas e covardices, faziam Adam se sentir mais velho do que os anos que carregava lhe permitiam. 

Mas a o caos, o tão inesperado e ininteligível caos, se instalou por completo e atingiu em cheio seu coração despreparado, quando através do vidro da porta, Adam viu na varanda a culpada da maior parte de seus arrependimentos. 

Por um instante, dois olhares se encontraram, e por um infinito segundo de silêncio, muito foi dito. 

"Adam..." Ele não ouviu a voz dela, mas seus lábios se moviam como em um chamado mudo, obrigando-se a alcançar um coração há tanto tempo distante.

Ele correu, seus pés sem terem tempo de se acostumar à pressa, seu coração exigindo uma proximidade que ele nunca achou que mereceria outra vez. Quando ele alcançou a porta, em um movimento brusco ele abriu a passagem e se viu olhando nos olhos esverdeados de seu passado. 

"Donna..." Foi tudo que ele conseguiu dizer. Um sussurro quase esganiçado deixando seus lábios e implorando por uma resposta. Uma palavra, um gesto, um sorriso. Tudo que ele precisava era de uma prova de que ela estavarealmente ali, e não era outra mera peça pregada em si por seu coração traiçoeiro. 

Um toque.

Donna White levou uma das mãos até a altura do rosto daquele que assombrava suas noites mal dormidas. Adam prendeu a respiração, e ela deixou um suspiro profundo escapar de seus lábios. Estava ali, ambos estavam. Frente a frente outra vez, enfim. 

Quando o silêncio se fez notar, e o calor da palma da mão de Donna se afastou de sua face, Adam decidiu que era hora de se pronunciar. 

"O que faz aqui, Donna?" A pergunta deixou seus lábios antes mesmo que ele pudesse pensar em seu significado. A mulher à sua frente arqueou uma sobrancelha.

"É essa a recepção que uma velha amiga recebe ao chegar à sua casa, Jones?" O tom dela era flipante, quase desafiador. Adam a encarou atento.

"Não, eu na verdade tinha outra ideia em mente quando imaginei durante anos a sua recepção de volta na minha vida."

A resposta dele fez Donna manter a pose altiva, desafiando o homem à sua frente a agir de acordo com o tom de suas palavras.

"E ainda assim eu continuou parada na varanda, com você parado do outro lado sem fazer nada além de dizer um monte de palavras vazias." Ela deu um passo à frente, ele retesou. "Você teve vinte anos para me imaginar de volta na sua vida Jones, não vai me dizer agora que duas décadas não foi tempo o suficiente para te fazer criar coragem para agir, também." 

Ele viu o sorriso de escarnio se formando nos lábios dela, sua pose indicava completo desafio. Adam Jones passou vinte anos se culpando por ter sido covarde todos aqueles anos atras. Vinte anos mais velho, ele se recusava a carregar ainda outro arrependimento. 

Com um sorriso que nem de longe tinha a mesma instancia provocadora que o dela, ele deu um único passo a frente, e sem perder tempo, a puxou para perto de si. 

"Você está certa." Ele sussurrou rente aos lábios dela, e por um segundo, foi Donna White quem se viu sendo pega de surpresa. "Chega de palavras vazias."

Reason (Real #2)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora