Trégua

635 82 14
                                    

Adam Jones estava chegando na casa de seu único filho quando ele viu a cena que o fez parar por completo e observar de longe, como alguém que vê um desastre ecológico prestes a acontecer e assiste impotente enquanto a natureza revela sua força.

Ethan estava sorrindo, nem sinal dos gêmeos. Nas mãos dele, uma bolsa feminina. Ao seu lado, Kelly Wilson, a assistente social que certamente não deveria ter passado na noite com o sujeito central de um de seus casos profissionais.

Decidindo que estava cedo de mais para encarar as possíveis repercussões de mais uma das questionáveis escolhas de seu filho, Adam deu meia volta e dirigiu um pouco pela cidade sem rumo até encontrar um pequeno Café na beira da estrada, onde ele decidiu parar. O sino sobre a porta soou e ele notou que o pequeno lugar estava lotado de cliente. Distraidamente, ele caminhou até o balcão e optou por pedir um café da manhã nenhum pouco saudável, mas agradável o suficiente para tirar de sua mente o foco dos pensamentos preocupantes que a rondavam. Ao receber seu pedido, ele se viu observando o local, buscando alguma mesa vazia para se sentar. Quando ele notou que todos os assentos estavam ocupados e estava prestes a desistir e ir comer no carro, ele notou algo que chamou a sua atenção imediatamente.

Era uma manhã um tanto quanto fria e a chuva caindo do lado de fora era uma dádiva considerando as pequenas nevascas que costumavam fazer parte da rotina nessa estação do ano. O pequeno Café estava cheio. Um ambiente agradável envolto em música leve que contrastava às pesadas gotas de chuva que deixavam suas marcas nos vidros das janelas. Grossos casacos pendurados perto da porta de entrada, ou no encosto das cadeiras, mostravam que ali dentro era um bom lugar para relaxar. Um bom lugar para se esconder do frio que fazia lá fora.

Mas a jovem mulher sentada na mais afastada das pequenas mesas do aconchegante Café parecia uma pequena peça fora do pequeno quebra cabeças que montava o ambiente naquele local. Era início da manhã, mas a mulher não parecia ao menos perceber o tempo. Os olhos fixos estavam vidrados na paisagem embaçada do lado de fora. As grossas lentes de seus óculos cobriam os olhos que há muito, provavelmente haviam sido um tanto sonhadores. As conversas animadas ao seu redor, o barulho das crianças, ou de seus pais que se preparavam para um estressante dia de trabalho, Adam notou que nada parecia perturbar o contemplar mórbido daquela mulher.

Para um observador distante, ela passaria sem dúvidas, despercebida, mas não para ele. Jamais para ele.

A pele era branca, clara como se há muito tempo já não sentisse o sol. O grosso casaco não descansava na mesa, ou na vazia cadeira ao lado, ela se abraçava nele como se lhe fosse alguma espécie de consolo, sua âncora. Os dedos das mãos agarravam com força as suas compridas mangas. Era como ver alguém se esforçando para não deixar que o último pedaço de esperança dentro de si fosse embora. Os lábios eram quase sem cor. Os cabelos, recentemente livres do calor transmitido pelo gorro agora postado na mesa, eram loiros e minunciosamente escovados. Adam sentiu falta das ondas desconexas que antes ela tinha,dos fios soltos que há muito tempo atrás costumavam dar àquela mulher o ar quase selvagem que um dia lhe foi característico. Bela, cheia de vida.

Ele notou que ela não parecia sentir frio, mas presa dentro do enorme casaco que a cobria, ela não parecia também, se sentir, de fato, aquecida. O fato mais impressionante sobre aquela jovem mulher, no entanto, era a esmagadora sensação que ela emanava de que não sentia exatamente nada. A mesa em que ela estava encontrava-se parcialmente cheia. Um livro aberto mostrava uma página aleatória de alguma leitura. O prato carregava ainda generosas fatias de um apetitoso bolo de chocolate. Do copo escapava fumaça do que devia ser um bom tanto de chocolate quente. O gorro e o guarda-chuva dividiam também um pequeno espaço lado a lado. O único recipiente inteiramente vazio naquela mesa parecia ser a dona de todos aqueles utensílios. A moça de olhos vidrados e cabelos loiros.

Reason (Real #2)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora