quadragésimo quinto .

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O Harry tinha deixado a sua cabeça sobre as minhas pernas, no meu colo, antes de adormecer. O quarto do motel era tudo menos agradável. Desde as paredes lascadas e sujas ao chão manchado, passando pelo cheiro forte a naftalina, este quarto, este motel, era um pedaço de porcaria que se segurava em pé milagrosamente.

A televisão falhava e o gerente continuava a culpar a tempestade que lá fora continuava. No entanto, eu acreditava que a culpada seria a idade do objeto. A imagem desfocada que transmitia com cortes comprovava uma pitada da pouca qualidade do aparelho.

Eu tentei não mover um músculo, nem com a minha respiração habitual, para não acordar o Harry que encolhido contra mim se mantinha.

Eu voltei a puxar o cobertor sobre o corpo do Harry quando ele se movimentou bruscamente para ficar com o seu rosto mergulhado no meu estomago. Eu imediatamente gargalhei com os ruídos que escaparam da sua boca para se abafarem contra mim. Ele continuava adormecido, não era uma palhaçada sua para me fazer rir ou para me animar de alguma forma. Mas ele continuava a fazê-lo mesmo que inconscientemente.

Compreendi rapidamente que o nariz era realmente o órgão mais sensível mas também mais fraco que o ser humano tem. Ele acusou o fedor desta instalação mas rapidamente o superou, como se ele fosse um suportável. O Harry certamente não se importou enquanto deixava as nossas malas num canto qualquer e retirava as suas botas enlameadas para adormecer, pouco depois sobre a cama, sobre o meu colo quase.

Ele estava cansado, eu podia compreender isso. A viagem de carro silenciosa e rápida não o tinha acalmado o suficiente mas o tempo na receção imunda pareceu fazê-lo, por alguma razão. Ele estava a ser muito defensivo enquanto proibia que as atenções do rececionista caíssem sobre mim. Ele estava a ser ele próprio, no fundo.

A minha mente voou até ao momento em que o Harry perdeu a cabeça contra Robin, em casa da sua mãe. Eu estava petrificada mas familiarizada com o seu medo. Era realmente um medo seu, um pesadelo. Ele temia que me tocassem, que me magoasse, e outrora eu pensei que o fazia por me ver como um objeto mas isso não era verdade. Pelo menos eu agora achava que não.

O Harry forçou a sua face contra o meu corpo apanhando-me de surpresa. A sua mão encolhida contra o meu tronco, um pouco acima do meu estomago, mostrou alguma agitação inconsciente. Harry nunca teve muito pesadelos e, se os tinha, raramente me deixava sabê-lo. Esse era o seu lado reservado e obscuro. Aquele que eu pouco ou nada sabia mas ansiava conhecer. Não houve um pedido da minha parte, no entanto. Eu pensava que se ele quisesse que eu fosse conhecedora dos seus medos, ele diria. Sem qualquer pressão ou pressa.

Ele dormiu a tarde toda, o que era uma novidade completa. No entanto, eu tive que o acordar depois de pedir o nosso jantar. Optei por uma pizza familiar sabendo que a devoraria sem qualquer problema e acreditando que não estaria com fome para comer três fatias sequer. Harry não disse muita coisa quando acordou com o rosto afundado no meu estomago. Dirigiu-se até à casa de banho para esfregar a cara e puder afugentar o sono antes de voltar para o topo da cama. O seu braço correu os meus ombros momentos antes de modificar o canal da televisão.

" Estás com fome? " Ele perguntou-me depois de insistir para que me deitasse, que espelhasse a posição que tomamos anteriormente. A sua voz e as suas ações estavam recheadas de frieza e impessoalidade mas eu sabia que ele não o fazia por mal.

Desta vez ele cobriu-me com um cobertor e afastou o cabelo da minha cara, sem me observar.

O nosso jantar chegou em pouco tempo e nós comemos em poucos minutos também. Ele falou um pouco mais durante o jantar. Eram palavras impessoais e então distanciadas mas eram palavras.

CUSM: Save Bella .Onde as histórias ganham vida. Descobre agora