1 - Como toda essa loucura começou

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Era quinta-feira. E eu sei disso porque estávamos estudando para a prova de física que iria acontecer na sexta. Eu odeio física. E Henrique também odeia física. Nada melhor do que dois odiadores de algo para entender as coisas, certo? Nem lembro a nota que tirei nessa prova. Então não tenho como responder essa pergunta. O fato é que estávamos mais uma vez "estudando" juntos. Ou seja, estávamos fazendo palhaçadas e imitando os professores. Eu gostava de desenhar, então, eu fazia um desenho de algum professor e ele tinha que adivinhar qual era e começar a imitá-lo. Era algo extremamente retardado de se fazer, mas estávamos achando a melhor brincadeira do mundo. Fazemos esta brincadeira para imitar várias pessoas. Depende muito da nossa condição de espírito. E agora nós estávamos estudando para uma prova, então, nada melhor do que imitar professores.

- Eu não estou entendendo o seu desenho, Ló! – Ele pegou da minha mão e aproximou o desenho bem para perto dele. – Acho que você precisa treinar mais. Essa pessoa não existe. Não é nenhum professor da gente.

- Sério, Rico? – Puxei o desenho de volta. Estava magoada. Eu sempre havia desenhado bem. E estava visualizando completamente quem seria a pessoa. – Você que não sabe interpretar nada. Vá ao oftalmologista. Tenha as suas pupilas dilatadas por um líquido que parece ter vindo do inferno. Acho que você vai conseguir enxergar assim.

- Não quero nada da sua terra natal, Ló. – Ele disse e dei-lhe um murro bem dado em seu braço. – Ai.

- Doeu? – Disse esperançosa.

- Não. Nem um pouco. Parece meu irmão de cinco anos batendo em mim.

Bufei.

Amassei todos os desenhos.

- Era Benedito. O nosso professor de geografia.

- O Benedito? Agora que você diz eu acho que realmente se parecia com ele.

- Lógico que se parecia.

- Pare logo de lenga-lenga. Temos uma prova amanhã.

- Uma prova que iremos nos ferrar. Eu pressinto as coisas e você sabe disso.

Eu realmente sou uma pessoa muito boa em pressentir as coisas. Então não entendo como não pressenti que um desastre iria acontecer ali. Bem no meu quarto. Com o meu melhor amigo? Quando nossas cabeças estavam prestes a rolar por conta de uma prova? Eu até podia escutar o som da guilhotina. E a cabeça de Henrique rolaria. A dele primeiro, pois eu iria ser salva em algum momento. Então eu precisava de mais tempo. Ele iria entender.

Acho que a tensão para a prova arruinou tudo.

Depois de passar horas tentando resolver as questões nós decidimos que estava na hora de parar. Havíamos estudado bastante e nos esforçado ao extremo. Finalmente havia chegado a hora da aceitação. A gente não conseguia fazer nada. Era um 0 garantido. Fechamos os cadernos e livros nos sentindo poderosos. Sabíamos do futuro.

Não havia salvação.

- Você acha que se eu escrever o meu nome eu ganho 0,5? – Henrique perguntou para mim.

- Acho que sim. Lembre-se de escrevê-lo corretamente. – Peguei um lápis e joguei pra ele. – Aqui. Tente escrevê-lo direito.

Ele jogou o lápis de volta.

- Vá se ferrar, Lorena!

- Nossa quanta agressividade. – Comecei a rir. – Estou com fome. Vamos ver o que tem pra comer? – Disse já me levantando. Estávamos lá sentados por muito tempo e podia jurar que minha bunda estava quadrada. Minha barriga roncou alto. Como se estivesse me dizendo exatamente o que queria pizzaaaaa. Hum, eu amava o meu estômago. Ele me entendia tão bem.

- Vou ter que passar dessa vez.

- Mas eu ia pedir pizza. – Observei esperançosa que ele mudasse de ideia. Pude ver os seus olhos brilharem, mas algo aconteceu e ele recusou novamente. – Nossa! Não acredito nisso. Você estudou tanto que algo afetou o seu cérebro?

- Não. É que vou dar uma passada na casa de Guilherme.

- O que é que vai ter lá? – Eu conhecia Henrique. Ele não trocaria uma pizza para ir para a casa de Guilherme. Fazer o quê?

- Não é o quê e sim quem. – Lá ia Henrique mais uma vez com os seus namoricos. Rolei os olhos. Que se ferre. Vou comer a pizza sozinha. Amanhã esfregarei na cara dele as calorias que ganhei sem arrependimento nenhum.

- Quem é dessa vez? – Perguntei.

- A prima dele. Clarissa. – Ele deu um meio sorriso. Algo em mim estalou nessa hora. Algo que não havia percebido antes. Tudo foi ao chão e só nós dois restávamos naquele quarto. Somente nós dois. Rebobinei em minha mente até o momento do meio sorriso. Era um sorriso diferente de todos os outros. A postura. A voz. Tudo estava diferente. – Eu acho que realmente estou gostando dela. – certo, ele sempre gostou de várias meninas. Mas nunca naquela intensidade. E foi o que bastou. Foi aquela intensidade de gestos que apareceram para mim, quando na verdade eles pertenciam à outra pessoa. Foi aquela intensidade de calor emanando de seu corpo que iriam para outra pessoa.

Foi quando tudo o que percebi naquele momento seria de outra pessoa. E não meu. Não mais. Nunca mais.

Eu odeio isso.

Odeio amar o meu melhor amigo.


Como Deixar de Amar o Seu Melhor AmigoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora