Capítulo 29 - Sobre meninos e lobos

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QUANDO O VOLKSWAGEN 1969 conduzido por Olympia Grealish saiu da Donegall Square a caminho da Royal Avenue, já era madrugada e a moça seguiu atenta além do para-brisas devido à neblina que despencava densa do lado de fora. Vez ou outra, o limpador deslizava barulhento pelo vidro, desembaçando a superfície transparente. O motor rangia conforme o acelerador era pressionado.

Eu estava sentada no banco de trás do veículo, absorta em meus pensamentos. Repassava mentalmente tudo que Stella Brandt havia me contado acerca de meus antigos companheiros de aventuras da Teia, o que me deixou nostálgica.

Os pensamentos inquietos de Bethany Green começaram a me incomodar conforme ela se mexia de um lado para o outro no passageiro, à esquerda de Olympia. Roía uma das unhas da mão e cuspia os fragmentos que arrancava com os dentes janela afora, apresentando sinais de nervosismo.

— Qual é o problema, Bethany? Está com pulga dentro dessa calça? Não consegue parar quieta?

A garota de olhos estreitos e postura rebelde se virou em minha direção sacudindo o seu dedo médio. Cuspiu outro pedaço de unha em cima de mim e se mostrou entediada. Havia bebido mais de quatro canecos de cerveja no bar em Belfast, mas assim como os vampiros, os lobisomens também tinham o metabolismo acelerado, o que não nos permitia embebedar por um período muito longo. Ela estava sóbria.

— Já faz mais de um mês que não temos sinal de Thænael ou qualquer um de seus comparsas. Isso está me matando.

A observei sem dizer nada. Olympia deu uma espiada pelo espelho retrovisor superior. Estávamos cruzando o Rio Lagan, nos afastando da agitação da cidade e começando a contemplar a serenidade da paisagem rural.

— Agradeça por isso — disse, fitando-a fixamente. — Ele esteve espionando cada um dos nossos passos nos últimos seis meses. Agora que reduzimos o uso da magia para só o necessário, ele deve ter perdido o nosso rastro. Não tem como nos achar.

Ela bufou. Ajeitou-se no banco causando um rangido em sua estrutura.

— Não consigo esquecer que o desgraçado mandou matar o meu pai em Montbéliard. O coitado não teve a menor chance de se safar. Foi atacado covardemente por aqueles morcegos fedorentos dos Ardelean... não pude fazer nada para ajudar. Eu sinto gana de pegar o desgraçado e destroçá-lo como a um jogo de quebra-cabeças!

Assim como outros membros do clã Grealish, o pai de Bethany, Rupert, havia sido morto durante a guerra no quintal da mansão Archambault, há alguns anos. Enquanto eu era levada ao Stonehenge por Thomas Blackwood, os meus aliados tiveram que lutar com todas as suas forças para sobreviver às hordas de Thænael. E muitos não conseguiram.

— Eu sei como se sente, Bethany. Todos nós perdemos parentes e amigos queridos nessa guerra, mas não podemos esquecer que o nosso objetivo primordial não é conseguir vingança. Se não agirmos com a cabeça fria, o nosso inimigo vai nos subjugar outra vez e não haverá justiça por quem morreu para nos ajudar.

Ela parecia ainda mais irritada. Chegou a se virar em seu assento para observar a estrada à esquerda através do para-brisa, mas logo se voltou para mim, apoiando um dos braços no encosto do banco.

— Você não disse nada a respeito da sua viagem para Uluru com o anjo. Afinal, o que foi fazer lá? Transar e tomar chás alucinógenos?

Sacudi a cabeça em desdém a seu comentário.

— Eu fui pedir ajuda espiritual antes de armar a nossa ofensiva final contra Thænael. Muita meditação e prática de Qigong para controle de corpo e mente. Sendo tão hiperativa, você não entenderia!

Ela revirou os olhos.

— Se não envolve sangue, vísceras e ossos quebrados, a Bethany não se interessa.

Alina e a Chave do InfinitoOnde histórias criam vida. Descubra agora