Prólogo

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ALANNA DUBHGHAILL ESTAVA EXAUSTA quando se escondeu atrás de uma pilastra coberta de visco. Os pulmões ardiam devido ao ar cáustico que respirava há mais de uma semana. A desorientação pela falta de oxigênio limpo lhe causava alucinações constantes. As visões de seres alados a perseguindo, lhe rasgando a pele com suas garras pútridas, baforando enxofre em seu rosto, eram aterradoras. Não sabia mais a diferença entre realidade e imaginação.

O chão onde pisava era irregular. Ora parecia sólido. Ora movediço. Por vezes, engolia os seus tornozelos. A desequilibrando. Conforme procurava se manter ereta, não conseguia ficar parada por muito tempo. A uma distância segura de seus raptores. Precisava estar em constante movimento. Em uma fuga desesperada.

Eu não posso desistir. Preciso retomar o caminho para casa. A qualquer custo.

— Ela está por perto. Sinto o cheiro da mulher!

Os passos atrás de si e o farfalhar de asas decrépitas ecoavam pelo infindável salão pétreo onde ela lutava por sua vida há dias. Com as energias praticamente esgotadas, a bruxa guardava um último lampejo de magia a fim de reabrir o portal que, acidentalmente, a puxara para aquele labirinto infernal. Uma cadeia de corredores infestada de criaturas malignas.

— Lá está ela! Detenham-na!

Alanna botou a força que não tinha mais nos músculos cansados. Correu em direção a um túnel de arbustos que enxergava a dez metros de distância. Em meio ao que se parecia com a entrada de uma floresta, ela esperava reencontrar a trilha que a conduzira até ali. Não sabia quais eram as leis físicas que regiam a dimensão erma onde caíra, nem como podia canalizar energia mística das fontes naturais ali presentes, mas tentou alcançar as colunas de vegetação que se curvavam acima de sua cabeça mesmo assim.

Só mais alguns passos. Só mais alguns...

O chão grosso sob seus pés tremelicou antes de ceder em uma explosão que a arremessou com violência para a frente. O cheiro de enxofre intensificava-se à medida que a voz gutural atrás de si vibrava em seus tímpanos feridos. Ela estava caída sobre milhares de detritos do solo atingido por uma rajada incandescente. A brasa ainda acesa fervia em contato com a pele desprotegida. As suas vestes jaziam em frangalhos depois de tantas batalhas. Não havia um só osso em seu corpo que não doesse.

— Séculos se transcorreram em minha busca pela passagem que você, tão gentilmente, escancarou para Demophilus e as suas legiões, minha cara bruxa. Eu nem sei como agradecer.

O som agudo de risadas zombeteiras preencheu o espaço em torno de Alanna. A alucinação agora era táctil. Dedos imundos e fétidos tocavam o seu corpo. Perfuravam a sua carne. Rasgavam o tecido a cobrir a tez ferida.

— Ela é nossa...

— Sim, ela é.

— Vai nos levar de volta.

— Sim, ela vai.

Alanna viu-se, de repente, cercada por uma legião de mais de seiscentos demônios que avançavam sobre si. Os primeiros na multidão, menores que crianças em idade pré-escolar, puxavam-na em diferentes direções, ferindo-a. Gozavam-na com risos depreciativos. Com zombarias. Eram monstruosos a ponto de parecer que as suas peles se desprendiam do corpo. Como se a eles não pertencessem.

À frente das criaturas, o seu general observava a prisioneira com um brilho vívido em seus olhos carmesins. Os cabelos negros penteados para trás. A cútis alaranjada, quase incandescente. E o sorriso largo. Amarelo.

— Leve-nos de volta, bruxa.

— Sim, leve-nos à Terra. Aos domínios do Criador.

Sem que pudesse resistir, Alanna foi erguida do chão, agarrada pelas mãos sujas dos seres diabólicos que a rodeavam. O cheiro podre exalado por eles causava-lhe ânsia. Era como se estivessem cobertos de excremento.

Alina e a Chave do InfinitoWhere stories live. Discover now