Única Chance

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O sol que se erguia no horizonte parecia opaco, sem cor, uma luz morta surgindo num céu também pálido. Uma falsa sensação de paz embalada pela paisagem silenciosa assustadoramente mórbida. Fios de vento corriam entre as árvores levando seus cantos de agonia, enquanto tudo que restava no entorno, era a morte. Ela acompanhada do medo, e desespero estiveram me acompanhando desde o momento em que nasci. Não havia motivos para nos separarmos também quando chegasse meu fim.

Que ironia que é passar tanto tempo ponderando sobre a vida e ao fim dela querer algum tempo a mais, logo eu que coloquei tantos pontos finais. Num dos meus pesadelos mais recentes me vi diante uma pilha de corpos, não acima dela como um ser inalcançável e sim atrás, sendo impedida de avançar pela sujeira. Se eu quisesse ter um vislumbre de luz, teria que me desfazer da pilha de cadáveres, contudo, sempre que eu puxava um deles, outro caía em seu lugar. Sem face, com um único corte no meio do corpo que vertia moedas de ouro manchadas de vermelho. Reflexo da vida regrada a morte por dinheiro.

O sangue rançoso de cheiro metálico estava acumulado no chão e fazia até mesmo a sola dos meus pés se grudarem a ele. Levantando filetes gosmentos a cada passo dado, se de um lado havia a luz bloqueada pelos meus pecados, do outro existia o vazio.

Não sombras, não escuridão. Nada.

Seu centro poderia ser sombrio, mas não existia som, luz, cor. Um pedaço arrancado que fez do que sou algo incompleto.

Eu sabia, no momento em que a alma se dividiu em duas, que meu destino não seria feliz. O mundo iria lutar contra a pequena falha, buscando meios de voltar tudo a seu estado natural. Um dos lados da balança era mais fraco e caiu nos encantos, nos sussurros doces do fim e suas promessas vazias. Eu, que estive lutando para conquistar um pequeno momento de felicidade, não teria outra opção senão sucumbir.

Falsamente tentei enganar o tempo, mas ele provavelmente só escuta aqueles merecedores disso. O amor que senti um dia se quebrou e então da ilusão rachada ganhei algo muito maior, maior que minha própria existência, alguém que valia a pena. Meu conto de terror se fantasiou de fadas, mas a meia-noite chegou, o feitiço de desfez e novamente o que se apresentou para mim foram os monstros criados a própria semelhança

Família, nunca foi uma palavra que fez sentido para mim, era um amontoado de letras que significavam algo que não conheci, mas descobri no último ano o que é. Tanto presa na cela dos meus pensamentos, quanto barrada pela pilha de corpos em pesadelos, tive uma visão do que talvez pudesse ser meu em outra vida. Um grupo de desajustados, de todas as formas e lugares, que se juntaram para ser aquilo que nunca tiveram ou o que perderam.

Contudo, essa vida nossa é um jogo de sobrevivência. Ou somos os caçadores, ou as presas, não existe meio-termo nesse mundo e nesse momento, não existe a verdade, apenas a realidade.

E ela não favorece pessoas quebradas como nós.

— Madame entre no carro agora! — a voz esganiçada similar a um latido me tirou da pequena reflexão.

Virei para trás e Cérbero estava andando de um lado para o outro com o celular no ouvido apontando para o carro. — Isso não é bom, definitivamente não é bom.

Os dias corridos e sem rotina roubaram até mesmo alguns quilos do mais velho, fazendo com que suas roupas parecessem alguns números maiores do que realmente precisava.

Paramos por um momento, no meio da estrada, para tomarmos um ar antes de continuar a viagem. Toji sempre saia para andar e verificar os arredores, mas parece que dessa vez algo realmente aconteceu, pois os xingamentos tomaram a boca do cão de guarda, direcionadas ao homem do outro lado da linha.

Selcouth - ( Toji Fushiguro x Leitora)Onde histórias criam vida. Descubra agora