Pontos Finais

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Apesar de ter visto a casa — comprada com o meu dinheiro sem consentimento —, apenas uma vez. Passava mais a sensação de lar do que qualquer um dos apartamentos que passei meses na Grécia. Talvez fosse pela familiaridade, ou influência das pessoas que estavam ali dentro.

O vapor de água quente subia do ofurô de chão, Hatsu havia jogado essências e outras folhas que de acordo com ela iria aliviar minha fadiga. As meninas tentaram me auxiliar, porém, neguei sua ajuda.

A gravidez nem era o principal motivo, embora tivesse dúvidas se haviam percebido ou não, a mancha que agora começava a se espalhar para o ombro era o principal motivo. Não queria as assustar.

Havia um cheiro doce no ar, com a nuca apoiada na borda e olhos fechados, quase me vi embarcando para o mundo dos sonhos novamente, se não fosse a voz de Hatsu me chamando do lado de fora.

— Minha senhora, posso entrar?

Não consegui responder imediatamente como imediatamente faria, era melhor conversar com a mais velha a sós do que correndo o risco de outro escutarem. Havia muitos pontos finais para colocar.

Me ajustei na água a fazendo movimentar antes de responder um sim com firmeza.

A governanta puxou a porta silenciosamente, entrou e a fechou atrás dela. Nos braços havia uma cesta de palha, não pude ver seu conteúdo até que se aproximasse. Faixas, pincéis, tesoura e também tinta.

— Quem contou? — questionei sabendo que o objetivo dela com aquilo era a marca de Amarate.

Um pequeno sorriso surgiu em seu rosto, com um pouco de pesar — Ninguém, ainda posso enxergar mais do que alguns feiticeiros podem ver. Isso não mudou nos meses que se ausentou.

A mais velha dobrou as mangas do kimono, e mergulhou ambas mãos na água. Indicando a lateral do ofurô. Apesar da vergonha, não pela minha nudez mas pela situação, me virei ficando de costas para a mulher.

Suas mãos apertaram meus ombros, liberando a tensão acumulada nos músculos.

— As pontas do cabelo da minha senhora estão todos desiguais — comentou como se fosse apenas mais um dia, Hatsu continuou falando sobre os dias com as meninas, as comidas. Os animais que vez ou outra apareciam para atacar seu jardim e plantação.

A falta do questionamento começou me incomodar, com as mãos juntas embaixo da água esfreguei com a unha a parte da pele que começava a ficar enrugada.

— Hatsu — a interrompi —, me desculpe por deixar a casa da maneira que fiz. Você e as meninas mereciam mais do que um desaparecimento repentino.

Por um momento suas mãos se pararam de mover, tive medo de virar para ver a decepção em seu rosto. Um fantasma de memória passando rapidamente pela minha mente, os dois que me trouxeram a vida nunca me olhavam com algo que não fosse esse sentimento, ou desgosto.

Inesperadamente, senti um afago na cabeça, o corpo inteiro paralisando pela demonstração afetiva desconhecida.

— Nós entendemos — respondeu com a voz suave —, soube pelo mestre Toji o que aconteceu e também os erros que a levaram para longe. Não existe nada para se desculpar. A madame passou por muito, outras pessoas talvez já tivessem desistido, só porque consegue ver maldições não quer dizer que é menos humana.

Sua mão continuou a acariciar o topo da minha cabeça, e o canto dos meus olhos começaram a arder. Mordi o interior da bochecha parava evitar o choro, já tinha derramado lágrimas demais.

— Crescer numa casa miserável, e depois ser forçada a casar com um desconhecido. Apenas para ser caçada depois pelo que restou da própria família. Eu que tive que lidar com a rejeição de um clã não consigo nem imaginar a quantidade de dor que leva. — Hatsu levantou um pouco a voz, fazendo parecer que essas falas estavam guardadas a muito tempo.

— Se eu fosse um pouco mais jovem, teria repreendido mestre Toji um pouco mais, pelo que fez com a madame — confessou, me fazendo rir. Se tinha alguém que podia encostar em Toji sem temer pela vida era a governanta — Mas devo agradecer por colocar meu coração em paz e a trazer de volta, seus braços estão tão finos e rosto tão cansado. Mê de um mês e terá as bochechas cheias novamente.

Enquanto recebia o afago, também acariciei minha barriga — Estou com a minha dieta um pouco restrita. Mas comerei de bom grado qualquer coisa que fizer para mim.

— Comidas gostosas também ajudam um coração cansado — disse um pouco mais animada.

Apoiei as mãos no fundo e me virei — Hatsu, eu senti sua falta.

A mais velha pareceu surpresa pela minha fala repentina, os olhos se abriram e a boca se fechou numa linha trêmula. Suas duas mãos seguraram meu rosto apertando as bochechas — Não brinque com o coração dessa idosa, são muitas emoções para o mesmo dia. Sinto que poderia morrer de felicidade agora.

Coloquei as minhas mãos por cima das suas — Quando cheguei, disse que ia viver o suficiente para ver nossos filhos. Está a caminho, mas prefiro que fique do meu lado por mais alguns bons anos.

Hatsu apertou minhas bochechas escondendo o rosto envergonhado — Mas é claro que sim, agora saia daí, já está toda enrugada.

Depois de me ajudar a enfaixar o braço, entoando cantos baixos, Hatsu me ajudou a vestir um kimono leve e sedoso. Meus cabelos foram ajustados para trás e logo em seguida fui guiada para a sala de jantar, ali, Cérbero e Toji pareciam estar na mesma dinâmica de sempre. Um falava e o outro retrucava.

As meninas arrumavam os pratos na mesa com um sorriso no rosto, me sentei junto aos dois fazendo uma anotação mental do que eu gostaria de comer primeiro. Foi então que reparei que haviam apenas três conjuntos de jantar.

— Tani — chamei —, coloque mais três. Você, Yuina e Hatsu não precisam se isolar.

— Mas minha senhora... — a mais nova hesitou lançando um olhar para Toji.

— Faça o que ela pede criança — respondeu balançando a mão de maneira desinteressante. Seus olhos pararam em mim descendo em seguida, segui seu olhar e vi que parou na aliança que ainda estava no meu dedo.

— Não pense besteira, Hatsu me fez prometer não tirar — disse —, depois de falar todos os encantos que têm.

Toji sorriu e se virou esticando a mão para pegar alguma comida que estava na mesa com a mão.

— Mestre Toji — a voz de Hatsu fez com que ele parasse no meio do caminho e desviasse a direção para o chá. A mais velha veio acompanhada das duas meninas, em poucos minutos todos estávamos sentados à mesa para jantar. Cérbero parecia muito interessado em como Hatsu controlava Toji, recebendo interrupções constantes do homem tentando impedir qualquer informação de vazar da mulher que cuidou dele. As duas meninas estavam animadas em me fazer provar de tudo.

Eventualmente, pela tranquilidade da cena e também a boa comida e horas gastas. Comecei a me sentir sonolenta, antes sequer mencionar me levantar para me retirar Toji sugeriu que eu descansasse.

Para alguém que eu achava que não prestava muita atenção em outra pessoa que não fosse ele mesmo, estava surpreendentemente observador.

Yuina se adiantou dizendo que me levaria para o quarto, assim como a residência antiga havia uma boa cama no centro e lençóis fofos. Depois que a jovem foi embora, troquei as vestes e me sentei na cama alisando o tecido sentindo a maciez entre os dedos. Em seguida, após dar uma rápida inspecionada no quarto, ergui o travesseiro e coloquei debaixo dele uma bonita lâmina prateada.

A situação pode estar boa agora, mas não posso garantir o mesmo para os meses seguintes. É preciso estar preparada, e além disso...

Velhos hábitos são difíceis de mudar.








N/A: Obrigada por ler até aqui! Um momento de felicidade pra minha menina que ela merece T.T

Até a próxima, Xx!

Selcouth - ( Toji Fushiguro x Leitora)Where stories live. Discover now