Eu Vou

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A rotina era mais simples do que parecia, cada dia era um adeus diferente. Uma cidade deixada para trás, seguindo para uma nova que não tínhamos a mínima ideia do que aconteceria. Fugindo de uma sombra que não fazemos ideia de onde vêm, mas com a certeza de sua vinda.

Cada momento, fosse em um trem, ou de carro, parecia tirar uma parte da minha vitalidade. Com esse roubo de vida, vinham os pesadelos. As noites foram passadas completamente em claro, encarando os cantos escuros e as portas desconhecidas esperando pelo pior. Para mim, que tinha os fantasmas de ansiedade soprando meias-verdades nos ouvidos, restavam apenas os momentos de viagem para tirar um pequeno cochilo.

Sentir dor já se tornou uma rotina, pois é uma companhia diária. As marcas de Amarate, voltaram a crescer e comecei eventualmente a questionar se os terrores que vinham à minha mente eram realmente dedicados a mim. Se eram reais, ou memórias de quando a Imperatriz do fim, ainda era humana.

Pesadelos de uma época onde o mal se ergueu do chão, o início da era das maldições.

Tudo era estranho, borrões de momentos, contudo os sentimentos que vinham com esses delírios pareciam mais reais do que aqueles que carrego guardados no peito. A dor de uma traição, seguida de uma vingança motivada pela cobiça. Um par de galáxias que brilha azulado nas sombras se apaga, então tudo que resta é desespero.

Sentada na poltrona do pequeno quarto da pousada, mantinha a cabeça apoiada nas mãos. Mais uma vez, presenciei Amarate, quebrar um tabu ao matar um guardião do mundo.

— Não conseguiu dormir de novo?

O chão rangeu pelo peso da minha companhia, se fosse Toji já teria uma resposta pronta, mas sendo Cérbero apenas engoli as palavras e criei outras, um pouco mais suaves.

— Tem sido a rotina dos últimos dias — saí da posição sentindo o pescoço doer por ficar curvada para frente por tanto tempo. Com uma careta, fechei os olhos e me estiquei na poltrona.

Senti o olhar dele em mim e então sua aproximação — [Nome], você não parece nada bem.

Espontaneamente Cérbero colocou a mão sob a minha testa, jogando os fios que não percebi estarem colados na minha testa para trás.

Seu rosto ficou sério e então ele olhou para os lados para garantir estarmos sozinhos — Desde quando está com febre?

— Não sei — respondi com sinceridade. Apenas quando sua mão fria encostou em mim foi que percebi a diferença de temperaturas, foi como um choque passando, visto que não senti nada de diferente além da dor da marca.

Algo parece ter mudado dentro do mais velho, pois imediatamente ele começou a me dar ordens. Começando com ir tomar um banho e vestir as roupas mais frescas que podia, ainda que sentisse calafrios. Toji não estava ali, sempre que ele acordava de madrugada e eu também estava acordada o homem resolvia fazer ronda ao redor da nossa estadia para garantir que nada se aproximaria.

Deixar a água cair morna na pele, me fez sentir estar debaixo de uma cachoeira de inverno.

Foi então que percebi algo de estranho, não que a minha vida fosse a epítome da normalidade, porém algo além do que estou acostumada a ver. As marcas de Amarate começaram a se mover e formar novos padrões. Um choque de dor percorreu meu corpo e após cobrir um olho foi como se outra imagem aparecesse sobreposta a minha visão.

Saí do box, cambaleando, de alguma maneira consegui vestir as roupas de baixo, mas no momento em que estendi o braço para pegar uma camiseta. Uma nova onda de energia amaldiçoada me atingiu. Meu corpo já fraco reagiu da pior maneira possível, caí no chão do banheiro frio, travando na garganta o grito e segurando com força o pulso do braço totalmente tomado. Meus dedos estavam torcidos, era como uma câimbra intensa puxando os músculos do meu braço.

Selcouth - ( Toji Fushiguro x Leitora)Where stories live. Discover now