Eu estava tendo uma breve lembrança de tudo o que tinha acontecido nesses últimos meses e a bagunça que virou. As aulas iriam voltar, eu estava no meu último ano e precisava me concentrar nisso, não queria mais ter que voltar naquele lugar infernal.
Acho que o pior, nem seria voltar pra escola, seria encarar Bruna.
Fui interrompido da minha bagunça, por um toque de celular, logo lembrei daquele celular velho que Sandra tinha me dado, procurei dentro da gaveta.

- Oi. - revirei os olhos.

- Felipe, a gente precisa se encontrar.

Mas que porra, mulher. De novo? Me deixa em paz!

- Olha, delegada... Na boa? Não vai dar não. Eu não sou mais o chefe da boca, que tal você procurar o CG?

- Mas não é sobre isso que eu queria falar... - dei de ombros.

- Eu tô saindo fora, delegada... Fora dessa vida, tá ligada? Eu não tenho mais motivos pra ficar nesse rolê. Bola pra frente agora, pode pá?

- Felipe, não é sobre o morro. - respirou fundo. - Não é sobre nada disso! Só diz que vai...

- Vou ver e te aviso. - desliguei e encarei o celular por alguns segundos.

Enquanto isso, o beck queimava em meu dedo e eu fiquei lá, encarando o celular velho.

- Tá pronto. - Natacha apareceu na porta com um sorriso.

- Eu já vou. - sorri de volta, escondendo o celular.

Após jogar uma água no corpo, desci até a cozinha, que tinha um cheiro muito bom. Ela estava de costas pra mim, mexendo em alguma coisa no fogão. Logo alcancei seu corpo e dei um cheiro no pescoço.

- Vai lá tomar banho. Eu olho aqui. - ela ergueu a sobrancelha. - Ah, qual é? Tá achando que o Playboy não manja nada?

- Vou descobrir assim que voltar. - riu de mim e saiu andando.

Fiquei lá mexendo o molho do macarrão de forma automática, meu pensamento só tava tentando decifrar o que é que a Sandra queria dessa vez! Juro, eu precisava me afastar dessa mulher, antes que ela me enfiasse num problemão.
Quando Natacha voltou, jantamos juntos, já se passavam das nove da noite.

- Sabe o que é, eu tava aqui pensando, né. Sei que tá recente e tudo mais mas eu acho que você podia vir morar comigo. - ela engasgou com o macarrão.

- O-o que? - limpou a boca depois de tossir horrores. - O que você disse, Playboy?

- Não, tranquilo... É só uma ideia. - tentei parecer o mais pacífico possível.

- Eu não esperava por essa...

- Tá suave se não quiser, Nat. É que só, sei lá... Eu só pensei rápido demais.

- Eu quero. - recebeu meu olhar de volta. - Eu só não achei que fosse pedir tão rápido.

- É que você já é sozinha e agora eu também tô. Melhor juntar a solidão. - ela riu e concordou.

- Tudo bem, vamos juntar nossa solidão então. - alcançou minha mão e me fez um carinho.

- Tô ansioso. - recebi seu selinho com um sorriso.

Após o jantar, Natacha percebeu minha inquietação, que ela achou que fosse só fome mas tinha algo mais, né?
Fui no quarto, peguei o celular velho e abri a mensagem com a conversa da delegada.

"que horas?"
Playboy

"Às 23h, lugar de sempre."
Sandra.

Coloquei um casaco, uma calça, um tênis e um boné, fiquei o mais discreto que podia.

- Onde você vai? - ela me olhava, escorada na porta.

- Eu te falei que tava saindo fora, não falei? Só preciso resolver algumas coisas.

- Tudo bem... - virou a boca de lado. - Eu te espero acordada?

- Só se você quiser. - falei de forma pervertida, enquanto colocava o cinto.

Ela riu e só concordou, disse que ia ver algum filme, ou alguma coisa assim.
Descemos juntos até a sala, Natacha me deu um beijo molhado de despedida, logo me desvencilhei daquela mulher, aquele beijo me fazia imaginar coisas e eu estava atrasado.
Desci a favela encontrando alguns conhecidos no caminho.
Até avistar a Blazer escura, estacionada logo no fim da rua.
Entrei no carro.

- Posso fumar? - perguntei enquanto acendia um cigarro.

Ela apenas acelerou o carro, não trocamos uma palavra até ela estacionar.
Era um lugar do qual não me lembro de ter ido com Sandra, aliás, não me lembro daquele lugar de forma alguma. Nunca tinha ido ali.

- Pra que tão longe? - murmurei.

- Felipe, seguinte... - finalmente ela falou alguma coisa, o silêncio tava me sufocando. - Eu sei que a gente é totalmente diferente na forma de pensar e tudo mais, só que eu cheguei em casa naquele dia e eu conversei com a Bruna. Decidimos, que se você quiser, a gente pode tentar uma vida juntos, longe de tudo isso, eu tô disposta a recomeçar com você.

Engasguei com a fumaça. Abri a porta do carro, ainda tossindo, e saí do mesmo. A tosse tomou conta do meu corpo, eu não conseguia parar, era tão forte que pude sentir as lágrimas descerem pelo meu rosto. Em um ato de desespero, cheguei a erguer os braços pra cima, só não sei se foi pra desengasgar ou se foi pra Deus me levar.

- Felipe, respira. - saiu correndo e veio na minha direção, abrindo meu casaco e assoprando meu rosto.

Tomei um prumo.

- Que desgraça tu falou, Sandra? - ainda dei algumas tossidas antes de morrer.

EU VIM DA RUA - MC Kevin (Kevin Bueno)Where stories live. Discover now