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LEBLANC...

Sua mão é quente contra a minha, e, de certo modo, seu calor e maciez são confortáveis. Não é como se ela fosse um corpo estranho ao lado do meu, é como se ela fosse uma extensão.

Descemos as escadas de mãos dadas, assim como fizemos ontem, e antes de ontem, e no dia antes disso. É claro que, as vezes, eu me surpreendo com o quão desejável a presença dessa criatura se tornou.

Angelic sorri ao adentrar a cozinha, pois Wanda, a cozinheira, aceitou ser sua tutora e lhe ajudar a cozinhar. Isso é ótimo, já que a futura engenheira é capaz de erguer um prédio, mas não de fazer a mais singela comida de forma decente.

- Bom dia, Wanda – Angelic solta minha mão e corre para trás do balcão.

Ela é bonita em todos os momentos, até mesmo quando não faz o menor esforço para ser. O cabelo muito claro contrastando com os olhos muito azuis. As bochechas e lábios rosados. Os cílios longos e grossos. Na verdade, é tão bonita que me faz desejar gravar essa imagem na minha cabeça. E talvez não apenas na minha cabeça, mas também em uma tela. Ela merece ser pintada em todas as cores e telas do mundo.

No entanto, eu me recuso a dizer quaisquer de meus pensamentos em voz alta. Eu já sou suficientemente ridículo comprando flores e andando de mãos dadas. E, para além disso, Angelic já sabe que é bonita. Reafirmar serviria apenas para inflar seu ego.

Encosto a lateral do corpo no batente da porta de entrada da cozinha e observo Wanda franzir as sobrancelhas toda vez que Angelic se aproxima do saleiro. Não saber medir os temperos é um de seus muitos dons culinários.

Angelic ainda está passando pelo luto. Eu não tenho propriedade para dizer quando este momento termina. Contudo, sei que ela fica triste toda vez que liga a televisão e vê uma notícia sobre seu pai. E tendo isso em mente, eu fico satisfeito sempre que ela é capaz de sorrir sem se lembrar da dor da perda.

Ouço alguém pigarrear atrás de mim, e eu me viro na direção de um dos homens que coloquei ao redor da ilha. Preciso neutralizar minha expressão, pois olhar para aquela Donneli enquanto ela prestava atenção em Wanda me deixou mais cordial e bem-humorado do que eu realmente sou.

- Senhor – ele cumprimenta. Eu aceno – Há algo no escritório que o senhor gostaria de ver.

Eu sempre trabalhei com o prejuízo dos outros. Sou honesto ao dizer que meu sucesso sempre, imutavelmente, depende do fracasso de terceiros. Eu nunca me orgulhei disso, pelo menos não até hoje. Mas, agora, essas sutis palavras me deixam satisfeito. Pela primeira vez em toda minha carreira, serei feliz ao causar danos.

- Ótimo – digo.

Assim que o homem se afasta, eu me viro para Angelic e Wanda. Ambas estão ocupadas colocando massa em pequenas formas. E se Deus existe, Ele não permitirá que seja eu a pessoa provando o resultado final.

- Damas – chamo. Elas se viram para mim – Eu volto em dez minutos.

- Os biscoitos de Natal ficam prontos em dez minutos. É massa instantânea – Angelic sorri, como se o fato de eu poder voltar a tempo de provar seu experimento fosse motivador.

Simulo meu sorriso mais condescendente antes de abandonar a cozinha, análogo ao diabo fugindo da cruz. Passo pela sala e subo as escadas, saltando de dois em dois degraus. Eu não costumo me permitir estar ansioso, mas, hoje, eu faço questão. Digo, alguém pensou que poderia simplesmente foder comigo, me ligar e ameaçar minha garota. E, depois, pensou que não haveria consequências.

Porra, ele não poderia estar mais errado.

A porta do escritório já está entreaberta, então eu apenas a empurro. Adentro o espaço climatizado, embora o sangue correndo fortemente pelas minhas veias me deixe quente. A visão dentro do escritório é mais do que animadora. É vivificante.

ÚLTIMA DANÇAWhere stories live. Discover now