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LEBLANC...

Casa.

O substantivo que pode significar muita coisa. Para uma criança, o lugar onde sua mãe cozinha a melhor comida do mundo. Para o adulto, o lugar para onde irá após o trabalho. Para o idoso, o lugar onde passou a vida inteira.

Casa.

Eu nunca realmente tive uma casa. Eu nasci nos Estados Unidos, vivi no Bronx tempo suficiente para ser considerado um demônio, e então fui adotado por uma família britânica. As coisas não saíram como planejado, e antes do esperado eu estava em um abrigo para crianças e adolescentes. Em todos esses lugares, eu nunca vi uma casa. Talvez a construção fosse uma, mas as pessoas não.

E neste interim, eu cresci e me tornei eu. Não a melhor pessoa, e provavelmente não a pior. Eu fiz o que precisava fazer para sobreviver.

O zelador do orfanato nunca ia para casa, se é que ele tinha uma. Ele estava sempre lá, vigiando as crianças e nos proibindo de tocar o terror. Eu ouvi muitas histórias sobre ele; que era um vampiro, que não tinha família, que tinha filhos no orfanato, que sua família havia morrido. Nunca soube a verdade.

Mas a questão é que eu vivi muito tempo com este homem. Ele não foi um filho da puta como a maioria das pessoas. Eu cresci e ele envelheceu. Eu fiz fortuna enquanto ele passava dificuldades, porque não podia mais trabalhar. E quando pude voltar para a Itália, eu o trouxe para morar comigo.

Eu não gosto dele, mas sou justo. As pessoas têm de mim o que merecem, e isto valia para ele. Manfred é seu nome.

Ele age como se fôssemos amigos, embora tenha certeza de que não temos idade para isso. Nossa relação é de proximidade, mas não intimidade. E o motivo pelo qual eu o suporto por tantos anos é porque ele não tenta ser meu pai, ou um conselheiro. Ele me vê fazendo o que quero com minha vida e simplesmente não se importa.

A casa na Itália fica em uma ilha nas proximidades de Veneza. Sequer está no mapa. Precisa-se de um barco para chegar na ilha, e um carro para ir da praia até a propriedade. E mesmo sendo o lugar mais remoto da Itália, e onde Manfred fica, ele raramente sai da ilha. Não o julgo. Eu mesmo passei dois anos aqui, sem sentir a menor necessidade de visitar o mundo normal.

O sol está se pondo no horizonte quando caminho pelo jardim da casa, em direção a porta. Não me surpreende que Manfred esteja ajoelhado diante do canteiro de rosas. Este é o motivo pelo qual ele nunca sai daqui: o jardim. A grama está sempre bem aparada e verde. As árvores produzem bem. As flores florescem o ano todo.

- Oi - saúdo.

Ele vira o rosto para mim, mas não solta a tesoura de poda que tem em mãos, nem faz menção de levantar. Eu desconfio que, se eventualmente eu não voltar para casa, Manfred não notará minha falta.

- Você demorou - ele observa.

Manfred corta uma folha amarelada da roseira, que destoava de todas as outras verdes. Esta é a única coisa que ele ama em toda sua vida. O velho teve uma família, há quarenta anos atrás, mas eu não sei o que houve, e nunca perguntei. Sei que todos morreram, o restante não é da minha conta.

Manfred volta a cortar os galhos imperfeitos. Tem dois meses desde a última vez que eu estive aqui, e o velho sequer parece ter notado. Ele vive em seu próprio mundo.

- Trabalho - respondo.

Ele olha para mim por cima do ombro, com seu rosto enrugado e olhar sábio. Me julgando. Manfred sabe o que eu faço. Claro, seria impossível esconder o arsenal de armas no porão. No entanto, ele nunca se deu o trabalho de me questionar, ou de vasculhar minhas coisas em busca de respostas. Manfred se conforma com o que sabe e o que tem.

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