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LEBLANC...

Mais uma chamada perdida. Não, eu não pretendo atender.

Os últimos três dias foram como um limbo, deslocados da minha realidade. Normalmente, eu não me permito hesitar. Minhas decisões precisam ser instantâneas. No entanto, passei três dias tentando me decidir, e optei pela solução mais fácil. Consequentemente, a mais imbebil.

Pela primeira vez desde que comecei meus trabalhos, estou abrindo mão de um. Eu descobri que era bom resolvevendo a vida das pessoas. Como Daniel, por exemplo. Ele era um empecilho para seu filho, e eu o ajudei. Alguém sempre sai prejudicado, fato, mas meu trabalho não é julgar quem está com a razão. Um tiro, esse é meu trabalho.

Mas eu errei. Não costumo admitir meus erros, porque eles são raros, no entanto, agora é preciso. Errei ao aceitar trabalhar para Margot Donneli. Eu estava tão certo de que seria um trabalho fácil que não pensei no trabalho que teria até conseguir um álibi decente. Eu queria ser o último suspeito, mas a garota me odeia. Me tornei o primeiro.

Regra número um: nunca ter contato com o serviço. Não criar memórias. É natural do ser humano sonhar com os seus últimos pensamentos, e eu não quero sonhar com as pessoas que enviei para o céu.

Eu quebrei essa regra com Angelic. Eu tracei um plano que não funcionou, então tive que improvisar. Eu só não contava com a curiosidade e coragem dela. Ela aprendeu o caminho até mim; na igreja, no Bronx, na Casa Branca. Eu nunca passei desapercebido por seus olhos.

O celular vibra novamente. Não vou atender.

Pode ser o detetive Pierce querendo saber algo sobre o último atentado. Pode ser Elliot puxando saco para financiar sua campanha. Pode ser Margot querendo informações do serviço contratado. Em todo caso, não vou atender.

Caminho até meu carro após sair do armazém. Eu sei que Angelic esteve aqui ontem, e antes de ontem, e antes de antes de ontem. Ela me procurou, porque aprendeu a fazer isso toda vez que tem uma dúvida, ou que está curiosa e entediada. Ela gosta do Bronx porque só vem aqui quando quer. Tudo isso é um grande parque de diversões.

Entro no carro e dou partida. Aquela garota é tão impertinente que encontrou a pistola sob o banco. Que outra pessoa encontraria? Que outra pessoa sequer procuraria? No entanto, preciso confessar, ela chama minha atenção toda vez que se intromete nas minhas coisas. Quase posso dizer que sua curiosidade salvou sua vida.

Quando me afasto do Bronx, começo a perceber o aroma dentro do carro. Aquele cheiro de shampoo de morango e colônia, o cheiro dela impregnado nos bancos. Eu errei feio. Não devia ter permitido que um trabalho se aproximasse tanto da minha vida pessoal. Agora preciso lidar com o perfume dela toda vez que entrar no carro, até mandar para a lavagem. Sim, farei isso.

Desvio meu caminho para o lava-jato. Preciso tirar Angelic do meu sistema e me livrar dos seus rastros.

Algumas pessoas que fazem o que eu faço costumam guardar algo de suas vítimas. Fios de cabelo, um dente, uma joia... eu não. Quero me manter o mais distante possível de tudo que me lembre os serviços que fiz. Não sou um psicopata.

Chegando ao lava-jato, noto uma fila quilométrica de carros. É sábado, e consequentemente todas as pessoas decidem lavar seus carros para a semana. Ótimo!

Duas opções: esperar por horas ou ficar com o cheiro dela no carro. Trocar de carro também seria interessante, no entanto, eu pretendo voltar para a Europa em breve. Não compensaria. Neste caso, tomo a decisão mais difícil da minha vida: esperar.

O celular toca novamente, e desta vez eu atendo.

- Olá.

- Olá, Bruce. Pensei que não me atenderia. Você é um homem ocupado, eu entendo.

ÚLTIMA DANÇAWhere stories live. Discover now