Dei play no IPad e o som saiu por todas as caixas do apartamento. Júlia mexeu seu corpo instantaneamente.

- O bolo vai demorar muito, dinha? – Ela indagou atrás de mim. Me virei e abanei a cabeça em negativo, cantarolando a música em silêncio. Estávamos à vontade em casa. Eu com um shortinho que não chegava ao início das coxas e um top que sustentasse bem os seios. Ela estava só de blusinha e calcinha, o que a deixava ainda mais infantil do que era. – Dinha? – Ela chamou novamente e me virei com a bacia nos braços, movendo a colher para mexer a massa. A batedeira estava bem próxima, mas eu preferia fazer como minha mãe fazia quando era do tamanho de Júlia. – Posso ver TV no seu quarto?

- A música está incomodando, amor? – Indaguei pronta para abaixar o som.

Ela abanou a cabeça em negativo, fazendo seu cabelo se abanar junto. – Só quero ver desenho.

- Tudo bem. – Respondi. Me movi em sua direção, enquanto ela movia as pernas com ansiedade contida. Peguei-a pela cintura e coloquei-a no chão.

Ela começou a caminhar, mas retornou antes que chegasse à sala. Ela me puxou com seus dedos, até que eu me ajoelhasse para ficar na sua altura. Seu dedo minúsculo se levantou e ela o passou pela ponte do meu nariz, até a ponta do mesmo. As lágrimas escorreram assim que ela saiu e aquele era um fato que eu nunca enfrentaria sozinha. Eu precisava de alguém naquele momento e o único que entraria por aquela porta naquela noite, seria Henrique. Eu o queria como amigo. Só para tirar a dor do meu peito, mesmo sabendo pelos problemas que ele passava.

Consegui controlar o choro e terminei a massa do bolo de chocolate, colocando-o no forno. A campainha tocou e antes de chegar perto da porta eu sabia quem estaria atrás dela. Meu coração acelerou e minhas mãos ficaram frias pelo suor instantâneo que tomou conta de ambas. Caminhei até a porta com lentidão e respirei fundo antes de abri-la por inteiro, encontrando Henrique com o paletó e a gravata em mãos e um sorriso nos lábios. Em suas mãos, ele trazia uma garrafa de vinho lacrada e uma rosa vermelha. Eu sorri, sabendo que estávamos em uma fase de conquista e adorando estar passando por aquilo com alguém que já tinha meu coração.

- Entre, visitante. – Pisquei ao vociferar meu antigo apelido.

Ele entrou, tirando os sapatos com os pés e chutando-os para o lado. – Parece que invertemos os papéis. – Ele se abaixou e esquentou a lateral do meu rosto com um beijo cálido, enquanto eu trancava a porta da sala. – Onde está Júlia? – Ele indagou, caminhando até a cozinha e deixando o vinho sobre o balcão, olhando em todas as direções possíveis.

O nome da menina no quarto me levou de volta ao momento que ocorreu na cozinha. Ao carinho que queria de um filho meu.

- Está no quarto. – Respondi, caminhando em sua direção. Enquanto sentia seus olhos percorrendo meu abdômen e pernas desnudos. Era de atiçar o desejo de qualquer mulher.

Ele acenou em positivo, mostrando que entendera.

Repentinamente, senti que aquele era o momento certo para enclausurar certa dúvida minha. Como convidando a se sentar, eu puxei um dos bancos com pernas compridas e me sentei, puxando um pouco a barra do shortinho, para não se parecer tanto com uma calcinha. Seus olhos seguiram os movimentos dos meus dedos.

- Precisa de ajuda? – Ele indagou, sorrindo de maneira cafajeste e fazendo meu coração palpitar.

- Obrigada. – Sorri, desviando da cantada. – Queria te perguntar uma coisa. – Desviei o assunto completamente.

- Sim. – Ele incentivou, virando-se e abrindo as portas dos armários sobre sua cabeça, realçando seus bíceps sob o tecido da camisa e deixando o início de sua boxer a mostra. Ele retornou com duas taças em uma mão, separadas por seus dedos longos. Ouvi o baque da porta do armário e pulei, assustando-me. – Pode perguntar, linda.

Eu me derreti toda e me recuperei para perguntar: - Você amava mesmo Melissa? E por favor, eu quero que seja inteiramente sincero comigo.

Ele fez uma longa pausa, enquanto abria o vinho com extremo conhecimento do que estava fazendo e servia as duas taças pela metade, deslizando uma pelo balcão na minha direção. Depois de tomar um pequeno gole, ele abriu a camisa e deixou-a sobre o balcão e eu podia garantir que nunca tinha me sentido tão à vontade ou presente em um lar com minha família. Ele puxou um banco para se sentar bem diante de mim. Seus olhos estavam profundos e não conseguia enxergar nada além daquele brilho de memórias em seu olhar.

- Sinceramente? Eu pensei que amava. E foi por isso daqueles acontecimentos estranhos entre a gente. Pensei que poderia construir uma família com ela e com a menina que vinha a caminho. E sou sincero em dizer que sempre desconfiei da paternidade. Mas também sou sincero ao dizer que amo aquela criança no quarto. E que quando não quis ficar com ela foi puro...

- Medo. – Completei sua frase, como o que senti. – Sinto muito.

- Você não precisa sentir por nada, Agatha. E agora é minha vez de perguntar. – Ele se animou, abrindo um grande sorriso que se estendeu por seu rosto, iluminando-o. – O que você esconde de mim? – Meu coração afundou com sua sinceridade, ele sabia que ainda tinha algo. – Eu posso até imaginar o que seja, mas quero ouvir você me falando.

- Eu... eu... – Respirei fundo, desviando um pouco os olhos e decidindo não contar de cara o que havia ocorrido, decidi repercutir com uma história, para explicar tudo de uma vez. – Quando meus pais descobriram que fui estuprada, eles imediatamente marcaram consultas apressadas para mim. Depois de vários exames, veio a notícia de que eu tive um ponto de sorte naquele momento, mas que carregaria aquele fato pelo resto da minha vida. Eu nasci sem o útero, Rick. Não posso ser mãe. Não posso procriar um ser no meu ventre, nem sentir os chutes desta em um futuro. – As lágrimas já estavam rolando por minha face, Henrique não se aproximou como todos fizeram quando descobriram e gostei mais ainda daquilo. – Quando tive minhas tentativas de suicídio, não foi depressão por ter sido abusada, eu achava que era. Mas descobri que aquele só era um dos pequeninos fatos que ajudava. A maior tristeza que eu guardava era o fato de não poder construir uma família. Não poder dar uma neta ou neto pra minha mãe. E impedi-la disso porque sou filha única. Foi por isso que sofri tanto quando cheguei e me deparei com Melissa grávida. Ela sabia desse meu segredo, provavelmente por Natan e me chantageou, dizendo que contaria pra você. Foi por isso que viajei. E quando voltei, minha intenção era te contar tudo, pra enfrentarmos meus demônios e termos um relacionamento verdadeiro, mas...

- Era tarde demais. – Ele completou com olhos vagos, olhando-me com atenção.

O forno apitou nos avisando que o bolo estava pronto e eu fiz o que eu queria ter feito quando ele entrou por aquela porta vestido daquele jeito. Eu me atirei em seus braços sem pensar no que aquilo acarretaria para nossa relação. Sem pensar no que tínhamos, enfim, compartilhado. Sem pensar no futuro ou passado, mas curtindo o presente com a maior intensidade que eu podia me permitir. Fiquei entre suas pernas, sentindo-as me preencher do quadril para baixo. Abracei seu pescoço com força, inalando seu cheiro gostoso e me enroscando toda nele, enquanto ele me abraçava pela cintura, me apertando com seus dedos ágeis e me deixando chorar por aquilo que eu também não podia dar para ele. Um filho.

Apenas MeuWhere stories live. Discover now