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Dirigiu sem pressa alguma até o Convento de Nossa Senhora do Sagrado Coração, e chegou a tempo de pegar a missa das 9h. As ruas de New Shore eram calmas nos domingos de manhã. Nada da agitação ou da gritaria que reinava durante os sábados à noite. Os jovens sorridentes e embriagados tinham sido substituídos por famílias que passeavam despreocupadas debaixo do sol, indo à praia ou tomar café com os filhos nas padarias. As portas dos bares e das boates encontravam-se fechadas, os gerentes lá dentro provavelmente exultantes com o dinheiro que fizeram durante a madrugada. Ele passou pela universidade de Sioux, e pôde imaginar os estudantes desmaiados em seus quartos, acordando de ressaca e descobrindo que a bebedeira não fora uma ideia assim tão boa. O céu era um tapete azul estendendo-se por quilômetros lá em cima, sem uma nuvem sequer para maculá-lo.

Parou seu Ford de placa falsa no estacionamento do convento. Carros lotavam o lugar, como se todo mundo tivesse um encontro inadiável com Deus. Uma forma de compensar os pecados cometidos durante uma vida toda, ele imaginava. Como se uma hora de orações fosse o suficiente para purgar aquelas pessoas do câncer negro que crescia em suas almas. Desceu do veículo e juntou-se à multidão que caminhava rumo à igreja, misturando-se. Era bom em se misturar. Podia andar em meio àquelas famílias e ser parte delas. Fundir-se àquele mundo falso e tornar-se uma mentira também. Crianças lhe sorriam, pais acenavam, casais de idosos o cumprimentavam, sem nem desconfiarem que se dirigiam a um ser superior. Sua Luz estava bem escondida em seu interior. Mas logo as pessoas teriam um vislumbre de sua glória. Era para garantir isso que ele estava ali.

Entrou na igreja, ajudando uma velhinha a subir as escadas, e sentou-se em um banco que ficava no meio da nave. Ocupou a ponta, tendo ao seu lado direito uma jovem com os cabelos pintados de azul e que lhe lançava olhares de soslaio. Podia senti-la inspecionando seus músculos, e a cicatriz em seu pescoço coçou debaixo das camadas de maquiagem, querendo ser notada. Ele teve vontade de agarrar a cabeça daquela garota e partir sua espinha.

Fechou as mãos com força nas coxas para se controlar, enquanto as pessoas ocupavam o restante dos lugares.

- Nunca vi você aqui – comentou a jovem ao lado dele, como quem nada quer. A luz do sol era filtrada pelos vitrais de vidro colorido das janelas e desenhava manchas verdes, amarelas e vermelhas no cabelinho azul dela.

- Eu não sou daqui – ele disse, virando-se para ela. – Estou só de passagem.

- Ah – ela fez. Mascava um chiclete. Ele pôde ver a goma branca na língua vermelha dela. – Sei. Frequento essa igreja todo o domingo, por isso conheço as pessoas que costumam vir também.

Todo o domingo. Isso o fez lembrar da matéria que lera sobre os Straub. Vizinhos disseram que a família frequentava a igreja todo o domingo. Imaginou os Straub ali, sentados juntos em um banco, o menino enfiado entre os pais, os três com os rostos erguidos para a enorme cruz que ficava acima do altar. Os olhos voltados para o Cristo em toda a Sua glória agonizante. Pedindo a Deus que os livrasse do mal. Só que, no final, Deus não os salvara de coisa alguma. Não os salvara dele.

- Qual é o seu nome? – perguntou a cabelinho azul.

- Elroi Hauzer. E o seu?

- Jéssica – ela estendeu uma mãozinha minúscula que sumiu dentro da palma dele quando ele apertou-a. – Jéssica Shepard. Hauzer é um sobrenome alemão?

Cuidado agora.

- Meus avós eram alemães – ele disse.

- Pôxa, que legal. Eu sempre quis conhecer a Alemanha – os olhos dela brilharam. – Desculpe perguntar, mas como você fez isso aí?

A Voz da Escuridão.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora