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De novo, aquela intransponível muralha negra feita de ossos que subia infinitamente e descia infinitamente.

De novo, Sophia chocou-se contra ela a toda velocidade, sendo esmagada como uma mosca em uma tela de janela.

De novo, ela caiu.

Despencou rodopiando, quase como daquela vez em que caíra de sua Harley Night Road nas florestas cobertas de neve do Canadá. Havia uma diferença, no entanto: ali, não existia luz do sol. Não existia luz alguma. Tudo era escuridão, trevas tão densas que chegavam a ser sólidas, envolvendo-a por todos os lados, fechando-se sobre ela como uma mão pronta para transformá-la em migalhas.

Sophia caía e caía a uma velocidade desconhecida, pelo menos cem vezes maior que a da luz. Suas pernas e braços giravam alucinadamente, em busca de alguma coisa em que se agarrar, embora a garota não possuísse um corpo naquele lugar. O que despencava era sua mente, descendo cada vez mais rumo ao vazio eterno que a aguardava abaixo, a muralha de ossos correndo ao seu lado em um borrão escuro, gigantesca e onipresente.

Vou cair para sempre.

A ideia causou-lhe um terror maior do que qualquer outro que ela sentira até então. Tentou imaginar como seria passar a eternidade naquele lugar, rodopiando no vazio, tornada cega e surda pela escuridão, e não conseguiu. Algumas coisas são tão terríveis que a mente simplesmente não consegue concebê-las. Parecia ser o caso ali, embora Sophia não pudesse se dar ao luxo de não pensar. Deixou que o medo a guiasse – o medo é uma luz guia tão boa quanto qualquer outra, afinal – e estendeu os dedos que não possuía na direção da muralha, tateando o negrume, procurando alguma fresta naqueles ossos na qual se firmar. Não encontrou nada e deu um grito de desespero. O som era inexistente, assim como eram inexistentes as cordas vocais que o produziam.

De repente, sua garganta travou, interrompendo seu grito de medo e frustração. Ela tentou respirar e descobriu que não conseguia. O desespero explodiu dentro dela como um vulcão há muito adormecido entrando em erupção. O pouco de ar que lhe restava escapou enquanto

***

ele apertava e apertava sua traqueia. Sophia, aqui eao mesmo tempo, ergueu a mão esquerda e deu um soco débil nos dedos dele, fechados em torno de sua garganta. O homem sequer piscou, apenas continuou a estrangulá-la. A garota tentou puxar ar outra vez, mas era impossível respirar qualquer coisa com aqueles grilhões de ferro esmagando seu pescoço. Sophia sentiu a boca encher-se de sangue. Lágrimas tomaram conta de sua vista, seguidas por uma névoa branca que se espalhava sobre seus olhos como areia. Entendeu que, se não fizesse alguma coisa logo, cairia na inconsciência. E, naquela situação, desmaiar e morrer possuíam uma relação sinônima.

Pela cortina de névoa cada vez mais densa em sua visão, Sophia viu o rosto destruído do homem de negro encarando-a com um olho amarelo e brilhante. O outro globo ocular não passava de uma cratera obliterada e vermelha. Ainda lutando por ar – ela sabia que era inútil, que era um desperdício de energia, mas, àquela altura, seu corpo já seguia os próprios imperativos e funcionava por vontade própria, tentando respirar pelo simples fato de que precisava respirar – Sophia baixou a mão, enfiou-a no bolso da jaqueta e

***

não conseguiu alcançar a muralha. Se houvesse alguma coisa lá na qual se agarrar, Sophia simplesmente não era capaz de chegar até ela. Tudo o que podia fazer era cair enquanto a escuridão que a envolvia entrava em boca e narinas, sufocando-a pouco a pouco, enchendo seus pulmões com o que parecia ser cimento. Suas pálpebras ficaram pesadas. Sua mente tornou-se estranhamente aérea, o que foi bom, porque o medo de despencar para sempre recuou um pouco e deu lugar a um entorpecimento engraçado e não de todo ruim – era muito bem-vindo, aliás.

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