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Quando o sol de domingo nasceu, Watson continuava acordado na cama, encarando o teto do quarto que alugara no Days Inn New Shore, o hotel no qual ele e Grimmes haviam se hospedado.

Não pregara os olhos a noite inteira. Chegara a cochilar um pouco, mas nada que pudesse ser chamado de sono. Sentia-se um menino de 5 anos sofrendo de terrores noturnos: toda vez que adormecia, tinha pesadelos que o faziam acordar com um pulo no colchão, empastado de suor e respirando com dificuldade. Em um desses sonhos, ele corria por uma floresta sem fim, fugindo de alguma coisa que o perseguia por entre as árvores gigantescas. Raízes vivas se contorciam no chão e tentavam se enroscar em seus tornozelos; galhos se inclinavam em sua direção, como dedos cadavéricos que buscavam quebrar seu pescoço. Em algum momento, ele tropeçava e caía de joelhos, e a última coisa que via era um par de olhos laranjas saído da escuridão quando a besta que o perseguia finalmente o alcançava. Em outro sonho, Watson se via em um lago cercado por cortinas de névoa, mergulhado na água até a cintura. Não conseguia enxergar um palmo à sua frente, mas escutava gralhas berrando em algum lugar ali perto. Tentava andar, e dedos frios se fechavam em sua panturrilha, puxando-o para baixo. Ele lutava, chutava e resistia, porém a força do que quer que o agarrasse era muito maior, e ele afundava. Olhava para baixo e dava de cara com o rosto de um cadáver. Um menino com a pele carcomida e esticada no crânio, sorrindo para ele com dentes amarelos e uma língua negra. Seu globo ocular esquerdo não passava de um emaranhado frenético de vermes que se contorciam, e seu único olho direito era uma esfera leitosa e cega. Nos cabelos pretos, uma galhada de chifres cor de madeira podre. Watson fazia um último esforço para escapar do garoto morto, mas então a água entrava em seus pulmões e as trevas o cobriam.

Foram esses os monstros que, saídos de seu subconsciente traumatizado, mantiveram Watson acordado a noite inteira. E agora já passava das 7h da manhã, e Watson precisava colocar-se de pé, embora a perspectiva de encarar o dia sem ter descansado um minuto sequer não fosse nada animadora. Imaginou se Danny Straub alguma vez já passara a madrugada em claro por causa de pesadelos. Se ele já se levantara às 3h da manhã e correra para o quarto dos pais depois de sonhar com algo ruim. Podia vê-lo se enfiando no colchão de casal, espremendo-se entre Johnny e Mary-Anne, a mãe beijando-lhe os cabelos e o pai ficando com apenas um cantinho da cama, fingindo irritação, mas feliz por ter o filho perto de si.

Esse pensamento tirou Watson da cama. Não parecia certo ficar deitado enquanto o filho da puta que assassinara os Straub continuava lá fora, livre para matar mais gente. Ele tomou uma rápida chuveirada e vestiu-se com as roupas amarrotadas que usara no dia anterior. Estava escovando os dentes quando seu celular tocou em cima do criado-mudo. Watson cuspiu na pia e pegou o aparelho, esperando que a ligação fosse de sua esposa, mas lendo "Chapman" na telinha.

- Alô?

- Acordei você? – disse Chapman.

- Não – suspirou Watson. Sentou-se no colchão e esfregou o rosto com barba por fazer. – Eu já estava de pé.

- Imaginei – a voz de Chapman soava cansada. Watson perguntou-se se o diretor também passara a noite acordado depois de ir embora de New Shore, sendo perseguido por monstros madrugada adentro. – Tenho uma informação sobre o assassino. É importante.

Os alarmes internos de Watson apitaram. Ele pegou um bloquinho de anotações e uma caneta que trazia no bolso.

- Manda – disse.

- Ele tem uma cicatriz no pescoço – disse Chapman.

A mão de Watson hesitou. Ele encarou o bloquinho aberto em sua perna, a folha em branco olhando-o de volta, e baixou a caneta.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now