8 (II)

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Ron Langdon, nascido e criado em Oldwheel, tinha completado 23 anos naquela semana. Tinha também acabado de conseguir um emprego no All Need, a lojinha de conveniência com um posto de gasolina da cidade. O rapaz alterava suas tarefas entre cuidar do caixa e encher os tanques dos poucos carros que paravam ali de vez em quando. O salário não era lá essas coisas, mas, se Ron soubesse economizar direitinho, talvez conseguisse comprar uma aliança de namoro para Anne, a garota bonita de olhos azuis e cabelo de ouro que lhe roubara o coração e o ensinara a ter culhões, criar vergonha na cara e descolar uma grana sem depender dos pais.

Naquela noite, Ron estava responsável pelas bombas de gasolina. O movimento era ridiculamente baixo – ele enchera apenas dois tanques em quatro horas – e por isso o garoto não viu problema algum em colocar os fones de ouvido, sentar-se no banquinho de madeira ao lado da porta da loja de conveniência e ler uma revista sobre videogames. Se a aliança que planejava dar a Anne não mandasse suas economias para a estratosfera, ele podia muito bem comprar também um Playstation 4 ou um X-Box One. Quem sabe?

- Ninguém sabe – murmurou Ron, balançando o pé ao ritmo da música eletrônica que escutava e virando a página da revista. – A vida é cheia de surpresas.

De fato. E a maior surpresa da vida de Ron Langdon até ali – mas não a mais dolorosa, Anne só terminaria com ele na semana seguinte – virou a esquina da rua naquele momento, correndo como um judeu que conseguira fugir de um campo de concentração e agora buscava escapar de seus perseguidores nazistas. Ron ergueu o rosto e viu a garota magricela passar em disparada pela calçada do outro lado da rua, nua da cintura para cima, coberta de tatuagens e com os cabelos negros chicoteando para trás. Seu queixo caiu e a revista de videogames despencou de suas mãos para seu colo, embora o rapaz mal tomasse consciência disso.

Então veio o helicóptero, e o queixo de Ron Langdon só não caiu ainda mais porque sua mandíbula já tinha atingido o limite máximo de abertura. A aeronave, tão escura quanto os cabelos da garota que corria, jorrava uma luz branca e cegante na rua, como aquelas que Ron via em holofotes nos palcos de shows de rock. Suas hélices batiam com um tumtumtum quase hipnotizante, o som poderoso o suficiente para fazer os dentes de Ron Langdon tremerem em sua boca.

- Que barulheira é essa? – a portinha da loja de conveniência abriu-se e uma mulher ruiva e enorme, com ombros de dar inveja a um lutador de MMA, saiu. – Ron? Que barulheira é essa?

Com muito esforço, Ron virou o rosto para Teddy, sua chefe e dona da loja de conveniência/posto de gasolina. Percebeu que seu queixo caíra e fechou-o com um estalo. Então apontou para a rua. A essa altura, vários curiosos corriam para ver o que se desenrolava adiante, atraídos pela garota e pelo helicóptero como um bando de urubus é chamado pela carniça.

- A garota – disse Ron. – E o helicóptero.

- A garota e o helicóptero? Que porra é isso, uma fábula? – Teddy arrancou os fones do ouvido de Ron com um puxão. – E o que você está fazendo sentado aí? Deveria estar cuidando das bombas de gasolina.

- Não veio ninguém a noite toda, Teddy – Ron levantou-se e a revista caiu de seu colo. Ele sequer se deu ao trabalho de pegá-la. De repente, um Playstation 4 não parecia mais uma prioridade. Até a aliança de namoro despencara do topo do ranking e dera lugar à curiosidade. – Vou ver o que está acontecendo.

Ignorando os xingamentos de sua chefe – e ciente de que ela o seguia de perto, tão curiosa quanto ele – Ron correu para a rua a tempo de ver a garota capengar até a oficina que ficava logo na esquina. O helicóptero acima dela, uma coisa enorme de metal feita de luz e barulho, perdia altitude e balançava como uma pipa ao vento enquanto buscava um ponto para pousar. Abismado, Ron tirou seu celular do bolso, acionou a câmera do aparelho e começou a filmar.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now