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- Foi assim que você se machucou? – perguntou Lívia. – No acidente?

- Não – Sophia balançou a cabeça e apagou o cigarro. Era o quarto desde que ela começara a contar sua história para Lívia e Chapman. – Isso aqui nas minhas costas veio depois. Eu saí praticamente ilesa daquele acidente de carro – deu de ombros. – Graças a Deus pelos pequenos milagres, certo?

- E o que aconteceu depois? – perguntou Chapman. Ele sentava-se na ponta do sofá, com as mãos entre os joelhos. Não pegara no celular desde que Sophia dera início ao seu relato. O aparelho tocara duas vezes, e Chapman ignorara por completo as chamadas. – Você voltou para o rapaz?

- Grace – disse Sophia. Achava importante que Chapman e Lívia gravassem o nome dele. Elboni tinha sido uma boa pessoa para Sophia naqueles primeiros meses após ela fugir do hospital. Às vezes, pegava-se pensando nele: em seu sorriso torto, em seu jeito meigo, no modo como ele agitava as mãos sempre que ia falar qualquer coisa, e sentia vontade de chorar.

- Isso – disse Chapman. – Grace. Você voltou para ele?

- Não. Eu nunca mais vi o Grace. – Despedira-se dele com um bilhete. Palavras de meia-noite escritas às pressas em um guardanapo, num quarto escuro de um motel caindo aos pedaços. Desculpe ter que ir embora assim, mas espero que você entenda. Obrigada por tudo. Vou sentir sua falta. Ele merecia um adeus melhor. Deixara o papel com a recepcionista, pedindo que ela o entregasse para o "rapaz que vinha aqui de vez em quando". "O de sorriso bonito?" Perguntara a mulher, e Sophia dissera que sim. Ele tinha um sorriso bonito. Sophia não se lembrava de ter dito a Elboni o quanto amava o jeito dele de sorrir. – Voltei a pé para o lugar onde eu estava hospedada, sem nem olhar uma segunda vez para a BMW destruída, peguei minhas coisas e fui embora de Newburyport – ela continuou. – Saí da cidade com o carro que Slendy me deu, que eu larguei estacionado no cais – a garota fez uma pausa para morder o lábio inferior. – Peguei também toda heroína que consegui encontrar escondida no clube dele.

- Ah, Sophia – fez Lívia. – Por quê?

- Porque eu era uma viciada – ela respondeu. – E ainda sou. Ninguém deixa de ser viciado em drogas, assim como ninguém deixa de ser alcoólatra. Você só aguenta. Lembram-se de como foi na minha adolescência? Das minhas crises?

- Lembramos – assentiu Lívia. É claro que lembravam: foram Chapman e Lívia que ficaram do lado de Sophia quando a garota estava tirando aquela merda toda de seu sistema. Que seguraram sua mão enquanto ela se contorcia imunda nos lençóis, gritando durante suas crises de abstinência. Que deram banho nela e a limparam enquanto Sophia chorava e implorava por mais uma picada, só mais uma, por favor, e eu juro que nunca mais uso, eu estou morrendo sem isso, não conseguem ver?

- A diferença era que eu estava sozinha – disse Sophia. – Não tinha vocês para me ajudar a largar as drogas.

- Mas você largou – disse Chapman. O celular tocou ao lado dele outra vez, e ele pegou o aparelho apenas para desligá-lo. – Você parou de usar.

- Parei – concordou Sophia. – Encontrei pessoas que me ajudaram. Boas pessoas. Tive sorte.

- Ontem à noite você disse que tinha "mais ou menos" um lugar para ir além daqui – disse Chapman, fazendo as aspas com os dedos. – Mas que não podia voltar para lá. Fiquei com isso na cabeça. Você estava falando dessas pessoas?

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now