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Watson, que Deus o abençoe, guardava uma sirene de polícia no porta-luvas, e Chapman fixou-a no teto do carro, ligando-a antes de disparar pelas ruas de New Shore. O apito alto e a luz vermelha girando e piscando eram o bastante para impedir que as pessoas entrassem na frente, e Chapman dirigiu sem se importar com coisas como limite de velocidade, placas de pare, sinais fechados ou faixas de pedestres. Os demais veículos abriam caminho para ele e, quando entrou na rua que levava ao convento, Chapman estava a quase 200 por hora. Passou tão rápido pelo parque de diversões que sequer reparou nos homens montando os brinquedos no campo ou na jovem morena de vestido verde que o olhava.

Vá devagar, disse Lívia para ele. Você vai acabar se matando assim, e nossa garotinha precisa de você. Por isso vá devagar.

Chapman diminuiu a velocidade. Suor ardido entrava em seus olhos e cobria seus lábios com uma camada salgada. O para-brisa não passava de um borrão molhado, o vidro transformado em uma parede cinzenta e escorrida feita de gotas de chuva. Chapman percebeu, com um frio nas entranhas, que dirigia guiado apenas por instinto e raiva, fazendo o caminho de cabeça, sem realmente enxergar a estrada. Meu Deus. Com os dedos trêmulos, ele acionou os limpadores e, quando eles fizeram seu trabalho, ele viu o portão do convento se aproximar.

Estacionou o carro de Watson de qualquer jeito e pulou para fora. A chuva dera uma trégua, e Chapman chapinhou em poças d'água até o portão, xingando ao deparar com o cadeado na corrente.

- Mas que merda – ele deu um puxão na corrente e ela soltou-se, desenrolando-se como uma cobra de ferro. Alguém largara o cadeado aberto e ele saiu na mão de Chapman, que o olhou por um instante antes de jogá-lo no chão.

Passou pelo portão e não tinha dado nem três passos quando escutou o barulho. Primeiro, achou que fossem trovões rolando pelo céu chuvoso. E então dedos gelados se fecharam em seu coração quando ele reconheceu o som. Já tinha ouvido incontáveis vezes aquele trum-trum-trum-trum. As hélices de um helicóptero.

Harvey já estava ali.

Não fique parado aí! Gritou Lívia. Isso não vai ajudar Sophia!

Como de costume, ela estava certa. Chapman começou a correr, arrancando a Glock do coldre enquanto as solas de seus sapatos pisoteavam as poças e levantavam água para o alto. O barulho das hélices não vinha do céu, como era de se esperar, mas sim de algum ponto atrás da igreja. Vamos, vamos, mais rápido. Chapman apertou o passo e disparou pela grama molhada do jardim, abaixou-se para desviar de um punhado de galhos de uma árvore e irrompeu para o lago do convento. Então, mesmo com a voz de Lívia em sua cabeça gritando para ele se apressar, Chapman estancou diante da cena que se desenrolava à sua frente.

Teve cinco ou seis segundos para processar o que via – o tempo antes da explosão acontecer. Primeiro, viu Sophia caída de joelhos à beira do lago, o braço esquerdo erguido e a palma aberta na direção de Harvey. Parecia um gesto de "pare aí mesmo". Harvey, de pé a cerca de sete metros de Sophia, pernas separadas e apontando uma arma para a garota, estava rodeado de soldados com coletes escuros e fuzis. Depois, os olhos de Chapman caíram no helicóptero pousado no jardim, nas hélices que batiam furiosas e criavam ondas na grama. E então houve um estampido, um barulho alto de plop!, e a aeronave desapareceu em uma bola de fogo.

Chapman gritou – achou ter gritado, pelo menos, porque um zumbido insuportável e penetrante que abafava todos os outros sons tomou conta do mundo – e jogou-se na grama por puro instinto, o que salvou sua vida. Se tivesse continuado de pé, teria sido cortado ao meio por uma das hélices do helicóptero que veio rodopiando em sua direção e – vlaaash! – varou o espaço onde ele estivera um segundo atrás. Ele chegou a sentir uma mão quente de ar pressionando suas costas quando aquela lâmina de metal gigantesca e mortal passou a menos de um metro acima dele, piruetando insana e cravando-se em uma árvore, quase arrancando-a pelas raízes com a força do impacto. Outra hélice despencou no lago com um barulho alto de queda d'água, levantando uma nuvem de espuma branca, destruindo o pedalinho e decapitando o cisne de madeira.

Com as mãos pressionando a cabeça, Chapman ergueu do chão o rosto sujo de lama e grama, procurando algum sinal de Sophia, mas tudo o que viu foi fogo e fumaça.

Começou a gritar o nome dela.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now