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Quando Bernard Chapman pediu Lívia – até então Lívia Kudrow Sassaki, a caçula de três filhas – em casamento, ele não tinha muito dinheiro. Por isso não conseguiu comprar uma aliança decente. Estavam deitados no sofá do apartamento de solteiro dele, em Boston, com uma caixa de bombons aberta e devorada entre eles e assistindo De Volta Para O Futuro. Ele olhou-a de canto, sentindo-se nervoso como nunca antes em toda a sua vida. Namoravam há quatro anos e, ainda assim, aquela vozinha traiçoeira dentro da cabeça dele sussurrava: quatro anos não são nada. Ela vai dizer não.

E se ela dissesse não?

Bom, só havia uma forma de descobrir.

- Livy?

- Hum? – ela não desviou os olhos da televisão, o que foi bom. A coragem dele se equilibrava em um fio, e Lívia sempre fazia com que ele perdesse as bases. Achava que não conseguiria fazer aquilo encarando-a.

- Eu estava pensando...

- Achei que tivéssemos concordado que eu sou parte pensante da relação – e olhou-o. A coragem dele fraquejou.

- Certo, mas dessa vez eu estive pensando e... – e agora? E se ela dissesse não? – O que acha de morarmos juntos?

Lívia sentou-se ereta com um pulo, totalmente esquecida do filme, e Chapman obrigou-se a olhá-la no rosto. Aí vinha, a resposta. Como um trem que podia tanto atropelar seus sonhos quanto levá-lo ao paraíso.

- Morarmos juntos? – ela disse.

- É. Você sabe, aqui. Você podia se mudar e...

- Bernard Chapman, você está me pedindo em casamento?

Ele estava. Que Deus o ajudasse, mas era exatamente isso.

- Casamento? – ele raspou a garganta. – Estou. Se você quiser, é claro.

Lá estava ele, tentando e falhando em fazer um pedido de casamento perfeito a uma mulher que sempre dizia não querer a perfeição. Lívia encarou-o com seus olhos mestiços, a sombra do que parecia ser um sorriso em seu rosto. Na verdade, era difícil para ele desvendar a expressão dela naquele momento. Como tentar encaixar uma peça de quebra-cabeça no lugar errado.

- Se você vai casar comigo, Benny, precisamos de uma aliança.

- Isso é um sim?

- Talvez. Quero dar uma olhada na aliança antes.

Ele coçou a cabeça – seus cabelos na época eram fartos e escuros – e estava prestes a dizer que não tinha comprado nenhuma aliança, quando olhou para a caixa cheia de bombons comidos. Pegou uma embalagem rosa de chocolate e cortou-a em duas tiras, dobrando cada uma e formando pequenos canudos de plástico. Então ajoelhou-se em frente à Lívia e tomou a mão esquerda dela.

- Lívia Kudrow, você aceita se casar comigo? – perguntou.

E Lívia disse que sim.

Com cuidado, Benny envolveu o anelar esquerdo dela com uma das tiras da embalagem de bombom e deu um laço.

- Prometo que vou arranjar uma aliança melhor depois – ele disse.

- Não – Lívia ergueu a mão esquerda diante do rosto, sorrindo para a aliança de embalagem rosa-choque em seu anelar. – Oh, Benny, não. Isso aqui já está perfeito.

E estava mesmo. E, embora o casamento deles não tenha sido sempre perfeito, Lívia jamais olhou para trás. Benny realmente comprou outra aliança mais tarde – uma dourada e reluzente, mas que nunca chegou a brilhar como o anel feito de embalagem de bombom. Não tiveram filhos, mas adotaram uma garotinha de cabelos negros e olhos verdes. Quando os três se espremiam no sofá durante uma noite de domingo para assistir a algum filme antigo na televisão, Lívia olhava para a garotinha sentada entre ela e o homem com quem decidira passar a vida e pensava que aquele "sim" dito há tanto tempo continuava sendo a decisão mais correta que ela já tomara.

Só que coisas perfeitas como abraços e beijos e bombons nunca duram para sempre.

Naquela manhã de quarta-feira, Lívia – Lívia Chapman, embora o homem de quem adotara o sobrenome estivesse agora morto – ajoelhou-se em frente ao armário do quarto que dividira com Benny durante os últimos trinta e poucos anos. Tirou da última gaveta uma caixinha quadrada e amassada. A palavra "Lembranças" escrita na tampa parecia debochar dela. Lívia abriu-a e remexeu as fotos e as cartas até encontrar a aliança de embalagem de bombom. Estava desbotada, o plástico não mais rosa-choque, mas sim incolor. Não chorou. Não derramara uma lágrima sequer desde que recebera a notícia.

- Senhora? – chamou o agente do FBI que esperava por ela na sala.

- Só mais cinco minutos – ela respondeu. – Já estou indo.

Sentou-se no chão frio do quarto e passou muito mais que só cinco minutos olhando para a aliança de plástico na palma de sua mão. Que porra havia de errado com ela? Por que ela não conseguia derramar uma lágrima por Benny? Não era essa a coisa certa a se fazer? O ideal?

- Foda-se o ideal – ela disse em voz alta. O ideal é só outro nome para a ilusão, e o amor deles tinha sido tudo, menos ilusório.

- Disse alguma coisa, senhora? – perguntou o agente lá da sala.

Lívia enfiou a aliança de plástico no bolso do jeans, guardou a caixinha de lembranças de volta na última gaveta do armário e pegou sua bolsa em cima da cama, sem olhar para o lado que Benny costumava ocupar no colchão. Sabia que, se olhasse, o entendimento de que ele nunca mais se deitaria com ela a atingiria com toda a força. E então ela não choraria – ela enlouqueceria.

Saiu do quarto e encontrou o agente do FBI de pé na sala, olhando Boston pela janela e apoiado na poltrona de Sophia.

- Estou pronta agora – disse Lívia.

O agente virou-se para ela, e Lívia não pôde suportar a expressão no rosto dele. Tristeza. Tristeza não por Benny, mas por ela. Ela, que ficara para trás. Ela, que precisaria enfrentar dias e noites inteiras sem o único homem que já amara. Ela, que tinha sido abandonada.

- O carro está esperando, senhora – disse o agente. – Vamos levá-la para pegar o helicóptero até New Shore.

- Certo. Obrigada.

Ela deu as costas para ele e se encaminhava para a saída, quando o agente a chamou.

- Senhora? – Lívia virou-se para encará-lo. – Sinto muito.

Durante os dias seguintes, Lívia ficaria acostumada com aquelas duas palavras.

- Obrigada – disse Lívia. Ela se acostumaria com essa palavra também. – Podemos ir?

- Claro, por favor.

Lívia Chapman saiu do apartamento e fechou devagar a porta atrás de si. Pela primeira vez, deixou sua casa com a certeza de que, quando voltasse, a encontraria vazia.

***

Longe dali, um homem chamado LouCampbell também pegava um helicóptero. O destino era o mesmo – as intençõeseram bem diferentes.   

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now