5 (i)

395 52 29
                                    


Ela pegou um táxi até seu pequeno, silencioso e aconchegante apartamento em Boston. Fugira do hospital pela porta da frente, e ninguém sequer tentara impedi-la. Como Sophia garantira a Chapman: ela podia muito bem entrar na mente de todo mundo ali.

Subiu de elevador e recebeu com alívio a atmosfera melancólica do apartamento. As luzes estavam apagadas, e ela não as acendeu. Foi direto para o quarto, mancando devido ao tornozelo quebrado e engessado, puxou uma mochila de debaixo da cama e enfiou nela algumas mudas aleatórias de roupas. Depois pegou sua .380, que mantinha em uma caixa de sapato no fundo do armário. Arrastou-se de volta à sala e precisou deitar-se no sofá, ofegante e coberta de suor. Foi então que lhe ocorreu que fugir do hospital e do FBI no estado em que se encontrava tinha sido uma tremenda idiotice.

O teto e as paredes de sua sala giravam e se inclinavam, ameaçando prensá-la no concreto. Havia uma dor terrível e pulsante na boca de seu estômago e Sophia rugiu de agonia, dentes à mostra e veias do pescoço saltadas. Ela levou os dedos ao abdômen e tocou um líquido quente e pegajoso. Ergueu a mão diante dos olhos e encontrou sua palma pintada de vermelho. O sangue também desenhava uma poça em seu sofá, pingando em gotas que se abriam no piso como moedas escarlates.

A garota obrigou-se a sentar, arrancou a camisa e puxou o curativo encharcado de vermelho que envolvia seu abdômen. Quando olhou para o ferimento, ela fez uma careta e soltou o ar pelos dentes trincados. O corte em suas costas, onde a adaga entrara, continuava fechado, mas o buraco de saída da lâmina em seu estômago tinha se aberto. Ela estourara os pontos, e agora o sangue vazava de seu corpo como se ela fosse a porra de uma torneira aberta, espalhando-se por suas pernas. Não podia sair na rua daquele jeito, então capengou até o armário da cozinha e tirou de lá um kit de primeiros socorros. Pegou também uma garrafa de vodca. Ela não tinha nada que funcionasse como anestesia. A bebida teria que servir.

Sophia sentou-se de pernas abertas no chão da cozinha, uma poça de seu próprio sangue já começando a se formar no piso. Abriu a garrafa de vodca, bebeu três grandes goles e derramou o restante no ferimento em seu estômago. O líquido parecia ácido em sua pele. Ela gritou, bateu a nuca na parede, chutou o ar e fechou os olhos. Lágrimas escorreram. Suor pingava de seus cabelos curtos. Por fim, destampou o kit de primeiros socorros e tirou de lá uma agulha e uma linha.

Suas mãos molhadas de suor e sangue tremiam tanto que ela só conseguiu passar a linha pela agulha na sétima tentativa. A garota puxou de cima da mesa da cozinha um pano de prato, enrolou-o bem e mordeu-o. Baixou a mão rumo ao ferimento em seu estômago, o corte aberto como uma boca, e tocou-o de leve com a ponta da agulha. Encolheu-se diante da fisgada. Respirou fundo uma, duas, três vezes, e começou o trabalho.

Não soube dizer se demorou para costurar a si mesma, porque perdeu qualquer noção de tempo. Havia apenas a dor em suas entranhas e que se irradiava pelo resto de seu corpo. Ela ia e vinha com a linha, subindo e descendo, puxando e puxando, a agulha entrando e saindo de sua pele. Os lábios da boca em seu estômago fechavam-se aos poucos diante de cada ponto. Devido ao tremor em suas mãos, às vezes Sophia errava o alvo e furava seu abdômen no lugar errado. Chorava, mordia o pano com tanta força que seus dentes doíam, parecendo prestes a se enterrarem em suas gengivas. Mais de uma vez, a inconsciência ameaçou abraçá-la. Sua mente ficava negra e leve, e Sophia precisava balançar a cabeça para não desmaiar. Se perdesse a consciência, morreria. Quando finalmente terminou, a garota deixou-se cair com a testa no piso frio da cozinha e examinou seu trabalho. Quase não dava para ver o corte em meio ao sangue que a empastava, mas, pelo menos, conseguira fechá-lo. Sua garganta estava seca. Seus olhos, quentes. Ela mijara nas calças.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now