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Uma semana antes de Bernard Chapman sentar-se na sala de estar do escritor Justin Pullman, mais ou menos no mesmo horário em que um monstro de olhos amarelos e cicatriz no pescoço observava pela janela da casa dos Straub o menino Danny jantar com a família, uma garotinha de olhos verdes e cabelo pretinho entrou no minimercado de Oldwheel. Rick McShan, o xerife da cidade e responsável pela ronda daquela noite, viu-a andar pela calçada e, dando ouvidos à voz dentro de sua cabeça – ao seu instinto, como bem poderia ter-lhe dito Bernard Chapman – seguiu-a para o interior do estabelecimento. Sacou sua arma, obrigou-a a se ajoelhar à vista de todos os clientes e algemou-a. Ela, claro, poderia ter se livrado daquelas algemas sem o menor esforço. Mas não o fez. Deixou que Rick McShan a enfiasse em uma viatura e a levasse para a delegacia, onde um policial de traços orientais escoltou-a até uma cela que ficava nos fundos.

Ele trancou a cela e deu uma rápida batidinha com a chave em uma das barras.

- Quantos anos você tem? – perguntou o policial oriental.

A garotinha apenas encarou-o com os olhos verdes, sem responder.

- Certo, como queira – o policial balançou a cabeça. – É uma pena ver uma criança como você se perder assim tão cedo.

Ele se retirou para a frente da delegacia, deixando a garotinha de olhos verdes sozinha atrás das grades. Bom, não sozinha: um homem gordo vestido com uma camiseta do ACDC, jaqueta e calças de couro, bandana de caveira e dono de uma barba suja e grisalha que mais parecia um emaranhado de trepadeiras brancas ocupava a cela ao lado dela. Se o Papai Noel decidisse trocar o trenó por uma Harley e os presentes por garrafas de tequila, ele provavelmente teria aquela aparência.

- Ei, garota – o homem gordo disse ao vê-la parada no meio da cela. – Ei, garotinha? Tô falando contigo.

A garotinha dispensou a ele um rápido olhar e sentou-se no banco de madeira que ficava atarraxado aos fundos da cela. O barbudo resmungou mais alguma coisa, mas ela sequer o escutou: já o tinha descartado da equação e, no momento, obrigava-se a pensar em uma maneira de sair daquela situação perigosa sem transformá-la em uma situação tremendamente perigosa.

Ele me reconheceu, ela pensava enquanto encarava as barras sujas da cela. Viu meu rosto em algum lugar e me reconheceu.

- Garota? – seu vizinho, seu esplêndido companheiro, tinha ficado de pé e espremia o rosto balofo pelas barras da cela da garotinha. Sorria um sorriso de dentes podres, alguns faltando e outros brilhando com obturações douradas. Coisinhas pretas se moviam em sua barba emaranhada, pontinhos escuros que pareciam pulgas. – O que você fez para estar aqui, heim?

A garotinha enterrou o rosto nas mãos e tampou os ouvidos com os dedões. Ela tinha direito a uma ligação, certo? Muito bem. Aí estava a solução: iria falar com Josh e ele resolveria todo aquele problema. Havia esperança. Ela podia sair daquela delegacia sem machucar ninguém, sem chamar demasiada atenção.

- Estou aqui porque bati a minha moto – disse o homem gordo vestido de couro. – Dá pra acreditar? Disseram que eu estava pilotando embriagado. Pffff, como se uma garrafa de vodca fosse o suficiente para me deixar bêbado – ele bateu na enorme pança e riu, um som áspero de pedras rolando. – Por acaso você é uma daquelas garotas de programa? Quanto cobra por uma chupadinha aqui e agora?

Um ziiiiiiiip ecoou quando o homem gordo abriu a braguilha da calça de couro e tirou para fora o pau duro. Passou aquela coisa ridiculamente minúscula por entre as barras da cela e balançou-a para a garota.

A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now