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O helicóptero aproximava-se rápido. Sophia apertou a cabecinha de Joanna contra o ombro, mas a garotinha desvencilhou-se e ergueu o rosto na direção do trum-trum-trum que a aeronave produzia.

- Que é isso?

- Nada, querida – disse Sophia. – Vou colocar você no chão, e você vai correr para o convento. Entendeu?

- Não quero deixar você.

- Vou ficar bem. Prometo. Mas você tem que sair daqui.

Sophia colocou a garotinha na grama, mas Joanna plantou os pés.

- Não quero ir.

- Por favor, Joanna – Sophia olhava do rosto dela para o helicóptero, que agora plainava acima de suas cabeças, preparando-se para pousar. – Vá ficar com sua avó.

A criança abriu a boca, pronta para protestar pela terceira vez, mas pareceu ver algo em Sophia que a fez mudar de ideia. Ao em vez de dizer de novo que não queria ir, Joanna estendeu a tartaruga de pelúcia.

- Fique com Lancelot – ela disse. – Ele vai proteger você.

Sophia pegou a tartaruga e beijou a testa de Joanna.

- Vá! – o barulho das hélices batendo agora era tão alto que Sophia precisava gritar para ser ouvida.

Joanna foi. Sophia olhou-a se afastar até ter certeza de que a criança não daria meia-volta, então se virou para o helicóptero. A aeronave, negra como os cabelos de Sophia, perdia altitude devagar conforme se preparava para pousar, o deslocamento de ar produzido pelas hélices criando grandes círculos na grama do jardim. Sophia segurou a tartaruga de pelúcia com firmeza na mão esquerda e, com a direita, sacou a .380.

Viu Harvey sentado ao lado do piloto na cabine e apontou a arma.

O piloto do helicóptero abriu a boca e gritou algo na orelha de Aiden Harvey. Sophia não entendeu, e também não deu a mínima. Apertou o gatilho três vezes, o barulho dos disparos se perdendo no trum-trum-trum das hélices. Mas as balas não se perderam: atingiram a cabine, e tanto Harvey quanto o piloto se encolheram contra os bancos quando os tiros ricochetearam no vidro, com força não para estilhaçá-lo, mas para trincá-lo em dezenas de linhas brancas que lembravam teias de aranha.

- Acha que eu estou de brincadeira, Harvey? – gritou Sophia. – Acha que eu não vou matar você?

Harvey, que usava óculos escuros e um ridículo capacete com proteções auriculares, colocou a cabeça para fora da cabine e gritou:

- Abaixe a arma, Sophia! Agora!

Sophia ergueu o dedo do meio e disparou de novo, tão rápida que Harvey não teve tempo de voltar para dentro da cabine. A bala atingiu-o no capacete, jogando a cabeça dele para trás e atirando-o de encontro ao banco. Seus óculos escuros escaparam de seu rosto e rodopiaram. O piloto puxou o manche com tanta força que as veias de seu pescoço ficaram visíveis mesmo a dez metros de altura, e então o helicóptero subiu um pouco mais para fugir da mira de Sophia.

- Não preciso de uma arma para acabar com você! – ela gritou. – Estou falando sério, Harvey! Eu...

Algo a picou no pescoço. Não doeu: foi mais como uma mordidinha de formiga. Como diria o dentista, certo, Danny?, Sophia pensou enquanto fechava os dedos na coisa pendurada em sua jugular. De testa franzida, ela puxou aquele corpo estranho e viu-se encarando uma agulha. Na ponta, uma gota de seu próprio sangue brilhava como um rubi.

Todos esses anos depois, e ele continua enfiando agulhas em mim.

E então sua visão se embaçou, como se um lençol fino e translúcido descesse sobre seus olhos. Seu mundo se dividiu em dois, depois em quatro e então em oito. Sophia sentiu a cabeça ficar estranhamente leve. Parecia que alguém bombeava gás hélio para dentro de seu crânio através de um de seus ouvidos enquanto seu cérebro escorria pelo outro. A seringa escapou de seus dedos, assim como a pistola .380. A única coisa que continuou firme em suas mãos foi a tartaruga de pelúcia, e seu joelho esquerdo caiu em cima daquele casco macio quando Sophia desabou para frente.

O som das hélices se distanciou, o que não fazia o menor sentido, porque Sophia sabia que o helicóptero estava pousando. Sentia o vento contra seu rosto aumentar, fazendo arder seus olhos embaçados e arrancando lágrimas, mas era como se ela usasse os abafadores de ouvido mais potentes do universo. Tudo chegava a ela de longe, muito longe e, quando Sophia tentou erguer a cabeça, não conseguiu. Nem um centímetro sequer. Nunca amarraram uma bigorna em seu pescoço e pediram para ela ficar de pé mas, se um dia alguém fizesse isso, Sophia tinha certeza de que a sensação não seria muito diferente da que experimentava agora.

- Alvo abatido! – a voz de Harvey chegou até ela como se ouvida debaixo d'água. – Repito, ela está abatida!

Abatida. Que merda de palavra.

5

O helicóptero pousou e Aiden Harvey saltou para a grama, arrancando o capacete amassado pela bala certeira de Sophia. Sete agentes da Divisão, vestidos com coletes e portando fuzis, o acompanharam. Em sua mão, ele trazia uma pistola projetada especialmente para aquela ocasião: munida de seringas com Sufentanila, um analgésico dez vezes mais potente que o Fentanil e 500 vezes mais forte que a morfina. O resultado superou até as expectativas mais otimistas de Harvey. Bastou um disparo certeiro no pescoço de Sophia para que a garota caísse de joelhos, impotente, incapaz de atirar ou de usar seus poderes. De fazer sua mágica mental. Bom, ela gostava de drogas, não gostava? Ali estava uma na qual Harvey pretendia viciá-la.

Mesmo com a cabeça parecendo explodir – o tiro que acertara o capacete ressonava até agora por seu crânio – Harvey sorria de orelha a orelha. Depois de cinco anos de tentativas, finalmente tinha Sophia Manning ao seu alcance. Ele fez um gesto com o dedo para que a equipe da Divisão cercasse a garota e avançou para cima dela com passos largos, mas sem pressa. Ela estava indefesa pela primeira vez na vida, e Aiden Harvey queria saborear cada minutinho.


A Voz da Escuridão.Where stories live. Discover now