|SOLDIERS|

|Is it Karma?|

|Malik|

Tenho acordado todos os dias dos últimos meses com o som vindo da aula de yoga da minha irmã. Não, yoga não deveria ser capaz de arrancar uma pessoa do próprio sono, mas não estamos falando de condições neutras. A realidade consiste no fato de que durmo no quarto dos fundos, e é exatamente na porta desse cômodo que minha irmã resolve ter aula online de yoga todos os dias às 7 da manhã. Segundo ela, é preciso se energizar na única parte da casa que recebe a luz do sol e é suficientemente silenciosa. 

Depois de longas semanas me estressando com aquela porcaria e querendo ensinar a professora a  posição do "vai fazer respiração diafragmática na casa do caralho", de alguma forma acabei participando de uma aula ou outra. Àquela altura todos as frases zen já estavam orbitando minha mente e quando comecei a participar, elas perfuraram o meu cérebro. 

Desconfio que minha irmã resolveu destruir o meu sono na esperança de que eu me tornasse menos chato, um pouco mais relaxado e sociável. O que ela conseguiu foi um irmão com boa postura e muitas reclamações sobre como passa o dia com sono. 

O ponto é que minha mente foi inundada por frases feitas muito empolgadas e cheias de otimismo que normalmente me fariam querer vomitar, mas tentei aprender algo com cada uma, mesmo que às vezes sinta que meu cérebro está derretendo e levando junto qualquer resquício de personalidade que algum dia tive. 

A psicóloga que sou obrigado a visitar uma vez por semana sempre reforça que arrogância e falta de respeito não são traços de personalidade, são defeitos que devem ser trabalhados e corrigidos. Tenho lentamente colocado esforços em mudar esse tipo de coisa, em ser alguém menos intragável, e mais tranquilo. 

Mas não agora. Na verdade, neste exato momento, enquanto a voz da professora Danielle ecoa na minha mente falando sobre como o corpo é o arco, e a alma é a flecha, tenho vontade de tornar alguns rostos por aqui o meu alvo. 

A Dr. Sharon provavelmente falaria sobre controle de raiva, mas acho que ela também se estressaria se passasse dias aguardando uma reunião misteriosa que marcaram com ela, criasse expectativas, e então descobrisse que lhe chamaram para dar um pé na bunda e dizerem que a única coisa que construiu na vida já não lhe pertence mais. 

Foi exatamente o que acabou de me acontecer. 

Obviamente o meu testemunho no caso da família Sachafer trouxe consequências para a minha própria família, o que nós não só já esperávamos, como também sabíamos que seria justo que acontecesse. Não querer que algo de ruim aconteça com quem você ama não significa não concordar que algo deveria acontecer. 

Meus pais puderam continuar no Reino Unido, considerando que o máximo de ligação que já tiveram com os Estados Unidos foi a merda do acordo que fizeram com Tanner e Lang. Ambos estão respondendo a processos, e minha mãe foi afastada do emprego. Ela tenta não soar desanimada, afinal também possui uma ocupação autônoma, mas sei que no fundo é difícil para ela ter que lidar com as mudanças. Eles não foram presos, mas de repente passaram de uma família exemplar e respeitável a uma família condenada pela justiça estadunidense; antes eles eram cidadãos modelos, agora são pessoas com ficha suja. Não é fácil ter a aparência da minha família, os traços físicos deles são lindos e algo de que temos muito orgulho, mas também são considerados por muitas pessoas razão suficiente para discriminá-los e julgá-los, imagine só agora, que as pessoas parecem ter sido servidas com exatamente o que esperavam: uma razão concreta para criticá-los sem correrem risco de serem notificados por crime de xenofobia. 

Sei que meus pais ficarão bem, apesar de todos os problemas, eles parecem aliviados, como se um peso sufocante houvesse sido retirado de suas costas. É assim que você sabe que alguém é melhor do que os erros que cometeu no passado: quando assumí-los, apesar de ser o pontapé inicial para uma avalanche de complicações, faz com que se sintam melhores do que em qualquer dia em que sabiam que estavam vivendo em um mundo regido por mentiras.