|How's it possible?|

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|Collins|

O enterro está terminando. A cada nova porção de terra jogada sobre sua cova uma nova fração de realidade me atinge. Lentamente vou me dando conta do que aconteceu. E é tão devastador.

Apesar das circunstâncias em que minha mãe vinha vivendo há anos, no fundo ainda existia o contentamento de que ela estava ali em algum lugar sendo tratada da melhor forma que era possível. É difícil aceitar que agora não está mais em lugar nenhum além das lembranças de quem um dia ela foi.

É como a dor de quando meu pai partiu. Mas naquela época eu ainda tinha a esperançade que um dia ele iria voltar. A esperança de criança diminuiu o meu sofrer, que eventualmente me atingiu com força quando a ausência dele quebrou cada um de nós.

Não há por que temer a morte. Repito para mim mesma o que costumava ouvir quando criança. É um jeito de lembrar que minha mãe nunca a temeu e é também um modo de buscar meios de permanecer de pé até o fim dessa cerimônia. Está quase acabando.

Nós não conseguimos fazer tudo como queríamos quanto à preparação. Na verdade, há todo um ritual de crenças que queríamos seguir, mas não tivemos tempo ou condições. Queria que fosse o mais discreto possível, porque apesar do momento doloroso, eu continuo preferindo não chamar muita atenção. Mas pelo número de pessoas presentes no cemitério agora, deduzo que não consegui a discrição que tanto prezei.

Eu não esperava ver tanta gente, apesar de ter torcido muito para que alguém aparecesse. Sinceramente não sei se suportaria a tristeza de ver o lugar vazio. Não é que minha mãe não tivesse sido incrível o suficiente para que muitas pessoas fizessem questão de lhe darem seu último adeus, mas é que ela não teve tempo de fazer amizades em Indiana. Foi pouco o período de lucidez que teve desde que nos mudamos pra cá.

Assim que chegamos, vovó percebeu minha confusão e tentou explicar o caso. Basicamente muitas pessoas que viviam no lugar em que nós morávamos anteriormente acabaram sendo realocadas nos Estados Unidos. A grande maioria no Novo México e na Califórnia, que são os estados vizinhos ao nosso. A maior parte deles é membro da mesma comunidade supervisionada de perto por uma associação que cuida dos direitos de imigrantes. Fico surpresa com a história, porque, francamente, não entendo como todas essas pessoas conseguiram entrar legalmente no país. Não se trata de uma multidão, é óbvio, mas até mesmo eu, que sou canadense, e portanto, parte da América do Norte, tive que enfrentar forte burocracia para conseguir a mudança oficial para o território estadunidense.

Recebo um cutucão discreto de vovó e assim que desperto dos meus pensamentos distantes, entendo ao que ela se refere ao gesticular.

Estão prestes a levantarem as pás finais de terra. Devo dizer as últimas palavras que seu espírito ouvirá na Terra.

Sei o que as pessoas estão esperando que eu diga. Mas simplesmente não posso. Então deixo meu coração assumir o controle.

"Você é amada. Obrigada por ter tornado o mundo um lugar melhor por tanto tempo. Descanse em paz."

E então a última porção de terra é jogada.

Posso perceber que muitas pessoas aparentemente estão um pouco desapontadas comigo, mas outras parecem entender que o que fiz foi o mais correto. De qualquer forma, não me importo. Eu não sei quem a maioria delas são, e apesar de grata por suas presenças, não lhes devo nada, muito menos hoje.

Minha avó me puxa para um abraço e é quando me sinto um pouco melhor.

Ela tem sido tão forte! Minha mãe era sua nora, mas as duas sempre tiveram um relacionamento maternal. Vovó costumava visitá-la frequentemente. Então é óbvio que não está sendo fácil para ela, mas mesmo assim, sua força é o que se sobressai.

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