|I don't know my name|

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|Collins|

É de se esperar que alguém que já viveu permanentemente em três países e que tem - quero dizer, tinha - um trabalho que envolve deslocamento constante estaria mais familiarizada com tudo o que envolve mudanças

Mas eu definitivamente sou uma exceção. O amontoado de caixas no pequeno apartamento que aluguei no Old Quebec é a prova disso. 

Old Quebec é uma região de Quebec conhecida pelo valor histórico, ela é divida em duas partes: a baixa e a alta. Ambas são incrivelmente bonitas e transbordam de turistas, mas na parte alta existe um castelo, então é compreensível que a última vaga de alojamento não estivesse lá. 

De todo modo, a minha torcida era encontrar um lugar exatamente onde estou. É a área com maior número de cafés, galerias de arte e onde fica o mercado mais diversificado da região. E sempre existe a opção de ir a pé até a parte mais alta de Old Quebec. 

Eu precisava encontrar algo de positivo em que focar ao ter que trocar de país, então foquei em estar em um ambiente que me trouxesse conforto, e o fato de que eu encontrei - e por um preço que realmente cabe no meu curto orçamento - me faz pensar que talvez algo realmente esteja dando certo para mim. 

Só espero que o preço do aluguel não signifique que este prédio esteja próximo de desabar.

Dou uma olhada nas caixas espalhadas pela sala e suspiro. Não contei a ninguém que as coisas continuam empacotadas. Basicamente digo que estou bem, faço um breve balanço sobre o tempo e dou um jeito de desconversar sobre qualquer pergunta que surge. 

Eu contaria sobre os meus dias, mas não há muito a ser dito por enquanto. Os dias não parecem ter 24 horas desde que cheguei. Não consigo sentir o tempo passando entre o momento em que acordo e o que durmo. 

Morar em um dos lugares mais bonitos do país e ficar escondida em um apartamento… um novo clássico Valerie Collins. Ou Anne Sachafer. Eu nem ao menos sei qual é o meu nome.

Aparentemente não tenho sido mais do que um zumbi. 

Mas hoje estou disposta a mudar isso, pelo menos um pouquinho. Passos de bebê, certo?

A primeira coisa que faço antes de tomar um banho que me deixe 100% desperta é abrir a janela e permitir que a luz entre no cômodo. Também entram muitos ruídos de conversas vindas da rua e cheiro dos crepes preparados no quiosque montado na calçada. Mas isso é bom, são lembranças de vida, de movimentação. Definitivamente essas são coisas das quais necessito. 

A percepção de que o mundo continua lá fora é o incentivo perfeito para dar seguimento ao meu plano extremamente tímido de viver o dia de hoje. 

O banho é eficaz em me deixar mais acordada. E embora o clima peça roupas bem aconchegantes, dou-me o luxo de aumentar o aquecedor e ficar apenas de lingerie. Esse é um privilégio que não tive por muito tempo e pretendo usufruir dele no momento, mesmo que eu tenha que me vigiar para ficar afastada das janelas. Ou talvez eu possa simplesmente ser a vizinha pelada de alguém. 

Dou risada com o pensamento e meus olhos procuram curiosos o meu reflexo no espelho, como se não soubessem mais como é a minha aparência quando estou assim, relaxada ao ponto de sorrir com um pensamento bobo. 

Meu olhar demora-se na garota no espelho. Tento mapear mentalmente o que vejo agora, na tentativa de dar fim a essa sensação perturbadora de que não me enxergo mais. 

Meu cabelo cresceu consideravelmente desde que foi cortado contra a minha vontade. Não está no mesmo comprimento que costumava ter, mas já  passa dos ombros e é uma sensação gostosa sentir as pontas fazerem cócegas na minha pele. 

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