|Let's fight|

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|Collins|

Estamos sobrevoando o Afeganistão, indo em direção ao leste do país, onde estará a nossa base. Nunca estive nessa região antes.

Há certo barulho no caça, há muitos soldados conversando e suas vozes acabam mesclando-se, tornando um ruído só. Vez ou outra alguma risada se sobressalta. É, pode não parecer tão provável - considerando que essa não é uma viagem de lazer - mas o bom humor raramente falta. Acho que é algo do tipo "hey, nós faremos isso de qualquer forma, então vamos tentar executar da maneira mais leve possível."

Infelizmente não está funcionando muito bem para mim. Mas é justificável, certo? Perdi minha mãe há menos de 72 horas. Estou uma bagunça.

A visita que Harry fez em Indiana com certeza me tirou um pouco do fundo do poço, e hospedá-lo durante aquela noite em minha casa trouxe para mim uma sensação inesperada de conforto. Mas no anoitecer seguinte já estávamos de volta à Carolina do Norte, logo após me despedir da minha avó por no mínimo os próximos 7 meses, e logo antes de Styles precisar tomar as últimas decisões antes de partirmos em direção ao Oriente Médio.

Com exceção dele e dos auxiliares, somos 49 soldados, considerando que Carlson foi impedido de servir por estar sob investigação pelo acidente que sofri. Só consigo pensar que espero que daqui a alguns meses, quando chegar a hora de voltarmos para casa, ainda sejamos 49 soldados e o resto da equipe ainda esteja completa. Com Harry. Com Liam. E até com Malik, para quem nem ao menos olhei desde que o grupo voltou a se reunir ontem.

Ainda não me sinto preparada para lidar com ele. Para ser sincera, não me sinto preparada para lidar com coisa alguma. Até as dores remanescentes do acidente voltaram a me atormentar. Mas tento não pensar em nada e apenas me deixar levar pelo barulho no caça em que estou, que transporta apenas metade da equipe por medidas de segurança.

Conforme entramos ainda mais em território afegão, seguro com mais tensão o armamento que está para fora do caça. É uma Browning M2, uma das metralhadoras mais pesadas que possuímos, perfeita para segurança de aviões. Não me preocupo com a minha proximidade da porta aberta, mas me distraio com o significado desse momento.

Controlo uma arma enquanto ainda estamos voando. Nem mesmo o céu é seguro a partir de agora.

*

Assim que pousamos e transferimos algumas das cargas, somos levados em um ônibus escoltado até uma das bases administrativas. A força militar afegã está tentando garantir que não sejamos atacados já no primeiro momento.

Quando chegamos nos reunimos à segunda parte do grupo em uma sala grande o bastante para nos receber. Não esperava que houvessem assentos, mas felizmente há, e não perco tempo em me sentar ao lado de Liam.

Assim que todos estão acomodados, Styles caminha para a frente do grupo. Ele faz anotações no primeiro papel amarelado de uma série de documentos presos à sua prancheta. Logo depois, ergue o olhar. Meus olhos são os primeiros que os seus encontram, mas desviam em seguida.

"Bem-vindos a Nangarhar, soldados." Ele diz sinceramente, mas obviamente não força nenhum tipo de entusiasmo.

Todos apenas assentem. Acho que ninguém sabe de verdade qual é a nossa real situação agora.

Pelo que ouvi, a grande maioria - inclusive eu - não pesquisou muito a respeito do lugar. Tudo o que sabemos é que essa missão é mais complicada que a anterior e que todos os outros soldados vindos de fora com quem tivemos algum tipo de contato disseram que precisaríamos de sorte. É, definitivamente nada animador. Mas uma coisa sobre os soldados é a nossa incapacidade de acreditar na fama dos lugares até testemunharmos de perto. Nós sempre achamos que com a gente não vai ser igual, que nossa definição de horror é muito diferente da dos outros. Geralmente quebramos a cara, mas também é um lance nosso fingir que esse engano não é grande coisa. Parece um ciclo sem fim.

"Suponho que a maioria de vocês não tenha muito conhecimento sobre Nangarhar, então acredito que este seja o momento certo para informações básicas." Ele faz uma pausa para que um auxiliar local dê início à projeção do mapa do país.

"Nangarhar é uma província localizada na cidade de Jalalabad. Leste do país, e próximo à fronteira com o Paquistão. Cerca de um milhão e meio de população. Baixa umidade, clima semelhante ao de todo o Afeganistão. "

Ele faz mais uma pausa, dessa vez adquirindo uma postura ainda mais séria.

"Última coisa que precisam saber sobre Nangarhar por enquanto é que não há espaço para erros aqui. Vocês lembram do Vale Korengal, certo?"

Todos assentimos. É impossível não sabermos sobre o tão temido "Vale da Morte", o lugar mais perigoso do Afeganistão na primeira década dos anos 2000. Aquele em que haviam tiroteios e bombardeios o dia todo. Aquele que vitimou tantos de nossos combatentes. Aquele sobre o qual fizeram filmes e escreveram artigos enormes.

"Alguns noticiários já consideram Nangarhar o novo Korengal"

Há apenas o mais completo silêncio. Mal nos movemos. Todos tentando achar um jeito de fazer aquilo parecer inofensivo.

É basicamente impossível.

"160 pessoas foram mortas nos últimos três meses. 490 feridos. 30 ataques, desde os mais complexos a explosões planejadas em curto prazo. Os ataques têm aumentado, assim como o domínio dos grupos terroristas sobre a província. Nossa missão é diminuir esse controle. E com um pouco de sorte, exterminá-los." Ele sorri de lado, mas sei que não é como realmente se sente. Faz apenas parte da sua postura de instigar a adrenalina do pelotão.

Pode não fazer sentido, mas não importa o quanto você condene o uso de violência, no momento em que está longe de casa porque há pessoas matando inocentes, a ideia de que o poder de acabar com todo o sofrimento está na sua mão causa algo em você. É possível sentir a adrenalina correr pelo corpo. Faz tudo parecer mais fácil, como se não houvessem obstáculos à nossa frente.

Liam ergue a mão, e após receber a autorização de fala do Primeiro-Tenente, faz sua pergunta.

"Contra quem lutaremos aqui, senhor? Não tenho certeza sobre a distribuição do domínio dos grupos rebeldes pelo território."

"Boa pergunta, Payne. A província tornou-se um bastião do Estado Islâmico. Mas a verdade é que há frequentes combates entre eles e o Talibã por aqui. No entanto nós não sabemos a que pé anda o relacionamento dos dois grupos, porque apesar de se enfrentarem, também já assumiram juntos a autoria de alguns atentados. Então, de qualquer modo, basicamente a nossa missão é enfrentar os dois."

"Sei que sempre damos o nosso melhor, mas acredito na constante evolução de tudo, inclusive do nosso serviço. Há mais do que um território em jogo. Estamos falando de milhares de vidas. Inclusive de crianças que nunca conheceram nada além da guerra, e de anciões que estão tão exauridos que preferem conviver com os terroristas do que continuar a lutar. Temos que convencer este povo de que vale a pena resistir, de que só acaba quando a paz estiver instalada. Eu acredito que somos capazes disso. Esqueçam os fracassos de missões anteriores. Dessa vez vocês estão sob o meu comando, somos uma equipe e eu sei que cada um de nós dará o seu melhor."

Alguns murmúrios empolgados são ouvidos na sala quando Harry dá espaço para nossas primeiras impressões. Guardo silenciosamente o orgulho que estou sentindo. Ele nasceu para ser um líder. É incrível como tudo nele muda nesses momentos. É fascinante de ver.

Liam estende a mão para mim, a fim de fazer nosso comprimento particular. Eu o aceito com um sorriso, e encosto a cabeça em seu ombro por alguns segundos.

Noto que Styles está me olhando com a insinuação de um sorriso em seu rosto. Acho que é um daqueles momentos em que precisa saber como estou me sentindo ou o que estou pensando.

Confirmo que todos estão ocupados demais para prestar atenção em mim, e logo em seguida, volto a olhar para ele. Pisco o olho em sua direção e movo os lábios silenciosamente dizendo:

"Vamos à luta."

***

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