|How it Ends|

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|Collins|

A primeira vez em que vi o mundo por uma janela gradeada foi aos cinco anos, quando papai quis fazer uma surpresa no aniversário de vovó indo visitá-la no Arizona. O fato dela ter um green card após estabelecer união estável com Peter - um americano que faleceu há mais de uma década - nem de longe nos deu credibilidade suficiente. Na hora de passarmos pela imigração, não só fomos barrados, como também ficamos detidos. Era de se esperar que a abordagem fosse mais branda diante da minha presença, mas a realidade não poderia ser mais distinta. Esperamos por horas a fio em uma sala pequena cujas paredes cimentadas pareciam nunca terem visto um revestimento. Além da porta pesada de madeira que nos separava do resto das pessoas, a única pista de que o mundo continuava lá fora era a pequenina janela à minha frente. Apesar de alta demais para que eu enxergasse alguma coisa, lembro de fitar o laranja do céu de fim de tarde, curiosa para saber se o firmamento seria diferente quanto observado dos Estados Unidos. Com todos os sorrisos reconfortantes que meu pai lançava-me, os abraços aconchegantes e as canções acolhedoras, eu ainda não havia entendido que nem teria a chance de provar um pouquinho do sonho americano.

A segunda vez em que vi o mundo por uma janela gradeada foi há cerca de dez anos, quando eu e mamãe estávamos escondidas no sótão da casa dos Malik, esperando que a polícia parasse de rondar nossa casa consumida pelas chamas. Daquela vez eu não sonhava com o céu, mas encarava a janela porque era melhor do que olhar para o rosto atormentado pela dor de minha mãe, além disso eu precisava de ar, e parecia que aquele pequeno pedaço de abertura para o mundo era a única coisa capaz de garantir o meu respirar. Ao mesmo passo, doía olhar para aquela brecha, porque já não haviam os abraços, sorrisos e canções do meu pai, e rememorar que o mundo ainda existia lá fora, que não havia parado para os demais como havia para mim, era quase assustador demais. Lembro de pensar que estar naquele espaço com apenas uma fenestra em meio aos pertences dos Malik que não eram úteis o bastante para estarem adornando a casa, era o retrato perfeito da minha vida: insignificante demais para conseguir alcançar o universo, mesmo tendo um pequeno vislumbre dele. No fim, era tudo o que eu era autorizada a ter: uma amostra do que existe, mas que não posso alcançar.

A terceira vez em que vi o mundo por uma janela gradeada foi há dois dias, quando representantes do propósito ao qual tenho dedicado minha vida ao longo dos últimos anos prenderam-me sob a justificativa de que lhes sou uma ameaça. Durante as últimas quarenta e oito horas, tenho me perguntado se a certeza deles de que alguém com o meu passado só possa odiá-los não é um indicativo de que talvez eu realmente devesse ter usado minha vida nos Estados Unidos para fazê-los pagar pelas coisas que me tomaram. Não é que eu nunca tenha pensado nisso antes, mas jamais cheguei a formular um plano. Em parte porque minha avó jamais deixaria que eu me colocasse em ainda mais perigo ao confrontar pessoas mais poderosas do que eu, e em parte porque eu nem saberia por onde começar.

Eu não faço o tipo vingativa. Apesar de toda a raiva que tenho em mim, sempre escolhi direcioná-la para algo mais útil. Então eu não entrei para as Forças Armadas para conspirar contra os Estados Unidos, e sim porque, dentre uma dezena de razões, era uma chance de descarregar a minha fúria. Além disso, eu estava prestes a ser deportada, e ser aceita no Exército naquele momento específico me garantiria a renovação do visto. Fiz o que era necessário para me manter perto de minha avó, que não tinha condições de mudar-se.

Eu teria explicado isso a Harry se ele tivesse me dado a chance. Mas é óbvio que não deu, e entendo completamente. Talvez eu estivesse até um pouco aliviada por não precisar mais mentir sobre quem sou - se não incluísse a parte da prisão - mas a situação toda é muito pior do que qualquer cenário que tenha imaginado. Porque o problema não é que eu falsifiquei documentos para entrar nos Estados Unidos, e sim que eu sou filha do homem acusado de matar o pai do cara que amo.

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