Crisis

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|Collins|

Eu sempre tive gênio forte. Ao menos é o que as pessoas ao meu redor sempre fizeram questão de ressaltar, e essa é uma característica minha que apenas foi florescendo ao longo dos anos.

Em meio a essa falta de neutralidade, devido ao meu começo de vida conturbado e todo o contexto em que cresci, aos poucos a garota raivosa deu lugar a uma garota mais triste e reclusa do que a maioria, portanto a minha saúde mental nunca foi exatamente o meu ponto forte. 

Tanto que minha avó não se acanhou em pedir uma sessões grátis de terapia para mim com um psicólogo que foi nosso vizinho por anos. Basicamente nós nunca tivemos dinheiro sobrando ao ponto de poder dedicá-lo ao tratamento de uma possível questão mental. Ainda hoje dedicar gastos financeiros a isso é considerado por muita gente como dinheiro jogado fora. Mal sabem essas pessoas que as escassas e rápidas sessões de terapia com o vizinho foram o que me salvaram de me perder em mim mesma. 

Na época, Johnson, o vizinho, não chegou a me diagnosticar com nenhuma doença psicológica exata, mas detectou a minha proeminência a vir a manifestar algum distúrbio. Um desses que várias pessoas ao nosso redor possuem e nem ao menos desconfiamos. 

Apesar dele ter se mudado para o Brasil, o tempo em que me avaliou foi de grande ajuda, porque veio em um momento em que eu precisava lembrar que estava viva. Ainda assim, nos períodos seguintes senti falta de ter um profissional me auxiliando. 

Só quando entrei para o Exército é que tive um acompanhamento mais pesado, como é de praxe. Nós vemos e vivenciamos situações terríveis com grande frequência, e algumas delas nos marcam para sempre. Eu passei na avaliação psicológica exigida para ser aceita nas Forças Armadas, mas logo depois da primeira missão, nosso psicólogo alertou que eu deveria passar a fazer uso de dosagens pequenas de um antidepressivo. Tão pequenas que não afetam o meu rendimento, mas eficazes o suficiente para não permitir que eu me perdesse. 

Esses comprimidos não recebem selo de prioridade - como é o caso dos que recebo para tratar as queimaduras - mas sempre estão em porções volumosas na enfermaria. Bem, sempre estavam. 

É isso, sem nenhuma explicação eu simplesmente não tenho acesso a nenhum dos meus medicamentos. E a única coisa que os responsáveis pela enfermaria me dizem é que ainda não chegaram. 

Estou tentando lidar bem com o fato de que estou sendo obrigada a interromper o tratamento que poderia me ajudar a me livrar dessas marcas que ainda incomodam tanto. E até estou me saindo bem quanto a isso. Mas eis uma coisa que ninguém gosta de lembrar: uma vez que você passa a necessitar de um tratamento com antidepressivos - por mais simples que seja o caso - é quase impossível ter dias tranquilos após a interrupção deste ciclo. 

O que o psicólogo do pelotão, para quem liguei mais cedo, me disse é que se trata da chamada Síndrome da Abstinência. Basicamente a interrupção do remédio causa ansiedade, insônia, irritabilidade, explosões de choro, distúrbios de humor, tontura, vômitos, tremores e mais um monte de merda. 

E infelizmente vários desses sintomas estão se manifestando em mim desde o momento em que acordei e completei 72 horas sem a medicação. O que basicamente estou tentando dizer é que estou sentindo como se eu fosse o próprio demônio em forma de gente e, sinceramente, adoraria não ser eu mesma hoje. 

Tudo, absolutamente tudo está me irritando neste momento. Desde o modo como Liam não para de bocejar a cada 5 segundos ao meu lado até a respiração pesada de Carlson. De fato, neste exato momento eu estou irritada por ele sequer ser capaz de respirar. 

Eu estou um lixo. Admito. E gostaria de apenas me esconder embaixo das minhas cobertas até esses sintomas passarem e eu finalmente sentir que sou eu mesma novamente. Mas infelizmente essa não é uma opção e tenho que ficar de pé esperando pela boa vontade de Malik, que já deveria ter começado a supervisionar nossas atividades de hoje há trinta minutos. 

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