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Antony Brasjen estava acompanhado de dois caçadores e nos encarava com completa certeza de que éramos alvos fáceis. Avren postou-se a minha frente, caminhando na direção deles com toda a calma do mundo e parou quando estava perto dos limites da cidade e da floresta.

— Gostaria de se juntar a nós? — Mesmo naquele instante, meu companheiro dava espaço para as zombarias.

— Infelizmente terei que recusar o gentil convite para levá-los ao encontro de seus castigos neste exato momento. — O olhar do filho do cardeal pousou em mim — Apenas entregue a bruxa e posso ignorar sua presença.

— Você a quer? Então terá que passar por mim.

— Saia da minha frente, menino da floresta.

— Ao que parece, está precisando de outra cicatriz para aprender as boas maneiras, não é?

— Não pense que vai ter a mesma sorte desta vez, saco de penas.

Os caçadores estavam com os dedos nos gatilhos, prestando atenção em todos os nossos movimentos. Avren me empurrou para trás, sinal de que eu deveria arrumar um esconderijo para não atrapalhar, como combinado. Assim que fiquei distante, a névoa aparece e o vi na forma de corvo, avançando mais depressa do que se poderia acompanhar sobre um dos homens armados, o qual teve o rosto arranhado na altura dos olhos e foi obrigado a largar a arma. 

O outro ainda tentava manter a mira fixa no pássaro, mas errou, atirando no próprio companheiro e por pouco em Antony também. Os segundos que perdeu tentando estabilizar a mira foram suficientes para o corvo desaparecer e reaparecer por entre as árvores, arranhando com profundidade as mãos do segundo caçador, cujos gritos de dor certamente seriam ouvidos da cidade.

Antony não parecia dar a mínima para eles e se preocupou apenas em avançar pela floresta, caminhando na minha direção. Ainda com a forma de corvo, Avren tomou impulso e mergulhou como uma flecha sobre o outro, que o segurou pela garganta.

— Como pretende escapar agora, passarinho?

A névoa surgiu novamente, fazendo com que o filho do cardeal ficasse com a mão vazia. Logo, o corvo voltou à forma humana.

— Acha mesmo que pode me pegar? Apenas um amador pensaria que isso seria tarefa fácil.

— Sabe, minha prioridade antes era apenas dar um fim naquela garota, mas acho que tenho tempo para uma mudança de última hora...  — O loiro ergueu o queixo e inspirou fundo, estufando o peito — Quero lhe fazer engolir o que disse da maneira mais amarga que puder imaginar.

— Estou curioso para saber como vai fazer isso. Talvez sua espadinha ajude?

— O rei foi um presente do rei como oferta para que eu me tornasse chefe de guarda, então é melhor ter cuidado com o que fala.

Avren não conteve uma gargalhada. No entanto, não aparentava ser forçada, e sim carregada de humor verdadeiro que nem eu ou Antony entendia a razão.

— Seria uma atribuição perfeita para você — O de olhos verdes comentou após se recuperar. — Pretensioso, brutamontes e que apenas enxerga seu próprio umbigo. Porém, saiba que tenho condições de abater um chefe de guarda facilmente, sem armas e sem me transformar.

—Quem é o pretensioso agora?

Antony avançou com toda determinação e fúria em seu alvo, que parecia calmo demais esperando pelo ataque ou seja lá o que fosse. Me desesperei quando a espada começou a abaixar rápido na direção da cabeça dele, mas, para meu alívio, foi impedida. Avren segurou a lâmina com o braço protegido pela armadura e não sofreu nenhum arranhão. Por mais força que o loiro fizesse para causar algum dano, nada acontecia. Era como se a espada estivesse cravada em uma rocha e não pudesse se mover um milímetro sequer.

O objeto era apertado lentamente até que teve sua lâmina quebrada como se fosse apenas um graveto. A metade que estava prestes a acertar o filho de Grethel estava ao chão enquanto a outra metade, agora inválida, continuava nas mãos do filho de criação do Cardeal.

— Como você fez isso? Nenhum ser humano é capaz de uma coisa dessas!

— Não são vocês da Igreja que me consideram um demônio? Deveriam esperar algo assim. Além disso, demônios precisam de desafios maiores do que um pedaço de metal. — As íris esmeralda dele se concentraram em Antony com um brilho sanguinário — Entende o que digo? Se quiser continuar vá em frente, posso brincar mais. Adoraria saber quanto tempo você ficaria vivo.

Um calafrio percorreu a espinha e meu corpo todo arrepiou pela ameaça. Contudo, até onde pude perceber, Antony estava muito mais amedrontado que eu, tanto que notei quando engoliu em seco e o nó de seus dedos brancos pela força com a qual segurava o restante da espada. 

A armadura do braço de Avren estava arranhada, porém nada mais do que isso. Era assustador pensar no estrago que ele poderia fazer com um ser humano e sua instabilidade emocional era o necessário para que alguma desgraça de proporções grandes acontecesse. 

O Último CorvoWhere stories live. Discover now